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Cabo Verde está preparado para ensinar crioulo nas escolas?

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A promessa da introdução da língua cabo-verdiana a partir do 10º ano, como disciplina opcional, no próximo ano lectivo, continua a suscitar algumas questões em Cabo Verde. O linguista e professor universitário João Delgado da Cruz considera necessária a oficialização da língua cabo-verdiana, mas avisa que primeiro se tem de fazer a padronização e isso precisa de tempo e estudos sobre todas as variantes.

João Delgado da Cruz, linguista e professor universitário. Mindelo, 23 de Março de 2022.
João Delgado da Cruz, linguista e professor universitário. Mindelo, 23 de Março de 2022. © Carina Branco/RFI
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Em Novembro do ano passado, durante o seu discurso de tomada de posse, lido em português e crioulo, o Presidente da República cabo-verdiano, José Maria Neves, comprometeu-se a defender a oficialização do crioulo. No início deste ano, o governo adiantou que a língua cabo-verdiana vai ser introduzida a partir do 10º ano, como disciplina opcional, no próximo ano lectivo.

O linguista e professor universitário João Delgado da Cruz é a favor do ensino do crioulo nas escolas, mas alerta que é preciso, em primeiro lugar, a padronização e oficialização da língua cabo-verdiana e, para isso, é necessário tempo e estudos sobre as diferentes variantes porque até agora a maioria dos estudos incide sobre a variante da ilha de Santiago.

“Na generalidade sou a favor porque a nossa língua materna deve ser estudada. Num primeiro momento, deve ser estudada nas universidades para preparar professores nos cursos de formação de professores; que se estude profundamente a língua cabo-verdiana, que se façam teses e monografias”, afirma, defendendo que “ainda há problemas flutuantes”.

Entre esses “problemas flutuantes” estão “a questão da padronização e da oficialização”. O professor da Universidade de Cabo Verde (Uni-CV) e Jean Piaget de Cabo Verde sublinha que “as variantes são muito diferentes” e que escolher uma variante padrão não é o caminho certo.

Podemos considerar nove variantes porque cada ilha teve um ‘timing’ de povoamento, tipo de pessoas que estiveram no povoamento, contacto com a língua portuguesa, contacto entre ilhas, etc. Eu defendo que se deve primeiro padronizar e a padronização é complexa”, afirma.

Ainda que admita que há quem considere que cada ilha deve estudar a sua variante, o mestre em linguística geral e portuguesa defende que deverá haver “um consenso que só se adquire ao longo dos anos” e com estudos das diferentes variantes.

A padronização é um processo longo que pode passar por um Coiné, por uma mistura de todas as variantes, como acontece com muitas línguas ao longo do tempo. Mas, ainda não temos um esqueleto do crioulo de Cabo Verde. Temos vários estudos, mas a maior parte dos estudos incidem na variante de Santiago. A ideia que passa é que se quer impor uma variante”, considera.

Sem os devidos estudos, fazem-se as coisas “à pressa” e a introdução do crioulo nas escolas sem os devidos estudos pode ser precipitada, considera o linguista.

Eu não estou vendo um professor de Santo Antão a ensinar na variante de Santo Antão porque não há estudos sobre a variante de Santo Antão”, exemplifica.

Questionado sobre o alfabeto experimental Alupec, João Delgado da Cruz avisa que também comporta insuficiências: “Temos duas línguas em Cabo Verde. Utilizamos o alfabeto etimológico, latino, para escrever a língua portuguesa e quando se for ensinar o crioulo, a língua cabo-verdiana, vai-se implementar o Alupec que é um alfabeto experimental diferente do alfabeto etimológico latino e que é essencialmente fonológico”, explica. O professor alerta que há o risco de uma criança que aprenda dois alfabetos de duas línguas muito parecidas “daqui a uns tempos escreva português usando o Alupec”.

João Delgado da Cruz sublinha que português e crioulo são línguas complementares, que “não há conflito” e que ambas merecem ser devidamente estudadas e explicadas em manuais escolares para os professores poderem ensiná-las devidamente.

Oiça aqui a entrevista.

12:55

Linguista João Delgado da Cruz sobre ensino do crioulo nas escolas

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