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Ruanda assinala 30 anos do genocídio de tutsis e hutus moderados

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A 7 de Abril de 1994 começava o genocídio no Ruanda. No espaço de 100 dias foram executadas 800 000 pessoas, tutsis e hutus moderados. O poder de Kigali, do chefe de Estado Paul Kagame, um tutsi, utiliza sempre esta data para reafirmar a sua verdade histórica. Porém são muitos os hutus moderados que pagaram também um preço elevado. Foi o caso de Innocent Niyosenga. Este ruandês, amputado dos dedos da mão direita, fugiu do seu país e vive há mais de uma década em Portugal. 

Visitante do Memorial do genocídio em Kigali a 29 de Abril de 2018.
Visitante do Memorial do genocídio em Kigali a 29 de Abril de 2018. © AFP / YASUYOSHI CHIBA
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Que memórias é que tem ainda? De que se lembra do tempo em que ficou lá, em que testemunhou o horror do genocídio?

Lembro-me do sofrimento meu, do sofrimento dos outros. Mas também lembro-me... foi há 30 anos. Agora não podemos só ficar tristes porque temos que avançar. A vida tem que continuar, mas também devemos ter um olhar para trás. O que causou o genocídio? Como que agora as coisas estão? E agora podemos dizer que o genocídio está acabado...

O senhor, depois de muitas peripécias, conseguiu fugir para outro país, depois para um outro país e agora vive na Europa. Vão ser grandes comemorações. O presidente Kagame vai então acabar por acender aquela chama da lembrança no Memorial de Gisozi, em Kigali, com muitos chefes de Estado estrangeiros que estarão presentes. Uma semana de homenagens não se vai permitir nem música nos locais públicos nem na rádio. Estas comemorações são importantes ? Como é que o senhor olha para elas?

As comemorações são sempre importantes, mas para mim, o que devo dizer? De que me devo lembrar? Mesmo eu que fui vítima do genocídio ! Eu não sou tutsi, eu sou hutu, mas tentava proteger as outras pessoas e foi assim que fui vítima.

As comemorações são sempre importantes, mas atrás das comemorações tem também de se fazer uma avaliação, tem que haver acções: avaliar a unidade e reconciliação entre os ruandeses, a criação de uma economia sustentável, a segurança da liderança democrática, a luta contra a corrupção, o bem-estar social... Tudo isso tem que se avaliar: haver uma eliminação de todas as coisas que possam levar os ruandeses a fugir do seu país. Tudo isso tem que fazer uma avaliação, ver em 30 anos que balanço podemos fazer ? É isso, isso é muito importante.

Algumas pessoas foram julgadas tanto no país como fora. Algumas pessoas foram extraditados. Isso foi suficiente? Não foi suficiente ?

Não foi. Foi bom julgar umas pessoas, mas não foi suficiente, porque primeiro, nem todos foram julgados. Segundo, a minha apreciação é que só um lado foi perseguido. Portanto, falando do genocídio que levou 800.000 vidas...

Em apenas 100 dias !

100 dias ! O elemento que causou realmente o genocídio foi o avião do presidente que foi abatido. Quando não se julga esse facto, acho que não é justo. Portanto, há uma parte que foi responsabilizada, mas há uma outra parte que não foi responsabilizada em nada.

Continua a ser muito difícil falar de uma situação como esta, a do genocídio no Ruanda. O senhor teve que viver muito longe da sua terra, como é o caso de muitos ruandeses... Quando pensa no Ruanda...acha que o Ruanda é um país do futuro, onde hutus e tutsis se podem de facto voltar a viver juntos?

Na minha opinião, isso é muito possível, no sentido em que mesmo antes do genocídio... eu era ainda jovem, mas podia ver as relações entre tutsis e hutus. A única coisa que separou os tutsis e os hutus foi sempre o poder. E mesmo agora o que divide a população é o poder.

Quando tivermos um poder que toma cuidado, que não ponha em frente as divisões. Eu acho que Ruanda é um país onde se pode viver em paz. É só o poder: o poder antes do genocídio e o poder depois do genocídio, ambos estão a fazer quase a mesma coisa. É a minha avaliação própria, a minha avaliação pessoal.

Antigamente eram os hutusque estavam no poder, agora são os tutsis que estão no poder, não é?

Sim.

Continua a ver o regime de Paul Kagame como um regime muito repressivo ? Não há liberdade, ainda hoje, no Ruanda ?

De todo ! Não há liberdade nenhuma, não há espaço político, não há liberdade de expressão. Os jornalistas são presos, o cidadão não pode fazer o que quiser, portanto, é uma repressão total !

O senhor hoje tem uma nacionalidade europeia, é português. O senhor não se atreve sequer a visitar o seu país natal ? Nunca voltou ? Acha que vai poder voltar alguma vez?

Ainda não voltei, mas penso muito. Penso muito, muito no meu país. Eu espero que vou poder voltar. Acho que não há um poder que não tenha fim. Penso que vou uma vez voltar à minha terra.

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