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Gaza: "Civis são a questão mais importante, o Hamas sabe disso e Israel também"

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Apesar de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que apela a um cessar-fogo imediato, os combates na Faixa de Gaza continuam, seis meses depois do início da guerra desencadeada pelo ataque do Hamas contra Israel, a 7 de outubro. O coordenador de mestrado de Relações Internacionais na Universidade de Abu Dhabi, Ivo Sobral, defende que "os civis em Gaza são a questão mais importante. O Hamas sabe disso. Israel sabe disso".

Seis meses de guerra em Gaza: Apesar de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que apela a um cessar-fogo imediato, os combates na Faixa de Gaza continuam.
Seis meses de guerra em Gaza: Apesar de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que apela a um cessar-fogo imediato, os combates na Faixa de Gaza continuam. AP - Mahmoud Essa
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RFI: Em seis meses contam-se, segundo dados do Hamas, 33.000 mortos e 75.000 feridos, uma crise humanitária se precedentes, 130 reféns israelitas e estrangeiros nas mãos do Hamas sem trégua à vista?

Ivo Sobral: Exactamente. Apesar de podermos estar mais próximos de uma provável cessação ou então diminuição desta guerra, talvez nos próximos meses. Este verdadeiro terramoto que aconteceu no passado Outubro teve consequências enormes na Palestina, em Israel e em todo o Médio Oriente, assim como aqui, aqui no Golfo e no Mar Vermelho. Estamos neste momento ainda numa situação de impasse completo, onde os vários negociadores qataris e egípcios, israelitas e norte-americanos continuam a demonstrar que existe uma enorme crise em somente negociar as primeiras bases de um cessar-fogo. Apesar disto, pela primeira vez historicamente, temos as declarações de um Presidente americano a apelar e exigir um cessar-fogo imediato. É bastante significativo e histórico que isto esteja a acontecer neste momento.

Benjamin Netanyahu continua a ofensiva contra Rafah, no sul da Faixa de Gaza, o último bastião do Hamas, de acordo com Israel, e está a aumentar os ataques aéreos. Como dizia, o Presidente norte-americano e o primeiro ministro de Israel voltaram a falar ao telefone. Joe Biden disse que a política dos Estados Unidos em relação a Israel pode mudar. Netanyahu está cada vez mais isolado na cena internacional?

Exactamente. É uma tendência já há vários anos, mas neste momento ainda sobra cada vez mais. Israel e particularmente este governo de Netanyahu, sucessivamente ignoraram vários jogadores internacionais aqui no Médio Oriente, na Europa, nos Estados Unidos e outras geografias, permanecendo completamente surdo relativamente a estas críticas que continuaram a chover durante estes seis meses e em particular neste último mês, onde a situação de facto humanitária sem precedentes e com a última gota foi este ataque a morte destes operadores de ONG. Esta situação era completamente inaceitável pela comunidade internacional e muito provavelmente, a continuação destes mesmos ataques irão desencadear provavelmente maiores consequências para Israel. Talvez consequências duradouras a longo prazo, ataques.

Ataques que têm vindo a ser condenados pela comunidade internacional. Vale tudo numa guerra como esta?

Infelizmente, pelo menos se tentarmos um pouco simular o que passa um pouco pela leadership israelita em termos de pensamento estratégico: como o inimigo é um inimigo bastante difícil de descrever, detectar e isolar, como neste caso os terroristas do Hamas. De facto, Israel usa tudo o que tem no arsenal e continua com esta determinação de atacar este mesmo território de Rafah, a última zona isolada de Gaza.

No entanto, infelizmente, todo este tipo de combate, onde forças se encontram no meio de civis, é óbvio que as baixas civis são enormes. Isto era uma certeza nos últimos seis meses, os civis em Gaza são a questão mais importante. O Hamas sabe disso. Israel sabe disso.

Israel vê do ponto de vista estratégico e quase do ponto de vista existencial, esta determinação como sendo quase um factor importante da sua preservação de Israel no Médio Oriente. Portanto, os israelitas verificam que têm que ir para a frente. Não existe um retrocesso, uma pausa na ofensiva no ponto de vista dos israelitas e um acto covarde em relação ao Hamas. Isto está bem patente nos últimos discursos, não só de Netanyahu, mas como também os vários governos dos vários partidos ultra-direita israelitas ortodoxos que o apoiam. Basicamente, Netanyahu está encurralado entre a comunidade internacional e a base política que o elegeu e que o mantém como primeiro-ministro. Resta saber qual será mais forte neste momento.

Passaram seis meses desde o ataque sangrento do Hamas de 7 de Outubro, o ponto de partida de uma nova guerra liderada por Israel, que fez da Faixa de Gaza um campo de ruínas. "O nível de destruição é semelhante ou até superior ao das cidades alemãs durante a Segunda Guerra Mundial", descreveu o chefe da diplomacia da União Europeia, Joseph Borel. Estima-se que 70% dos edifícios em Gaza tenham sido reduzidos a cinzas. A guerra não terminou e já se fala em reconstrução. Estamos, doutor Ivo Sobral, perante uma questão de poder ou de vontade política? 

Existem muitos interesses à volta de Gaza. Não é só uma questão de acabar, uma espécie de trabalho, que é isso o que está na ideia, na mentalidade de Israel que é acabar uma missão que é erradicar o Hamas. No entanto, esta missão é quase impossível. Está provado por vários estudos científicos que quando existe uma associação entre terroristas e a sua população tão grande como acontece em Gaza, essa mesma população apoia o Hamas. Portanto, um ataque ao Hamas vai também atingir a própria população. Isto é quase basicamente dar mais munições ao próprio Hamas, ou seja, mais pessoas que irão ser recrutadas para o Hamas quando existir a primeira pausa, quando acabar esta guerra. Isto é um factor essencial de muitas organizações terroristas. Isto chama-se o Double blind dilema, ou seja, muitas das estratégias de organizações terroristas será provocar governos para estes governos reagirem de uma maneira quase brutal, de uma maneira errada e causarem baixas civis e automaticamente quando fizerem isso, é a própria organização terrorista que ganha outra vez. Portanto, isto é um método estudado, científico, que muitas organizações terroristas fizeram com sucesso na história. E, infelizmente, Israel não tem outra opção senão responder. E, portanto, o Hamas sabe disso. É basicamente uma ameaça, mas que neste momento se depara com esta questão humanitária que é bastante gravosa.

Falou há pouco das ruínas na Segunda Guerra Mundial e nas cidades alemãs e isso é verdade. Mas aquele momento os aliados venceram, apesar de tudo, porque era uma guerra convencional. Infelizmente, neste caso, não é uma guerra convencional. É uma guerra quase inútil que basicamente não irá nunca levar a uma vitória. O dilema de Israel será que tem que acabar a sua ofensiva? Não se percebe como é que esta ofensiva irá acabar. O que é a vitória para Israel. A vitória para Israel é quando mais desaparecer a vitória para Israel? É quando se forem libertados os reféns? Não existe ainda uma chamada red line para para isto nunca foi declarada. Portanto, há aqui uma grande incógnita para o futuro, apesar de toda a pressão internacional, e eu creio que Israel poderá continuar e tem todos os meios para isso.

Apesar de ter sido votado pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, um embargo de armas a Israel?

Que armas é que estão a ser entregues a Israel? Israel é completamente auto-suficiente em quase todos os sistemas de armamento que existem. O que não será auto-suficiente, como não é quase ninguém será em termos de munições, ou seja, projécteis de artilharia, munições guiadas por GPS ou outro tipo de peças sobresselentes para alguns veículos que se calhar Israel usa. Mas é sempre algo muito, muito pequeno. Israel não precisa de quase ninguém para continuar a guerra. Israel é  completamente o suficiente em quase tudo e inclusivamente, munições quase.

Mesmo que exista um embargo, Israel nos últimos, se calhar 30 ou 40 anos, também teve sob embargo, assim como teve o governo Apartheid da África do Sul e os dois tiveram na mesma projectos de desenvolvimento militar, de equipamentos, aviões, de bombardeiros, de tanques e armas que continuarão a existir. Isso nunca conseguiu parar um país que esteja determinado a continuar uma guerra. Portanto, não creio que exista um impacto significativo.

Obviamente, existem alguns precedentes sobre isto, a guerra dos anos 60, se calhar a mais importante guerra dos anos 60 e 70, quando Israel foi atacado por vários países do Médio Oriente, houve sempre um apoio quase cego por parte de países como a Alemanha e os Estados Unidos. Foi a Alemanha que, nos anos 70, enviou uma série de blindados dos seus próprios reservas NATA para socorrer Israel, quando o Egipto quase que entrava com os seus blindados em Tel Aviv, no Yom Kippur. Se houver este travão de facto, em termos de necessidades extras, penso que a Alemanha não poderá fazer nada, apesar de a Alemanha, já em Outubro, ter sido o país que meteu as suas próprias forças armadas em posição de stand by em caso para defender Israel. Se houvesse um terceiro país a tentar coisas como como Irão, a tentar entrar neste conflito de uma maneira mais convencional. Não creio que um embargo de armas tenha qualquer impacto significativo na campanha militar de Israel em Gaza.

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