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“Conseguimos crioulizar Molière”

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Ângelo Gonçalves, conhecido no mundo do teatro como Rank Gonçalves, participou na peça “Médico à Força” de Molière, encenada por João Branco, com o Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo, no ano 2000, em Cabo Verde. “Conseguimos crioulizar Molière”, recorda o actor, sublinhando que adaptaram o texto à “história mindelense” e que ecoou perfeitamente com a sociedade cabo-verdiana, “conservadora das tradições e das regras dos tempos antigos”.

Rank Gonçalves, actor. Centro Cultural Português do Mindelo, 23 de Março de 2022.
Rank Gonçalves, actor. Centro Cultural Português do Mindelo, 23 de Março de 2022. © Carina Branco/RFI
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“Crioulizar Molière” foi colocar Cabo Verde no mapa dos grandes dramaturgos universais com a adaptação à realidade local de histórias escritas há mais de 300 anos e com críticas ainda pertinentes. Foi no ano 2000 que Ângelo Gonçalves, conhecido no mundo do teatro como Rank Gonçalves, participou no “Médico à Força”, de Molière, uma peça encenada por João Branco, com o Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo, que também levaram a palco “Escola de Mulheres”.

Fomos à cidade do Mindelo, na ilha de São Vicente, conversar com o encenador, mas também com Janaína Alves, Fidélia Fonseca e Zenaida Alfama, alguns dos actores que interpretaram personagens tão “molierescas” quanto “mindelenses”. 

Nesta entrevista, Rank Gonçalves falou connosco sobre o eco que o espectáculo teve junto do público e qual o sentido do texto do dramaturgo francês em Cabo Verde, uma sociedade que descreve como “conservadora das tradições e regras dos tempos antigos”.

A peça teve muito sucesso, a nossa bilheteira esgotou sempre. Eu gostei muito de ter participado numa peça de Molière e eu acho que nós conseguimos dar aquilo que Molière escreveu há 300 e tal anos. Cabo Verde saiu a ganhar em homenagear Molière e também conseguimos crioulizar Molière, fazer com que o sentíssemos com a nossa realidade”, descreve.

Rank Gonçalves desempenhava o papel de Géronte, pai da jovem Lucinda que fica muda para não casar com o pretendente que o pai lhe arranjou. É aí que o “Médico à Força” – ou curandeiro, na versão crioulizada - desempenha - “à força”, claro está – o seu papel.

Eu era pai de uma miúda e eu é que controlava, é que cuidava dela (...) O que me marcou mais na peça era o choque de gerações entre eu e a minha filha. Ela queria fazer algumas coisas e eu, claro, achava que não podia fazer e que ela devia respeitar algumas regras da sociedade. Ela estava sempre rebelde, não queria saber e eu sempre com aqueles cuidados do pai de antigamente”, recorda Rank Gonçalves.

Qual o sentido deste texto do dramaturgo francês em Cabo Verde? O actor explica que o texto “não fugiu muito do Molière de há 350 anos” e ecoou com a sociedade cabo-verdiana que “também é uma sociedade conservadora das tradições e regras dos tempos antigos”.

A história enquadrava-se bem dentro da sociedade que nós temos (...) Enquadra, enquadra. Os costumes, os hábitos, aquelas regras e o bom disso também é que tentámos adaptar com a história mindelense, a história da vivência, das meninas, dos costumes, dos hábitos mindelenses”, continua.

Recorremos ao curandeiro porque naquele tempo também, há 22 anos - mas ainda existem essas coisas - quando a coisa está complicada, as pessoas que crêem nessas coisas recorrem ao curandeiro para ajudar ou convencer a pessoa a não desviar do caminho.

Crioulizar a peça passou não só pela adaptação aos costumes e à sociedade mindelense, mas também pela própria tradução para a língua cabo-verdiana. Rank Gonçalves diz que foi “muito ousado mas não foi difícil”: “Nós tentámos fazer o máximo possível na tradução, eu acho que a tradução foi muito boa, não fugindo muito do texto de Molière, mas sempre adaptado ao crioulo e à nossa realidade. (...) Dentro da nossa realidade, não fugir muito ao texto essencial e de forma a que as pessoas pudessem sentir que o que escritor escreveu era algo de elevado, de bom, e que estava também adaptado à nossa realidade.

Quanto à reacção do público, foi êxito de bilheteira, conta o actor que é um histórico das peças do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo com o qual continua a subir ao palco regularmente.

A peça foi muito bonita. As pessoas gostaram muito. Aqui em São Vicente, todas as vezes que nós fizemos a peça, a lotação estava sempre esgotada. Fomos à Praia, também, e houve muito, muito sucesso e as pessoas ficaram muito contentes porque não conheciam Molière”, recorda.

E, para terminar, Rank diz, orgulhosamente, que o seu grupo conseguiu “crioulizar Molière mas fazendo que a coisa saísse muito bem”.

Oiça aqui a entrevista, acompanhada por um excerto de "Ponta do Sol" do músico cabo-verdiano Bau.

09:36

Rank Gonçalves - "Nós crioulizámos Moliere"

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