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São Tomé e Príncipe

"Incompreensão total por não terem interrogado nem detido as pessoas que torturaram até a morte"

Nouhoum Sangaré representante regional do Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos na África Central, sublinhou a “incompreensão total por não terem sido interrogadas nem detidas as pessoas que torturaram até a morte” e acrescentou que “para que a honra do exército saia lavada deste caso. Não deve haver impunidade.” Contactado pela RFI, o Ministro da Defesa Jorge Amado não comenta estas declarações, sublinhando que o "processo se encontra em segredo de justiça".

Quartel militar de São Tomé e Príncipe.
Quartel militar de São Tomé e Príncipe. © Cristiana Soares
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Fim da deslocação oficial a São Tomé e Príncipe do representante regional do Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos na África Central, Nouhoum Sangaré, que se encontrou com importantes actores da vida política do país, entre eles a Ministra da Justiça, Administração Pública e Direitos Humanos (também na qualidade de Primeira-Ministra interina devido à ausência do país do titular da pasta), o Ministro da Defesa (que assegura igualmente a pasta dos Negócios Estrangeiros por ausência do país do titular da pasta), Presidente do Supremo Tribunal e Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas.

Além disso, a missão das Nações Unidas encontrou-se com representantes de partidos políticos da oposição, organizações da sociedade civil e quatro militares que se encontram detidos no quartel.

Ao microfone da RFI, Nouhoum Sangaré avançou com uma série de preocupações constatadas no terreno e notificadas junto das autoridades de São Tomé e Príncipe:

Primeiro, a incompreensão total por não terem sido interrogadas nem detidas as pessoas que torturaram até a morte, cujos rostos são perfeitamente visíveis nas fotografias e vídeos, não tenham sido interrogadas nem detidas. A maioria ainda continua no posto a exercer as suas funções.”  

São militares?

São militares. O que é bastante preocupante e nada abonatório para o compromisso assumido pelo Governo e das autoridades para assegurar justiça nos incidentes.

Refiro-me a todos os incidentes, porque não minoramos o facto de poder ter havido uma tentativa de ataque às instituições democraticamente existentes, mas da mesma forma há pessoas que foram detidas, amarradas, submetidas a actos de tortura, tratamento cruel, desumano, degradante. Simplesmente mortos. Designadas de execuções extrajudiciais, como reconhecidas pelas autoridades do país.

Se isto foi reconhecido, penso que todos deviam ter o direito neste país, a população, as famílias das vítimas, de ver que as pessoas responsáveis por isto estão a responder pelos actos. Mas, ao contrário, essas pessoas, ao que parece, não foram interrogadas. Encorajamos o Governo a garantir que não há impunidade, porque nos foram expressas muitas preocupações pelos diferentes actores da vida da nação.

Se houver impunidade, significará que neste país, pela primeira vez na história, a vida humana terá sido espezinhada desta forma e enviará a mensagem errada de que outros podem voltar a fazer a mesma coisa.

O facto de os autores deste massacre, se assim pode ser designado, continuarem em liberdade e a fazerem a sua “vida normal”, preocupa-o?Expressou essa preocupação junto das autoridades?

 “Absolutamente. Expressamos [terça-feira, 13 de Dezembro] nas reuniões que realizamos com o Governo e autoridades militares.

Recebemos a resposta de que as investigações estão abertas e a decorrer. Mesmo que neste caso [violações de direitos humanos] ninguém tenha sido preso, isso não significa que não haja investigação aberta e de que todos aqueles que estão envolvidos serão julgados e responderão pelos seus actos. Foi a garantia que recebemos.

Reiteramos o facto de muitas pessoas estarem preocupadas, não entenderem porque é que estes militares, que torturaram até à morte e filmaram os seus actos ainda não foram interrogados, continuam em total liberdade e sobretudo, o que nos foi confirmado por várias fontes, continuam no pleno exercício das suas funções.

Nouhoum Sangaré, o representante regional do Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos na África Central avançou ainda uma outra preocupação que se prende com a defesa dos militares detidos e a intimidação de advogados.

Uma outra preocupação para a qual a chamamos a atenção das autoridades, Governo e militares, é o facto de uma decisão judicial proferida pela justiça, com um mandado de prisão para os militares que foram constituídos arguidos na prisão central, não ter sido respeitada pelos militares que encarceraram estas pessoas no quartel-militar.

Gostaria de aproveitar para agradecer às autoridades por me terem permitido ir a este lugar, a meu pedido, para visitar os militares detidos. Tive a oportunidade de visitar quatro pessoas, que me pareceram em bom estado de saúde. 

Também aqui sublinhar a nossa preocupação em relação ao exercício do exercício da defesa. Os advogados destes militares detidos não tiveram acesso aos seus clientes nem falar com eles sozinhos, sem a presença de um outro militar. Isto não é conforme às normas internacionais, nem aos princípios-padrão aplicáveis aos direitos da defesa.

Encorajamos, mais uma vez, as autoridades judiciárias, políticas e militares, a garantir o acesso dos advogados aos seus clientes para que a defesa seja preparada.

Foi-nos, também, reportado que um dos advogados, que se tinha constituído assistente de uma das famílias das vítimas, teria recebido intimidações e ameaças. Nesse sentido, vimos uma carta que foi dirigida ao Bastonário da Ordem dos Advogados.

Uma justiça justa não pode ser exercida numa atmosfera onde existem ameaças e intimidações contra advogados, sobretudo advogados que assistem a família das pessoas que foram detidas no seu domicílio sem um mandado judicial e encontrados mortos posteriormente.

Também chamamos a atenção das autoridades para o funcionamento das instituições do país. Todos concordaram que este país não está habituado a este nível de violência e que a instituição militar sempre soube ser uma instituição republicana. 

O que aconteceu não deve ser confundido com a imagem de marca do exército. Para que a honra do exército saia lavada deste caso, teremos de assegurar que não haja impunidade.

Aqueles que torturaram as pessoas até à morte, quem pode ter dado instruções, até ao mandante. Não deve haver impunidade, todos devem responder na justiça. Isso reforçaria também a confiança das pessoas nas instituições democráticas. Além de que, seria a confirmação de instituições jurídicas fortes e de que o exercício democrático garante o acesso à justiça a todos.   

Conhece bem a região. São Tomé e Príncipe é considerado “o bom aluno” da África Central. Esta violência deste episódio pode pôr em causa o estado de direito?

"Claro que sim. Este incidente surpreendeu e não fez jus à reputação democrata deste país conhecido como pacífico. Ninguém poderia imaginar tal violência, tais execuções extrajudiciais neste país. É precisamente isso que aumenta o trauma ao nível nacional. Mesmo se as pessoas não se exprimem, a maioria das pessoas com quem nos cruzamos e reunimos, estão em estado de choque.

É preciso também dizê-lo que estas imagens, independentemente do lugar onde foram vistas, representam um choque à consciência humana.

É por isso que o Governo, as autoridades do país, os parceiros, são todos chamados para esta equação para nos certificarmos que isto não se vai transformar numa mancha na história do país e crie um precedente infeliz que assombrará os dias e as noites que virão. Este é o objectivo. Foi por isso que convidamos as autoridades a serem corajosas e a olharem os acontecimentos de frente e a responderem de forma cabal. Oferecemos a nossa assistência para que esse fim se alcance."

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