"Maior sucesso para nós tem sido na área da reconciliação e pacificação" de Timor-Leste
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Ramos-Horta está em Paris onde teve um encontro com Emmanuel Macron e onde é patrono de um prémio da organização Líderes para a Paz. Em entrevista à RFI, o Presidente de Timor-Leste e Prémio Nobel disse que na Ucrânia vão ser precisos muitos anos para construir a paz e que a reconciliação entre timorenses é o maior sucesso do país.
Em entrevista à RFI, o líder timorense falou sobre o encontro com o Presidente Emmanuel Macron, o interesse de França em Timor-Leste, mas também sobre a paz e a reconciliação em Timor-Leste como um potencial exemplo para os conflitos que existem actualmente no Mundo. José Ramos-Horta disse ainda estar preocupado com a situação na Guiné-Bissau, mas que espera que o seu homólogo Umaro Sissoco Embaló consiga dialogar com todos os guineense a bem da democracia no país.
RFI: Como correu o encontro com Emmanuel Macron?
José Ramos-Horta: Fui muito bem recebido por Emmanuel Macron. Falámos sobre Timor-Leste, eu dei-lhe as notícias, um quadro positivo de Timor-Leste tranquilo [...] Num quadro mundial tão negro, pelo menos há um oásis de tranquilidade.
Do ponto de vista regional e internacional, falámos da China, de Myanmar, eu enfatizei o problema de Myanmar e outras questões. Falámos sobre a fome no Mundo e do meu papel com o Presidente do Chile para mobilizar e sensibilizar o Mundo para as pessoas com mais idade, mas também do combate à subnutrição infantil. É uma questão moral e ética.
Falei no meu interesse em ver uma Embaixada francesa em Timor-Leste, ele reagiu bem e vamos ver agora como fazer o seguimento disto. O encontro foi magnífico e caloroso.
Há actualmente em Timor-Leste um grande investimento francês, do grupo Bolloré, que é o porto de águas profundas de Tibar Bay. Falou com Emmanuel Macron sobre outros projectos e outras oportunidades de investimento em Timor?
No sector hoteleiro, Timor-Leste tem urgência em atrair investimento. Desde logo, com a necessidade de diversificar a nossa economia, mas para além do turismo há muita coisa a fazer. Uma delas são as nossas infra-estruturas com a modernização do nosso aeroporto. Outra área são as telecomunicações, este ano esperamos receber o cabo submarino que vem da Austrália que vai modernizar as telecomunicações em Timor e precisamos de hotéis, para além do turismo, para a nossa adesão à ASEAN, já que vamos receber centenas de pessoas e falei da importância de mobilizar os grandes conglomerados franceses de hotéis.
Falaram também desta adesão em curso à ASEAN? A França apoia a rápida adesão de Timor-Leste a esta organização?
A União Europeia no seu todo e países individualmente como Portugal sempre apoiaram a adesão de Timor à ASEAN e, neste momento, vários países têm programas de apoio para acelerar e melhorar os nossos recursos humanos. É um enorme investimento e uma exigência para respondermos à agenda da ASEAN, como a União Europeia, com reuniões intermináveis e isso mobiliza centenas de pessoas. A França e a Inglaterra ofereceram-se para intensificar a formação de quadros timorenses.
Está em França para participar na atribuição de um prémio da organização Líderes pela Paz do antigo primeiro-ministro francês Jean-Pierre Raffarin. O que pode dizer sobre a paz no Mundo actualmente?
Já perdi a conta das intervenções que tenho feito ao longo de anos sobre a Paz e, às vezes, tenho dito até a outros Prémio Nobel, talvez tenhamos passado a mensagem errada porque há tanto tempo que falamos de paz e o Mundo está pior.
Em Roma, falei com o Papa Francisco, que me recebeu em Roma calorosamente, sobre a Paz e a minha frustração e partilhamos estas angústias, mas ele disse que temos de continuar a combater pela Paz e não há que desistir.
Esta iniciativa com a organização Líderes pela Paz é extremamente importante, sobretudo tendo às portas da França a guerra da Ucrânia, com todas as consequências e as feridas vão durar muitos e muitos anos.
No dia em que as armas se calarem, começa a reconstrução do país e começa também o sarar das feridas e isso vai exigir líderes com credibilidade de parte a parte, na Rússia, na Ucrânia e na Europa toda. Sem sarar as feridas da guerra, a paz vai ser sempre frágil.
E nisso Timor pode ser um exemplo?
Eu não sei se seremos exemplo para alguém, mas a verdade é que o maior sucesso para nós tem sido na área da reconciliação e pacificação nas relações internas entre timorenses, entre timorenses com a Indonésia e com países que no passado apoiavam a Indonésia como os Estados Unidos ou a Austrália, hoje temos boas relações com eles. Assim como com o Japão ou com a China.
Países pequenos têm muito menos responsabilidades. Isto é, temos capacidade para fazer mal a nós próprios, não temos capacidade para fazer mal aos outros. Agora os países grandes quando tomam decisões erradas, afectam todos nós.
Sendo Timor um país pacífico e calmo, os nossos amigos como Portugal já não se preocupam connosco. Somos uma preocupação a menos. Ao longo de anos foi um angústia para Portugal e outros países amigos, hoje já não. Timor é uma consolação.
Esteve com o Papa Francisco que lhe disse que irá a Timor este ano. O que é que isso significa para os timorenses?
Nada no Mundo é mais importante para os timorenses do que uma visita papal. E Sua Santidade disse-me que quer ir a Timor-Leste. Uma equipa papal já está a caminho de Timor para estudar o programa e todas as condições relacionadas com uma visita talvez este ano, eu digo talvez porque não posso adiantar o anúncio oficial por parte da Igreja.
Uma visita de Sua Santidade é o acontecimento do século para nós, mas preocupa-me o estado de saúde do Papa Francisco.
Foi durante um ano e meio enviado do secretário-geral das Nações Unidas para a Guiné-Bissau. Qual é a sua mensagem para este país que está passar um momento muito conturbado?
Há muita preocupação perante as notícias vindas da Guiné-Bissau sobre a situação actual, mas eu acredito que o senhor Presidente Sissoco que eu conheço bem, esteve em Timor-Leste há pouco tempo, falo com ele muitas vezes ao telefone, que encontre uma oportunidade de diálogo com Domingos Simões Pereira, o presidente da Assembleia Nacional guineense e com todos os outros para que a Guiné-Bissau seja pacificada e estabilizada.
Tem um potencial enorme para ser um país próspero na região. Tem todos os recursos naturais e estratégicos.
Eu acredito que o Presidente Sissoco vai falar com os seus irmãos guineenses e é preciso que todos sejam humildes, disponíveis para o diálogo.
Diferenças políticas há sempre numa democracia, mas temos de as saber gerir e aceita-las. Quem é eleito governa, nós facilitamos a vida a quem é eleito, não vamos criar obstáculos ou problemas. É a minha presidência em Timor-Leste.
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