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Artes

Moçambicano Anésio Manhiça expõe em Paris

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O moçambicano Anésio Manhiça é um dos artistas lusófonos que vai estar no salão internacional Art Shopping, em Paris, a 22 e 23 de Outubro. O fotógrafo esteve nos estúdios da RFI para falar sobre o seu trabalho e sobre a importância de despertar as consciências através da imagem.

Anésio Manhiça. Paris, 17 de Outubro de 2022.
Anésio Manhiça. Paris, 17 de Outubro de 2022. © Carina Branco/RFI
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RFI : O que é que representa para si estar nesta feira de arte em Paris?

Anésio Manhiça, Fotógrafo: “Primeiro, significa um processo de internacionalização. Significa também que, se calhar, vou estar mais exposto ao olhar crítico de mais pessoas, mas também significa uma abertura para uma reflexão que eu tento levantar através das minhas fotografias.”

Como é que surgiu o convite para integrar esta exposição colectiva?

“Bom, quando eu faço a minha primeira exposição em Maputo, no Museu do Mar, em Junho, uma amiga moçambicana que tem promovido a arte, cultura e turismo em Moçambique, teria publicitado em suas redes sociais e a organizadora deste evento em Paris ficou curiosa e pediu para saber mais. Neste processo, surgiu o convite.”

Escolheu três fotografias para o salão. Antes de detalharmos estas imagens, elas fazem parte de uma série intitulada “As vidas dos sacos plásticos” - sobre a qual já conversámos noutro programa - que estiveram em exposição em Junho, no Museu Nacional do Mar, em Maputo, no âmbito do Dia Internacional do Ambiente. De um modo geral, do que é que fala esta série?

“Nesta série de fotografias, o que eu tento fazer é explorar as diferentes interacções que os moçambicanos têm com o saco plástico, mas foco basicamente no espaço doméstico, que é um espaço em que, geralmente, as campanhas de sensibilização ambiental não têm esse enfoque. Então, eu ao concentrar-me em imagens do espaço doméstico - como usar o saco plástico para fazer o fogo que é usado para cozinhar, usar o saco plástico para cobrir o arroz, a maçaroca, no momento da cozedura - para mim são alguns dos elementos que não são abordados pelos ambientalistas e que talvez em fotografia pudesse chamar mais a atenção. Mas também tentei explorar aquilo que é transformação da paisagem natural com um saco plástico e há um momento de descarte com isso que acontece no meio ambiente. Como é que isto vai alterando a paisagem e que implicações tem isto para a nossa saúde? Claro que a imagem não capta essas implicações, mas pode suscitar reflexões nesta direcção.”

Uma das fotografias onde se vêem os sacos plástico chama-se “Sobrenatural”. O que é que ela retrata?

“Sobrenatural foi, na verdade, uma fantasia. O 'sobrenatural' é um plástico que foi descartado num dos bairros em Maputo. Nesta imagem não conseguimos ver o plástico descartado, mas conseguimos olhar o interior do plástico e ver um pouco da diversidade da natureza. Conseguimos ver através da textura do plástico e do reflexo. A ideia era mesmo, através do plástico, ilustrar a natureza, mostrando neste meio o paradoxo que estamos a ver: a natureza através do plástico, mas é o plástico que pode prejudicar essa natureza.”

Outra das fotos que traz é “likoroxo do puto” que ilustra a reciclagem dos sacos plásticos de uma forma peculiar. Quer descrever-nos o que vemos na foto?

“Na verdade, é uma prática bem dominante em Moçambique, em vários sítios. Tanto que tem vários nomes: likoroxo, outros usam matsakala, xingufo. É, na verdade, uma bola feita com base em plásticos reciclados. Também se faz actualmente com tecido, mas cresci vendo mais sendo feito com plástico reciclado. Então, a ideia desta obra é mesmo para mostrar o processo de reciclagem e mostrar essa nossa relação com a prática de reciclagem, que é de alguma forma uma prática antiga e em alguns grupos começa muito cedo, tanto que acabamos por ilustrando com um pé de uma criança para dar a entender esta conexão que vamos dando às crianças, este ensinamento em torno da reciclagem.”

Depois, a terceira foto que escolheu chama-se “Acácias Molhadas”. O título, mais uma vez, remete para algo poético, mas também vemos o plástico que não é assim tão poético.

“Sim. 'Acácias' porque a cidade de Maputo é também chamada a cidade das acácias porque temos lá muitas acácias. Na verdade, esta foto foi captada num dos bairros nobres de Maputo, mas lá, numa vala de drenagem, tínhamos água, o reflexo das acácias e o plástico descartado que era mesmo para dar a entender que é uma prática que em Maputo, em particular, não se circunscreve a espaços periféricos, mas em bairros nobres.”

Foi o Anésio que escolheu as fotografias ou foi a organização do Art Shopping?

“Eu é que escolhi. Na verdade, a selecção destas fotografias foi em conversa com várias pessoas que viram a exposição e que, de alguma forma, ajudaram também a seleccionar as fotos para a primeira exposição. A ‘Sobrenatural’ eu escolhi porque muitos franceses mostravam interesse nela, muitos gostavam. Então, cá entre nós, eu disse, vou expor na França, talvez deva levar algo que agrade os franceses. ‘Likoroxo do puto’ porque me mantém nesta ligação à preocupação ambiental e com um pé negro de criança também mostra um pouco a questão da África e Moçambique. E ‘Acácias Molhadas’ também foi por representar Maputo e também ser algo que, a meu ver, remete logo para a questão do meio ambiente.”

Nestas três obras, como em toda a série que fez, acaba por estetizar algo que não costuma ser bonito de se ver, muito menos no meio da natureza, que é o plástico. Tem uma mensagem ambientalista que pretende transmitir com estas fotografias?

“Na verdade, as minhas primeiras imagens criavam repulsa. As pessoas não gostavam, criava uma espécie de enjoo, porque às vezes eram da vala de drenagem mesmo com muita sujidade. O meu interesse não é afastar as pessoas do trabalho, mas é aproximar as pessoas e fazer com que elas possam dialogar com estas obras de forma constante. Então, o que eu pensei é realmente estetizar, é trazer de forma a que alguém tenha coragem de pôr na sua cozinha, na sua sala e poder dialogar com a obra no dia-a-dia. Então, foi propositado.

Eu entendo que nem todos a olharem as minhas obras têm sensibilidade de passarem para um outro nível de reflexão, saírem do óbvio. Por exemplo, na imagem do saco plástico que é queimado para fazer o fogo, há muita gente que pensa que é uma forma de eliminar o plástico no planeta mas não pensa que estamos a espalhar as micropartículas e que vamos ter assim vários problemas. Daí que eu tento sempre conciliar com as participações de programas como este, e que tenho feito muito em Moçambique, que é para trazer a verdadeira narrativa mais na direcção ambiental e de consciencialização.”

Ou seja, além da exposição artística, tenta fazer alguma pedagogia ecológica, digamos?

“Sim, eu tento fazer isso tanto na própria exposição, como em programas de televisão, rádio, mas também tenho organizado alguns ateliers com crianças, tanto de zonas periféricas, como da zona central de Maputo.”

No comunicado de imprensa que nos enviou, define-se como fotoetnógrafo e não simplesmente como artista fotógrafo. Porquê?

“Eu, quando comecei, tive muito problema em me identificar. Eu comecei no ano passado e surgiu essa questão de identificar-me. Como vou me identificar? O que é que eu sou? Porque eu saí de uma formação em antropologia e, recentemente, comecei a fazer fotografia e muitas pessoas me identificavam como artista. No momento, eu aceitei, artista visual é o que eu faço. Mas chegou um momento em que este espaço eu sentia que não era meu porque eu não estudei arte…”

Mas está exposto no Carroussel du Louvre…

“Sim, mas não estudei arte e não achava que era um espaço que realmente me cabia. Então, tendo eu a formação em antropologia e tendo eu pensado em conciliar a fotografia como instrumento de etnografia, que é uma das principais técnicas de antropologia, eu tentei na minha última exposição em Maputo, ‘Purificações no Índico’, fazer a etnofotografia, na verdade, é fotoetnografia que eu usei das fotografias, que é para contar uma história. É o que eu quero passar a fazer de hoje em diante e não só apresentar com um sentido artístico mas trazer uma história, ter a história de um grupo particular e não ser algo bem largo. Agora que estou na fotografia, estou a tentar buscar a fotografia para o meu mundo da antropologia…”

E também de um certo activismo….

“Exactamente.”

A fotografia, como disse, é uma prática recente sua. Faz imagens com o telemóvel, ao contrário dos ditames dos mais puristas do mundo da fotografia de autor. O telemóvel e a qualidade não ficam aquém daquilo que se poderia esperar justamente da fotografia de autor?

“Agora que vou expor aqui [Paris], surge esse debate. Tendo aqui algumas barreiras, por exemplo, as imagens que eu tinha escolhido para expor aqui, eram num tamanho maior. Eu quis fazer tudo aqui, imprimir cá, fazer todo o processo cá, até para eu ter este nível de qualidade e para perceber como o processo descola. E nisso …”

Há limitações.

“Há limitações. Tenho limitação no produto final, mas tenho vantagem no acesso às pessoas. Então vem este debate, se quero fotos maiores, tenho que usar uma máquina. Então, já vou começar a misturar as técnicas, vou usar o telemóvel, mas também vou passar a usar a câmara.”

Como é que está a prática da fotografia em Moçambique? É possível viver apenas da fotografia?

“Eu não sei se é possível viver, mas nos últimos tempos tenho conversado com algumas pessoas sobre isso, o Mário Macilau, o Mauro Pinto, são pessoas que, na verdade, eu ainda não sei, porque às vezes nós olhamos de forma externa e pensamos que a pessoa vive realmente de fotografia, enquanto tem, digamos, outras actividades. Então, é algo que eu ainda tenho que investigar a fundo e ver se, realmente, é possível viver de fotografia. Mas tem fotógrafos que trabalham com embaixadas, têm contratos particulares com embaixadas e nisso conseguem um salário fixo e conseguem de alguma forma viver.”

Mas o Anésio também trabalha como antropólogo?

“Sim, eu trabalho como antropólogo, mas nestes últimos tempos, depois da exposição de Maio até então, tenho focado em me apresentar como fotógrafo e apresentar este trabalho como fotógrafo até para que seja uma apresentação muito forte e contundente para que o nome fique e que as pessoas realmente conheçam e que surjam, digamos, trabalhos neste mundo.”

O Anésio tirou o mestrado em antropologia social na Universidade Paris 8, depois de se ter licenciado na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo. Hoje é também investigador na Kaleidoscópio. O que é a Kaleidoscópio?

“A Kaleidoscópio é um instituto de pesquisa que tem essa missão de misturar a pesquisa e cultura. Na verdade, é um centro de pesquisa que também faz a mediação cultural e temos lá, para além de pesquisadores, também temos artistas e também temos essa ideia de apresentar resultados de uma pesquisa académica de forma bem mais leve, tanto em práticas artísticas, como de outras formas. Todo esse mundo artístico, como eu, de alguma forma, surgiu na Kaleidoscópio. Na altura, eu era pesquisador só. Fiz parte de uma rede chamada Slow Art Network, onde trabalhei tanto com pesquisadores, como artistas da África do Sul, Zimbabwe e Moçambique.”

Fale-me das próximas exposições. Depois de Paris, o que temos na agenda?

“Depois de Paris, ainda tenho mais uma em Maputo, para Novembro, e estou a pensar também levar a exposição ‘Purificações no Índico’ para o bairro da Mafalala, ainda em Maputo. O que vem depois, não sei, espero que a minha participação nesta feira me traga, mais alguma coisa.”

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