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Francês Yves Léonard com novas obras sobre a História de Portugal

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Yves Léonard é um historiador francês, especialista de Portugal, com, na forja, novo livro sobre a "Revolução dos cravos" que deve ser lançado a 7 de Abril.Já nas livrarias desde 2022 consta uma obra sobre a construção do sentimento de nação em Portugal, publicado pela editora Tallandier, "Histoire de la nation portugaise". O autor resumiu à RFI os principais ensinamentos da mesma. 

O historiador Yves Léonard, especialista da História de Portugal.
O historiador Yves Léonard, especialista da História de Portugal. RFI/Liliana Henriques
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Yves Léonard, o autor de "Histoire de la nation portugaise", livro que será brevemente traduzido para português.

Este historiador francês que lançará já em Abril, "Sous les oeillets la révolution: le 25 avril 1974 au Portugal" na editora Chandeigne, "Sob os cravos a revolução: o 25 de Abril de 1974 em Portugal", em tradução livre.

O autor é professor na Universidade Rouen Normandia, no noroeste da França, e em Sciences Po Paris, o Instituto de estudos políticos da capital.

RFI: Como é que surgiu a sua ligação com Portugal ?

Yves Léonard: É uma história antiga: desde os meus 20 anos, a primeira vez que fui a Portugal, a Lisboa, foi uma descoberta, uma iluminação !

Foi imediata, foi instantânea, e o senhor chegou a morar lá !

Quase imediata, foi uma descoberta, uma revelação ! 

Tem mantido esse contacto ao longo dos anos: já escreveu muito sobre Portugal. E agora estamos aqui para falar de "Histoire de la nation portugaise", publicado em 2022 pela editora Tallandier. E, nomeadamente, vamos, então, falar da construção do sentimento de nacionalidade em Portugal.

Há muitos mitos que fundam as várias nações. Vamos, então, aqui entrar no caso da nação portuguesa. Diz-se que é um dos mais velhos Estados europeus, com fronteiras inalteradas, praticamente desde o século XIII. É mesmo assim ?

Sim, claramente. Acho que a grande dificuldade sobre o assunto é não confundir a nação e o Estado. Isto é, o Estado português é muito antigo. Desde o século XII, século XIII, com fronteiras, com soberania, claro, é verdade. Mas é difícil falar de nação portuguesa desde o século XII ou XIII porque a Nação, com a definição   moderna, é muito diferente de Estado.

E então vai exemplificando ao longo do livro, nomeadamente, nos vários mitos fundadores, Viriato, por exemplo, o chefe dos Lusitanos: um dos mitos fundadores da nação portuguesa. Ele também é celebrado em áreas da Extremadura espanhola, aliás, a Lusitânia incluía áreas também da actual Espanha, não é?

Exactamente. É o problema. O mito Lusitânia, do Viriato, é um mito, não é a verdade histórica ! É uma narrativa nacionalista, especialmente durante os séculos XIX e XX, com uma narrativa nacionalista salazarista, claramente, mas não é a verdade histórica. A dificuldade de falar desse assunto é falar de uma perspectiva histórica, e não de uma perspectiva simbólica.

Por exemplo, a dada altura no seu livro faz referência a esta recusa de ser como em Castela, de agir como os castelhanos, de se submeter aos castelhanos. Essa pode ter sido, porventura, uma razão que levou à Constituição, à fundação de um sentimento nacional português, em oposição a Castela, não é?

Sim e não. Sim, é importante para compreender a construção da soberania portuguesa, do Estado português, claramente, mas é diferente.

Acho que o sentimento nacional não é claro no século XV ou XVI, nomedamente, com a História da Restauração, do fim da União Ibérica.

Em 1640…

Sim, não é um sentimento nacional moderno. É uma rivalidade entre os reis, é uma rivalidade peninsular, obviamente, mas acho que não existe, neste momento, um sentimento nacional.

Um sentimento nacional é mais tarde, no fim do século XVIII, claramente no século XIX, mas antes não existe um sentimento nacional português e, mesmo em França ou na Grã-Bretanha.

Precisamente, século XIX: Bloqueio continental de Napoleão de 1806, vai precipitar as três invasões napoleónicas. A corte vai para o Brasil.

Cita este episódio como sendo capital, precisamente para a construção desse sentimento de nação, e talvez muito mais importante do que este ainda:  o Ultimato inglês de 1890 e a recusa de Londres do projecto de Mapa cor-de-rosa de Portugal para unir Moçambique a Angola.

Esses foram dois momentos, a seu ver, capitais. Talvez ainda mais o Ultimato inglês porque os ingleses eram os tradicionais aliados de há muitos séculos a esta parte, não é?

Sim, claramente. O início do século XIX é muito importante porque temos uma guerra contra os franceses, as invasões francesas  e o apoio da Grã-Bretanha, o velho aliado, mas é, claramente, um momento de uma crise muito profunda da consciência nacional, contra os ingleses e também contra os franceses. E depois temos a perda do Brasil, a independência do Brasil. 

Em 1822…

Sim, é um traumatismo muito profundo para a nação portuguesa. Depois temos, no fim do século XIX, a crise do Ultimato, uma perda da ideia de uma certa grandeza portuguesa, com o mito do "Mapa cor-de-rosa", uma "Nação em armas", e depois, durante o século XX, a vontade de ficar, um grande país com posições como o império colonial e o Mapa cor-de-rosa. O fim é uma crise da consciência nacional, com um fundo traumático.

No século XX, fala-se muito de “país de brandos costumes”. Fala-se muito de salazarismo, de "Fado, Fátima, futebol". De uma nação que vai "do Minho a Timor" e vai-se instrumentalizar, bastante, o luso-tropicalismo do brasileiro Gilberto Freire.

São esses os mitos sobre os quais o Estado Novo se vai apoiar para tentar manter o Império, apesar dos impérios se estarem a desmoronar mundo fora.

Sim, claramente. A narrativa salazarista é uma construção do mito da história portuguesa com a centralidade do império. Isto é : a ideia de Salazar e do Estado Novo é o de pensar Portugal como grande potência, como um grande país. “Portugal não é um país pequeno”, a carta de propaganda durante os anos 30. É para dizer que Portugal não é o pequeno rectângulo europeu, mas Portugal é uma grande nação com o império colonial. 

A outra ideia de Salazar é de fazer uma narrativa nacionalista, com a expansão portuguesa, e com a ideia de continuidade histórica entre o século XII, data da fundação da nação, na narrativa salazarista, mas não é a fundação da nação, mas a fundação do reino de Portugal, do Estado português... Nomeadamente, com a história da "Exposição do Mundo Português", nos anos 40 e os centenários: o centenário da fundação da nação e o centenário da restauração da independência contra a Espanha.  

Mais o mito do Infante Dom Henrique !

Sim, o mito é uma continuidade para Salazar e a propaganda de António Ferro. Temos uma continuidade entre o Infante Dom Henrique, a tomada de Ceuta e o Ministério das Finanças, com Salazar, é uma continuidade histórica.

Não existe ruptura entre o Infante Dom Henrique e Salazar. É uma narrativa salazarista e isso é muito claro durante essa Exposição do Mundo Português em 1940, o apogeu do mito salazarista, da nação !

Chegamos a este momento importante que é a descolonização, quando já se perdeu a Índia, quando, finalmente, se perdem todos os territórios em África. E que Portugal volta a ser um rectângulo europeu, com dois arquipélagos atlânticos.

Aí passamos de um país de navegadores a um país que, porventura, agora, o que tem a dar ao mundo e o que o federa, acabam por ser os futebolistas. Obviamente fala-se muito, no seu livro, de Cristiano Ronaldo, que é, porventura, hoje, o português mais conhecido no mundo !

Sim, claramente. Ele é o grande da nação portuguesa, Ronaldo ! Portugal tem um novo espaço compensatório e uma nova narrativa da História nacional, com a construção europeia.

Durante muitos séculos, Portugal tem um império colonial e o testamento salazarista é o de dizer que sem o império colonial, Portugal deixa de existir. Não é verdade, mas é a ideia de Salazar e do Estado Novo salazarista.

Portugal dividido, então, entre o Ultramar que perdeu (era a última designação dos territórios),  e a sua aposta europeia: e a adesão em 1986.

Com a descolonização chegam os retornados. Aponta o dedo ao facto de, contrariamente ao mito da miscigenação do "Luso tropicalismo" de Gilberto Freire, e aquele "País de brandos costumes" haver racismo em Portugal. De haver, por exemplo, um actor guineense que acabou por ser abatido, em Lisboa.

O -Chega-, uma formação de extrema-direita, está no parlamento. São dados novos: Portugal tem ainda que lidar com velhos demónios, como sejam o racismo e o regresso, porventura, de uma direita muito conservadora.

É verdade. A extrema direita chega, é alimentada por uma narração, claramente, de inspiração salazarista sobre " O esplendor de Portugal", dos "Portugueses de bem" e com cariz racista. É um problema em Portugal muito importante, mas acontece o mesmo em Itália, nos Estados Unidos. O modelo de Ventura é claramente como o de Salvini, Trump e Bolsonaro…

Estamos a falar do líder do Chega, André Ventura !

Sim, sim. A natureza dessa discurso com inspiração salazarista.

Durante muito tempo quis-se recusar que houvesse problemas de racismo em Portugal. Também há xenofobia, em relação aos estrangeiros !

É uma herança dos discursos luso-tropicalistas.

Porque a colonização portuguesa não foi menos brutal do que as outras !

Não, isso é um mito. O mito luso tropicalista é muito, muito, muito importante em Portugal.

Talvez mais em Portugal do que no Brasil, onde surgiu !

Sim, claramente. Gilberto Freire não é popular e importante, agora, no Brasil, mas o seu discurso foi muito importante para o Estado Novo de Salazar !  Agora também é um problema em Portugal.

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