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Artes

Eurídice Zaituna Kala expõe fantasmas da escravatura em Paris

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A galeria Le Salon H, em Paris, tem patente, até 26 de Março, uma exposição da moçambicana Eurídice Zaituna Kala. A artista apresenta fotografias, esculturas, vídeo e instalações sonoras inspiradas no naufrágio de um navio de escravos moçambicanos no século XVIII.

Euridice Zaituna Kala. Galeria Le Salon H, Paris. 08 de Março de 2022.
Euridice Zaituna Kala. Galeria Le Salon H, Paris. 08 de Março de 2022. © Carina Branco/RFI
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Entrevista a Eurídice Zaituna Kala

Uma viagem ao passado com sons e imagens do presente. A artista moçambicana Eurídice Zaituna Kala expõe na galeria Le Salon H, em Paris, “Sea (E) scapes – DNA: Don’t (n)ever ask”, uma mostra que reúne fotografias, esculturas, vídeo e instalações sonoras para devolver à História uma história esquecida. Em causa, o naufrágio do São José Paquete-d’África, em 1794, um navio que levava 400 escravos moçambicanos para São Luís do Maranhão, no Brasil.

Esta exposição trata, de uma maneira estética, de um trabalho de pesquisa sobre o navio São José Paquete-d’África que partiu da Ilha de Moçambique, em 1794, com escravos moçambicanos e naufragou na costa da Cidade do Cabo, na África do Sul. Duzentos escravos foram dados como desaparecidos, mortos e 200 escravos foram recuperados, levados para o Cabo ou continuaram a viagem até ao Maranhão, no Brasil. Esta exposição trata da história desse navio, mas também trata da história da escravatura a partir do Oceano Índico, de Moçambique”, explicou à RFI Eurídice Zaituna Kala.

Para contar essa história, há uma espacialização de fotografias Polaroid, esculturas sonoras, feitas com vidro e ferro, vasos transparentes com desenhos do povo maconde e um vídeo com imagens que mostram as transições dos diferentes espaços por onde a artista passou durante as pesquisas. A investigação e o início da recolha de arquivos - dos oficiais da Torre do Tombo, por exemplo, aos que ela criou em imagens – começou em 2015.

Quando foi descoberto o navio, os objectos encontrados foram para a Smithsonian Institution, nos Estados Unidos. “Para mim, foi estranho como é que esses aspectos históricos não foram directamente para os museus etnográficos de Moçambique, porque é que tinham de ir para os Estados Unidos? Eu queria também abrir, nestes sete anos de pesquisa, uma abertura para uma história essencial que é a descoberta da África pelos portugueses e Moçambique como história central da entrada no continente africano”, explica.

Além dos horrores da escravatura, a exposição questiona a mecânica da memória, explorando e criando arquivos para escrever narrativas complementares aos relatos oficiais.  “Os arquivos foram todas essas imagens que eu coleccionei durante os sete anos de pesquisa. É uma colecção de imagens privadas mas que, para mim, começam a criar rastos de uma história de um navio de que Moçambique não tem um registo oficial. E eu posso dar ao povo moçambicano uma perspectiva de origem moçambicana, de uma certa forma”, descreve.

A tragédia do navio foi esquecida pelos próprios moçambicanos e a artista quis reinvestir essa história e contá-la sob um prisma moçambicano e pessoal e não simplesmente através dos arquivos portugueses. O seu trabalho de investigação começou em Lisboa, levou-a à Ilha de Moçambique e depois à Cidade do Cabo.

Mais do que contar a história dos escravos do São José Paquete-d’África, Eurídice Zaituna Kala quis “incarnar esse navio e mesmo as pessoas que estavam lá dentro”. Por isso, a exposição é preenchida com ruídos metálicos e de mar, indícios sonoros para imaginar a viagem de pessoas transformadas em escravos.

A arte tem de ser política: “É importante que artistas, pensadores, escritores e escritoras, pensem em criar espaços políticos entre as peças que apresentam e como essas peças podem ter um eco nas histórias de um país.

Eurídice Zaituna Kala vive em Paris, mas Moçambique continua a ser “um espaço de inspiração imenso”. A artista nasceu em Maputo, em Fevereiro de 1987 e formou-se como fotógrafa na Market Photo Workshop em Joanesburgo, na África do Sul. O seu trabalho artístico centra-se nas metamorfoses culturais e históricas, nas manipulações e adaptações, do século XV até ao início do século XX. Em Paris, Euridice teve exposições individuais no Jardin des Tuilleries, na secção hors-les-murs da FIAC (Feira Internacional de Arte Contemporânea de Paris), em 2021, e na Villa Vassilieff, em 2020. Também participou em exposições colectivas na Cidade do Cabo, Maputo, Dacar, Casablanca, Lisboa, Berlim, entre outras cidades.

A exposição “Sea (E) scapes – DNA: Don’t (n)ever ask” está patente na galeria Le Salon H, em Paris, até 26 de Março.

De 21 de Março a 21 de Maio, Euridice Zaituna Kala vai integrar o festival de arte contemporânea Fata Morgana no Jeu de Paume, também na capital francesa.

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