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Artes

Jovens "invisíveis" ganham rosto na edição 2022 do Mozambique Fashion Week

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A edição deste ano da semana da moda em Moçambique foi marcada por um desfile de meninos, adolescentes e jovens que vivem nas ruas da cidade de Maputo. Trata-se de uma iniciativa solidária que junta várias instituições e procura dar visibilidade aos chamados "invisíveis" e integrá-los na sociedade.

Desfile da edição 2022 do Mozambique Fashion Week.
Desfile da edição 2022 do Mozambique Fashion Week. © Orfeu Lisboa
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A edição 2022 do Mozambique Fashion Week fez história. 16 adolescentes e jovens que vivem nas ruas de Maputo passaram pela passarela, transformaram-se em modelos e as luzes da ribalta tornaram visível quem todos os dias é praticamente invisível diante dos olhos da sociedade.

Ruy Santos é o Responsável pelo Projecto Kaya, um espaço de inclusão económica e social, que decidiu despir preconceitos e vestir com estilo e glamour os jovens e adolescentes que horas antes percorriam as ruas da cidade à procura de meios de sobrevivência."Hoje aqui temos 16 beneficiários do Kaya que vão desfilar a mostrar essa colecção. São os invisíveis que são aquelas pessoas que são ignoradas na nossa sociedade e que nós aqui estamos a querer dar uma oportunidade para eles serem vistos e acreditarem que podem fazer parte também, eles fazem parte da sociedade e que a partir de agora podem sonhar com a transformação nas suas vidas", vinca o responsável.

Esta iniciativa, diz Ruy Santos, pretende plantar sonhos para um dia colher vidas totalmente transformadas. "Este é apenas um ponto de partida, mas depois a seguir as pessoas vão ter direito, vão ter a oportunidade de ter uma formação profissional, vão ter uma formação profissional em corte e costura, em tecnologias de informação, cabeleireiro, barbeiro, esteticismo, manicure e pedicure e outras parcerias que formos estabelecendo", refere.

"A ideia para esta colecção nasceu deste contexto de inclusão social, inspirada nestas pessoas, que a sociedade, nós, rotulamos e esquecemos e a quem não é dada outra opção senão a da sobrevivência diária". Este trecho do texto "os Invisíveis" da autoria de Soraia Abdula retrata a dura realidade do dia-a-dia de quem tenta sobreviver nas ruas de Maputo e de quem tenta sobreviver a exclusão económica e social, aos abusos físicos e psicológicos e a ser tratado como ninguém. Agora, Soraia Abdula ajuda a achar antónimos e a transformá-los em alguém.

"Pessoas que nós queremos que sejam visíveis. Pessoas que que nós achamos quem tem direito a ter, um nome, um rosto e dignidade que é isso que é basicamente que o kaya dá. O kaya não é um refeitório social. O Kaya visa integrar aquelas pessoas, dar lhes capacitação profissional, dar-lhes sim uma refeição diária, para lhes devolver essa dignidade, mas também dar-lhes tudo o que eles precisam, as ferramentas necessárias para que eles sejam pessoas tal como nós, inseridas na sociedade", diz Soraia Abdula.

E vestir essas pessoas com o melhor que há da moda que se faz em Moçambique e as colocar debaixo dos holofotes é a fórmula para a visibilidade revela Soraia Abdula,"porque estas pessoas, geralmente são invisíveis a uma grande franja da sociedade e nós queremos mostrar que é possível eles estarem num palco e serem modelos por um dia, mas o amanhã também vai ser diferente porque nos já conseguimos uma série de parceiros que estão dispostos a abraçar a causa e a dar uma oportunidade a estas pessoas, então, na verdade nós, não estamos a vender moda aqui m estamos a vender um sonho, estamos a vender oportunidade".

E eles agora têm a rara oportunidade de passar pela passarela e exibir roupas criadas pela conceituada estilista Vanda Pereira que teve que transformar por completo o conceito e a forma de um desfile de moda tradicional para ir buscar gente que nunca tinha desfilado. "Não estamos a falar de modelos convencionais então, ao longo deste mês, não era só os ensaios para o desfile ou as provas de roupa. Era também ouvir a história individual de cada um e depois ter que chegar à casa, ter que processar. Não são histórias fáceis, mas é por isso que nós estamos aqui, estamos a dar cara a essas pessoas. Então, é um processo, foi desafiante, mas neste momento, sinto-me realizada" conta a designer.

Vanda Pereira diz que os 16 improvisados modelos vestem e mostram 21 estilos de roupa que representam o modo de vida de pessoas que não conseguem adaptar-se às regras da sociedade ou que são excluídas por essa mesma sociedade. "Estão divididos em quatro famílias, cinco looks cada onde cada família nós demos um nome referente a uma situação das pessoas que vivem na rua porque nós temos, por exemplo, camuflados, temos aqueles que são um bocadinho mais escondido e é mais ou menos isso, esse tipo de história. Temos também uma das histórias são os 'techno'. Nós não estamos a falar de invisíveis como pessoas da rua como tal, mas estamos a falar de pessoas invisíveis que acabam ficando invisíveis dentro de casa. Adolescentes por exemplo entram, ficam no quarto, não conseguem comunicar com os pais, têm uma vida totalmente paralela, Então, nós tentamos abranger um bocadinho disto tudo", diz a criadora.

A Colecção invisíveis de Vanda Pereira marca também o regresso dos desfiles do Mozambique Fashion Week, o maior evento moçambicano de moda que foi obrigado a parar durante pouco mais de 2 anos por causa da covid-19. 

O longo tempo de paragem estimulou a criatividade, como revela Vasco Rocha o mentor do Mozambique Fashion Week. "O tema deste ano é o 'meu mundo', portanto sendo o meu mundo é o meu, é o teu é o nosso, é o mundo individual de cada um e a forma como nós de alguma forma podemos intervir e mudar. E de facto, a moda é uma indústria que tem o poder da transformação, tem o poder de alterar e educar pessoas. Então, esperemos que seja a leitura que as pessoas façam do evento deste ano além de obviamente apreciarem as colecções que têm sido muito boas" refere o impulsionador do Mozambique Fashion Week ao fazer o balanço desta iniciativa que este ano optou por transformar meninos de rua em modelos e colocar debaixo dos holofotes para o julgamento da sociedade, todas as incertezas, a pobreza, a exclusão social e económica, os abusos psicológicos e físicos e muitas vezes até sexuais de que são vítimas os jovens e adolescentes moradores das ruas da capital moçambicana.

Vejam aqui mais algumas imagens do desfile de moda:

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