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Reportagem

Portugal: Ilha da Madeira e desafios das alterações climáticas

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O clima ameno da Madeira é um dos argumentos tradicionais para fazer a sua divulgação como destino turístico no mundo.No entanto o território situado no Atlântico Norte, ao largo das costas de Marrocos, tem vindo a padecer nos últimos anos de vagas de calor, com registo de recordes de temperatura até há pouco invulgares. 

Funchal, a maior cidade da Madeira, entre o mar e a montanha.
Funchal, a maior cidade da Madeira, entre o mar e a montanha. © rfi/Miguel Martins
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Victor Prior é o delegado local do Instituto português do mar e da atmosfera. No final de Junho, em plena vaga de calor na Madeira, com registo de temperaturas na ordem dos 39 graus centígrados, um recorde, ele dava-nos conta da evolução térmica e do estado do tempo nos últimos anos no território.

2020 foi o ano mais quente de sempre na Madeira com 20,8° [centígrados] e em 2021 baixou para 20,6. Portanto nos últimos anos podemos dizer que há recordes em tudo ! Naquilo que se refere à precipitação, no que se refere às temperaturas máximas, temperaturas médias ! Mesmo a temperatura da água do mar este ano em Março, Abril, Maio os valores da temperatura média registados no Funchal, portanto, na Pontinha, foram os maiores valores de sempre ! Portanto é este o panorama, é esta a situação em que vivemos. E, com certeza, temos que, no fundo, lutar e adaptarmo-nos a este tipo de situações, que são bastante críticas para a Madeira.

Interrogado quanto a se tratar de efeitos das alterações climáticas este responsável conformou esse cenário.

Tudo isto é resultado das alterações climáticas presentes, e que estamos a viver. E com uma velocidade cada vez maior ! Episódios que, aparentemente, se previa ocorrerem daqui por umas décadas estão a acontecer agora.

Panorâmica da cidade do Funchal coberta de fumo, Funchal, 10 de Agosto de 2016.
Panorâmica da cidade do Funchal coberta de fumo, Funchal, 10 de Agosto de 2016. Gregório Cunha/ Lusa

Têm havido crises cíclicas de incêndios a consumirem parte da área arborizada. Confrontado com tal situação sobre se a floresta tem, também, que ser vigiada de perto Victor Prior refere:

Em termos de meteorologia acompanhamos todas as situações: episódios de precipitação forte, de agitação marítima forte, de vento forte e temperatura... vagas de calor, como aquela que está agora a ocorrer aqui, na Madeira [em Junho de 2023]. Em 2016 tivemos valores de temperatura máxima, no Funchal, da ordem dos 38°. Num dos dias a temperatura mínima do ar foi de 29°. E 29° é um valor abrasador ! E eu recordo-me dessa noite ! O recorde anterior era 25°, portanto foi um recorde que foi ultrapassado em 4° ! Portanto embora a temperatura máxima tenha sido semelhante àquela que já tinha sido registada em 1976 a temperatura mínima foi muito mais alta ! É evidente que, nessa situação, ocorreram incêndios devastadores na Madeira, e em especial nas zonas altas da Madeira. Mas já tinha acontecido, também, em 2013 incêndios gigantescos ! Todas as autoridades regionais: Serviço regional de protecção civil, governo, em geral, portanto... todas as entidades estão atentas a esta situação e, como é lógico, fazem o máximo para que os impactos sejam o menos possível. Nestes dias muito quentes, hoje [26 de Junho de 2023] já foram registados 30° aqui, no Funchal. Todas as autoridades estão, portanto, em alerta e a vigiar a floresta na Madeira.

A Madeira tem também vindo a sofrer de uma publicidade menos abonatória para a sua imagem de destino turístico. 

No caso a velocidade do vento que obriga ao cancelamento com relativa frequência dos voos no seu aeroporto.

Em que medida é que a intensificação deste fenómeno se ficaria a dever também às alterações climáticas ?

Eis as respostas de Victor Prior.

Estudos que foram feitos recentemente, principalmente pela Faculdade de ciências da Universidade de Lisboa referem que são situações cíclicas que ocorrem na Madeira. Depois de 2014 ou 2015, se não estou em erro, registou-se em termos médios um aumento da intensidade do vento em toda a parte desde o [Pico do] Areeiro até ao Caniçal [a leste], incluindo o Aeroporto. No ano passado estas situações não foram tão frequentes e, este ano, recomeçam outra vez, com alguma frequência. Quando o vento é de Norte ou de Nordeste, acima de determinados limites, há situações (nem todas) que geram alguma turbulência. Mas são situações que devem ser estudadas, devem ser postas com alguma urgência na mesa dos decisores para resolver esta situação que começa a ser incomportável. 

Aeroporto da Madeira é o único do planeta onde a circulação aérea é proibida com ventos acima dos 15 nós.
Aeroporto da Madeira é o único do planeta onde a circulação aérea é proibida com ventos acima dos 15 nós. © rfi/Miguel Martins

Estas situações de condicionalismos, nomeadamente no funcionamento do Aeroporto da Madeira, não deixam de ter impacto económico.

António Jardim Fernandes é responsável pelo turismo no seio da ACIF, Associação comercial e industrial do Funchal / Câmara de comércio e indústria da Madeira.

Ele tem defendido, mesmo, que o aeroporto da ilha vizinha do Porto Santo venha a ser utilizado, em caso de inoperacionalidade do da Madeira, com uma consequente linha marítima rápida entre as duas ilhas. O vice-presidente da direcção da ACIF admite que a situação actual acarreta riscos para a actividade turística.

Nós consideramos que é, se calhar, um dos factores de risco relativamente à indústria do turismo porque acaba por acrescer custos, quer aos operadores, às companhias aéreas. Sempre que há inoperacionalidade acarreta sempre uma série de custos. Isto tem a ver até com o Anticiclone dos Açores que está-se a deslocar um pouco mais a Sul. E nos últimos 100 anos tem-se notado um aumento da intensidade e da sua dimensão e que provoca, com mais intensidade, ventos e calor. E, portanto, a tendência é aumentar esse fenómeno. Portanto deveríamo-nos preparar para isso. Nós, obviamente, pautamo-nos pela segurança no Aeroporto. Defendemos, o que já está a ser feito, portanto, a aquisição de equipamentos modernos, para a leitura em tempo real de toda a informação para que os pilotos possam tomar as melhores decisões possíveis, e com segurança. O que sabemos, hoje em dia, é que a Madeira é o único aeroporto do mundo onde os limites [da velocidade do vento] não são recomendáveis, mas são obrigatórios. Portanto fecha mesmo, não podem [fazer-se à pista] ! Em qualquer outro aeroporto do mundo é uma decisão do comandante. Até porque não é só a variável vento ! Há uma série de variáveis e o comandante tem que estar consciente dessas variáveis todas ! Mas aqui temos esta obrigatoriedade que está desde que o aeroporto foi construído em 1964. Nós temos, por um lado, esta obrigatoriedade. Por outro lado os limites que foram [fixados] na altura, em 1964, com uma pista significativamente menor, com tecnologia de [19]64 e não de hoje em dia. Mas, obviamente, o que defendemos é ter agora equipamentos modernos que permitam aos pilotos actuarem com segurança. E, nesse sentido, pode ser que permita, ou deixar a obrigatoriedade, ou que seja revisto. Mas aí têm que ser estudos muito bem feitos, cientificamente muito bem fundamentados. Tendo esta informação com estes aparelhos modernos possam, depois, inclusive reavaliar esses limites, ou pelo menos revisitar: se fazem sentido, se devem ser reajustados. Se não essa é também outra linha que poderia aliviar. Só para ter a informação bastavam 5 milhas por hora porque já 80% dos casos de inoperacionalidade desapareciam da Madeira. Não haveria essa condicionante. 

A exuberância vegetal da Madeira é um dos seus principais trunfos turísticos.
A exuberância vegetal da Madeira é um dos seus principais trunfos turísticos. © rfi/Miguel Martins

As alterações climáticos e seu impacto quanto às vagas de calor na Madeira ou aos ventos fortes na zona do aeroporto, nomeadamente... pois num arquipélago celebrizado também pela exuberância da sua vegetação.

 

O geógrafo Raimundo Quintal é uma figura emblemática da preservação ambiental.

Ele está por detrás do Campo de Educação Ambiental Eva e Américo Durão do Santo da Serra que aposta na luta contra espécies invasoras e pelo regresso à flora da Laurissivila, a floresta de loureiros endémica.

Ele elucida-nos sobre o impacto que as alterações climáticas estão a ter ao nível das espécies da flora local.

Nós vamos constatando e registando alterações nos períodos de floração, de frutificação. O caso mais notável é o do Vaccinium padifolium, a Uveira da Serra: um arbusto endémico que produz frutos fantásticos, riquíssimos em vitamina A ! E que são excelentes para produzir compota. Nós inclusivamente produzimos compota e é uma das fontes de receita da associação. Mas estamos a constatar isto. Estamos a constatar que outras espécies que floririam lá para Setembro começam a florir, estou-me a lembrar do tangeirão bravo. Ele já está a desenvolver [em Junho de 2023] as inflorescências. Em Julho vai estar florido, estamos atentos a essa situação.

A Madeira às voltas com condicionantes meteorológicas, sejam elas as vagas de calor e os ventos fortes... estes últimos obrigando ao cancelamento de muitos voos de e para a ilha enquanto as vagas de calor têm beliscado, de certa forma, a imagem do território, tido até recentemente como particularmente ameno. Esta é uma reportagem efectuada neste verão europeu na Pérola do Atlântico.

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