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Crise política no Senegal: "Estamos na expectativa para ver o que isto vai dar"

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O Parlamento senegalês aprovou na noite de ontem um projecto de lei que valida o adiamento das presidenciais decidido no fim-de-semana pelo Presidente Macky Sall. Inicialmente previstas para 25 deste mês, as eleições foram marcadas para o 15 de Dezembro com os votos da quase totalidade dos deputados presentes, depois de vários parlamentares da oposição terem sido retirados à força pela polícia militar.

[Imagem da ilustração] Uma das principais estradas de Dakar, neste dia 6 de Fevereiro de 2024
[Imagem da ilustração] Uma das principais estradas de Dakar, neste dia 6 de Fevereiro de 2024 AFP - JOHN WESSELS
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A oposição que qualifica o sucedido de "golpe constitucional" já disse que vai recorrer desta decisão junto do Conselho Constitucional, uma entidade cuja independência tem sido questionada ultimamente, recorda Henri Labery, politólogo guineense radicado em Dakar, que vê no adiamento das eleições presidenciais uma manobra de Macky Sall para obter garantias relativamente ao seu futuro, num contexto em que -recorde-se- ele não é candidato à sua própria sucessão.

RFI: A seu ver, qual é o objectivo de Macky Sall ao adiar as presidenciais?

Henri Labery: Segundo a minha leitura, eu suponho que o Presidente, sabendo o que o espera depois das eleições que teriam tido lugar agora em Fevereiro, ele iria ter muitas dificuldades, o cenário que imagino é que, a partir de 2 de Abril, ele é um Presidente ilegítimo, termina o seu mandato e, para além do 2 de Abril, os deputados da oposição já prometeram fogo aqui se ele não se demitir. Mas a partir do momento em que ele se demite, vai o Presidente da Assembleia Nacional assumir o cargo de Presidente da República. Como este último é da família de Macky Sall, irá certamente fazer um decreto de amnistia geral para ele e toda a família, para se ver livre de qualquer contencioso depois da eleição de um outro candidato. Este é o cenário que eu imagino que ele irá pôr em prática. Senão, ele será responsável daquilo que acontecer. Ele fez muita coisa contra os seus inimigos políticos que não lhe vão perdoar aquilo que ele fez. Inclusivamente, o próprio Karim Wade que foi vítima da vingança dele, porque o pai, Abdoulaye Wade, como Presidente, destituiu Macky Sall (do cargo de Presidente da Assembleia Nacional em 2008). O filho não quis prestar contas de uma oferta do Rei da Arábia Saudita e quando Macky Sall -então Presidente da Assembleia Nacional- pediu contas ao Karim -então Ministro encarregue da gestão desse dinheiro- o pai ficou zangado e destituiu do cargo de Presidente da Assembleia Nacional. Há muita intriga entre essas pessoas da mesma família liberal.

RFI: Mas Karim Wade -cuja candidatura foi chumbada pelo Conselho Constitucional- também apelou ao adiamento das presidenciais.

Henri Labery: Este movimento todo imputam-lhe a ele, porque o pai não estando de acordo com o Conselho Constitucional pediu um inquérito de moralidade, acusando de corrupção alguns membros do Conselho Constitucional. Tudo isso vem daí, vem do caso do Karim Wade. O pai quer provar que Karim é inocente. Ele é simplesmente acusado de dupla nacionalidade, mas antes que o Conselho se pronunciasse, trouxe um decreto assinado por Emmanuel Macron confirmando que ele tinha desistido da sua nacionalidade francesa já há algum tempo. O Conselho, perante isto, devia deixar o Karim ser candidato, como qualquer outro que eles aceitaram. Todo o imbróglio, toda a confusão provem daí. Então, o ex-Presidente Wade aproveitou esta situação e o grupo parlamentar do partido dele introduziu um pedido para que houvesse uma comissão de inquérito aos actos de certos membros do Conselho Constitucional.

RFI: Depois do voto ontem no parlamento, o último recurso para a oposição é o Conselho Constitucional. O que é que espera do Conselho Constitucional?

Henri Labery: Exactamente, é o último recurso da oposição. Eles apresentando um recurso junto do Conselho Constitucional, não irá fazer o seu trabalho normalmente, visto que há membros que são indiciados como sendo corruptos. Juridicamente falando vai ser uma confusão, irá acabar simplesmente com o actual Presidente a acabar o seu trabalho e a esperar as eleições do mês de Dezembro, se daqui até lá não houver imprevistos. A política nunca foi uma ciência exacta. A gente só pode deduzir e imaginar o que virá a acontecer.

RFI: Julga que nestas circunstâncias, o Conselho Constitucional está totalmente inoperante?

Henri Labery: O Conselho Constitucional é totalmente inoperante. Está paralisado, não pode fazer nada, porque já se votou o inquérito para interrogar os juízes que estão "implicados" em questões de corrupção, a não ser que o Presidente nomeie mais juízes que venham substituir aqueles que estão colocados em acusação.

RFI: Num contexto em que o actual Presidente disse no ano passado que não iria apresentar a sua candidatura, apesar de ele considerar que tinha totalmente o direito de o fazer, julga que ele poderia voltar atrás e ter a tentação de brigar um terceiro mandato?

Henri Labery: Macky Sall é imprevisível. Ele é bem capaz disso mas não acredito que, mesmo no plano nacional como internacional, isto seja bem recebido. Esta hipótese, para mim, não acontecerá. Mas que ele queira tentar, não está excluído, dado medo que ele tem que depois das eleições, quem for eleito irá imperativamente pedir contas a Macky Sall, ao seu governo e a muitos membros que gravitam à volta dele.

RFI: No seio da oposição, há uns quanto candidatos às presidenciais, entre os quais se destaca Bassirou Diomaye Faye que substitui Ousmane Sonko nas eleições. Até que ponto julga que ele tem possibilidade de chegar ao poder?

Henri Labery: Ele tem grandes possibilidades, não algumas, mas grandes possibilidades. A juventude está toda com Usmane Sonko. Os eleitores entre 30 e 40 anos também. Os mais idosos, 40-60 anos, estão com o ponto de interrogação relativamente à eventualidade de Ousmane Sonko estar ao lado do Presidente do Mali, do Níger, do Burkina Faso. Isto é o grande receio dos ocidentais e nomeadamente da França, porque o Sonko declarou que se fosse eleito ia pôr tudo em cima da mesa, inclusive os contratos da exploração de petróleo. Diz-se que a França está atrás de tudo isto que está a acontecer em Dakar, com receio que Diomaye Faye ou outro qualquer do partido dissolvido do Sonko venha a ser eleito Presidente da República, o que é muito provável.

RFI: Tanto a União Africana, como a CEDEAO, como a União Europeia e a França reiteraram a sua preocupação perante esta situação, tem havido apelos à organização rápida de eleições. Como é que avalia o desempenho da comunidade internacional e nomeadamente da CEDEAO?

Henri Labery: A CEDEAO -desculpe a expressão- é um instrumento que não serve para nada. A União Africana também fez uma declaração de princípio, como a CEDEAO, como fez a França aliás. Só os Estados Unidos é que foram um pouco mais firmes pedindo que se declare imediatamente a data das próximas eleições. Já têm a resposta com o voto de ontem. Mas tudo isto é um "feu de paille", brilha uns instantes e depois apaga. A França não quer do Sonko no poder, nem dos seus aliados, Diomaye Faye e outros, porque Diomaye Faye continua preso. e de Macky Sall continuar ainda no poder, ele é capaz de deixar o homem apodrecer na prisão, como acontece com o Sonko. Aqui a situação está mesmo quente, quentíssima. Aquilo que eu vi que aconteceu ontem no hemiciclo do Parlamento, não sei, porque (deputados) foram até expulsos 'manu militari' pelas forças da ordem. Já só isso é uma agressão às instituições. No parlamento, não se faz uma coisa dessas.

RFI: O Senegal era considerado até agora uma ilha de estabilidade, quais podem ser os efeitos desta crise para o Senegal, a seu ver?

Henri Labery: A dado momento receámos que os militares entrassem em acção. Ontem, mesmo deputados da oposição pediram que os militares viessem pôr ordem no país, dissolver a Assembleia e por aí fora. Diz-se aqui que os deputados senegaleses são democratas, obedecem às ordens civis. Mas cântaro tantas vez vai à fonte que acabará por quebrar. No reino do Macky Sall, tem havido tanta coisa contra as regras normais, que ainda bem que os militares ficaram na caserna e não fizeram nada. Mas a imagem do Senegal, durante estes anos tem acontecido tanta coisa anormal, que não se vê já com a mesma consideração. A democracia senegalesa caiu ao nível de muitos outros países africanos em que se fala muito de democracia mas que são ditaduras, são regimes autoritários. Isto também é encorajado pelo ocidente que tem os seus interesses em África. Agora o Senegal com o petróleo, com o gás e tudo mais, já se pode imaginar que não vão deixar este país em mãos que podem considerar rígidas para com o ocidente.

RFI: Julga que o Senegal pode resvalar para situações semelhantes àquelas que se vivem nos países de África do Oeste onde se registaram golpes, como nomeadamente o Mali ou o Burkina Faso?

Henri Labery: Eu tenho a impressão que não pode ser a mesma coisa no Senegal. Se analisarmos a situação do Senegal, a situação política desde os tempos coloniais até hoje, o povo está muito habituado à democracia, à ida às urnas e decidir por conta própria, embora possa haver alguns elementos do género de "fantoches". Isso há sempre. Mas de vontade própria, o povo não vai deixar o Senegal ir em mãos de militares ou políticos que queiram impor uma ditadura ou uma autoridade que não se coaduna com o seu modo de ser. Já só a influência religiosa dos 'marabouts', isso faz a força e a fraqueza do Senegal por ter 97% da população muçulmana de várias obediências, mas que obedecem aos chefes religiosos quando há uma situação deplorável, intervêm e tudo entra na ordem.

RFI: Que consequências é que isso pode ter, a seu ver, ao nível de uma região, a África do Oeste, que já tem sido bastante abalada por várias situações de instabilidade política?

Henri Labery: O que poderá acontecer, é só a Costa de Marim dizer 'vamos ter cuidado também', porque se a situação do Senegal é igual à dos outros países, porque os outros países só vão esfregar as mãos de contentamento e dizerem 'olha, finalmente o Senegal entendeu que vão pôr tudo às costas do antigo poder colonial, e se isso acontecesse com o Senegal, o único bastião a obedecer ao ocidente vai ser a Costa de Marfim. Lá mais para baixo, o Gabão já está nas mãos dos militares. Ainda nas antigas colonias francesas, os Camarões de Paul Biya, ele pode também partir, está tudo a ferver em cima de brasas que a todo o momento pode desencadear incêndios e situações desagradáveis.

RFI: Julga que há algo que pode eventualmente fazer reverter esta situação?

Henri Labery: Não estou a ver de imediato. Porque se quisermos falar das antigas colónias francesas, a França podia ter alguma influência, mas ninguém quer ouvir falar da França, sobretudo a juventude aqui no Senegal. Na Costa de Marfim, a situação é mais ou menos idêntica na massa juvenil. Os Estados Unidos, a Rússia... A Rússia está vir com pés de lã aqui na costa ocidental. Já está no Mali, já está no Burkina e não sei se não está já a chegar ao Níger, embora a popularidade da Rússia não seja tão aceite no Senegal. Nem da Rússia, nem da China aliás. Os arabes estão também entrando aqui a pouco e pouco. Havia a Líbia, do tempo do Kadhafi, mas infelizmente, viu-se o que aconteceu com o Kadhafi e estamos aqui na expectativa para ver o que é tudo isto vai dar. Mas tudo isto por ambição desmedida dos Presidentes que quando chegam ao poder, não querem sair e inventam mil e uma facetas para poderem ficar no poder.

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