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Direitos Humanos

Ordem mundial está "à beira da ruptura", diz Amnistia Internacional

A Amnistia Internacional divulgou nesta quarta-feira o seu novo relatório anual sobre a situação dos Direitos Humanos no mundo durante estes últimos meses. Neste documento, a Amnistia considera que a ordem mundial estabelecida depois da segunda guerra mundial está "à beira da ruptura" e denuncia violações massivas dos Direitos Humanos no Médio Oriente, na Ucrânia, na Rússia, no Myanmar, na China, no Sudão e na Etiópia designadamente.

Foto de ilustração.
Foto de ilustração. © ODD ANDERSEN/AFP
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A ordem mundial construída após 1945 está "à beira da ruptura", este foi um dos alertas feitos hoje pela Amnistia Internacional ao apresentar o relatório sobre a situação dos Direitos Humanos em 2023 a nível mundial. "Tudo o que vimos nos últimos 12 meses mostra que o sistema internacional está à beira da ruptura", constata Agnès Callamard, secretária geral da ONG de defesa dos Direitos do Homem.

No mesmo sentido, Pedro Neto, secretário executivo da Amnistia Internacional em Portugal, refere que "o sistema de justiça internacional começa a falhar porque não tem sequência, isto é, há um mandato de captura do Tribunal Penal Internacional para com os senhores da guerra na invasão à Ucrânia, a crimes contra a humanidade e crimes de guerra que estão a ser cometidos e não vemos a justiça a acontecer na Faixa de Gaza, por exemplo".

Violações dos Direitos Humanos em tempo de guerra

Com efeito, ao denunciar neste relatório "os crimes monstruosos perpetrados pelo Hamas a 7 de Outubro", a Amnistia não deixa igualmente de acusar Israel de se ter lançado em seguida numa "campanha de retaliação que se transformou numa expedição punitiva contra toda uma população" em Gaza. Uma situação perante a qual esta entidade destaca que "nos últimos seis meses, os Estados Unidos protegeram as autoridades israelitas de qualquer exame cuidadoso das múltiplas violações cometidas em Gaza" ao "utilizar o seu veto contra um cessar-fogo indispensável, esvaziando de qualquer sentido o Conselho de Segurança".

A Amnistia não deixa igualmente de apontar um dedo acusador contra "actores poderosos" como a Rússia e a China que "manifestam a sua vontade de pôr em perigo a integralidade das regras de 1948". Neste sentido, a ONG evoca "as violações flagrantes por parte das forças russas durante a invasão em grande escala da Ucrânia, e o uso de tortura e outros maus-tratos contra prisioneiros de guerra". Noutro aspecto, ao "proteger o exército do Myanmar", fechando os olhos perante os ataques contra a população em plena guerra civil, a China também age contra o direito internacional, acusa a Amnistia.

Esta entidade aborda igualmente os conflitos que não têm merecido tanta atenção a nível internacional, nomeadamente a Síria e o Sudão. "Há também guerras que são persistentes e continuam e até são pouco faladas, como na Síria, no Iémen, no Sudão, entre outras realidades. E nada vai acontecendo. Também estamos a ver retrocessos de forma global. Quanto à justiça de género, estamos a ver que nos próprios conflitos armados, os civis são tratados como dispensáveis e como meros danos colaterais. Não havendo respeito pelas Convenções de Genebra na protecção aos civis, estamos também a perceber que está a haver um impacto desproporcionado nas crises económicas, nas alterações climáticas, na degradação ambiental, sempre junto das comunidades mais marginalizadas e mais pobres", sublinha Pedro Neto.

O uso das novas tecnologias para restringir as liberdades fundamentais

No seu relatório, a Amnistia também dá conta de alguma preocupação perante o uso das novas tecnologias para restringir as liberdades fundamentais. "Estamos a ver que aquilo que é o desenvolvimento das tecnologias podem ter um impacto muito positivo para a humanidade. Estão a ser não como algo positivo, mas como armas a apresentarem-se como ameaças que até podem pôr em causa a democracia. E por essa perspectiva, estamos muito preocupados com o caminho que o mundo está a trilhar neste momento, que nos traz alguma preocupação", diz Pedro Neto, dirigente da Amnistia Internacional em Portugal.

Este é precisamente o fenómeno observado em França pela Amnistia Internacional. Para além de constatar um "aumento dos discursos de ódio descomplexado", o relatório anual destaca as "restrições excessivas" ao direito de manifestação bem como a introdução de vigilância algorítmica a título "experimental" no âmbito do dispositivo de segurança dos Jogos Olímpicos de Paris em Julho e Agosto. Um dispositivo que a seu ver corre o risco de alargar "de forma excessiva os poderes da polícia, alargando permanentemente o arsenal dos equipamentos de vigilância".

Neste aspecto, a ONG de defesa dos Direitos Humanos dá conta da sua preocupação perante abusos das forças da ordem. Em manifestações, a polícia recorreu de forma "abusiva à força na manutenção da ordem", tendo havido "dispersões violentas e espancamentos indiscriminados", acusa a Amnistia Internacional estimando que "há uma negação que permanece muito forte sobre a questão das discriminações sistémicas pelas forças da ordem".

Detenções arbitrárias, abusos das forças da ordem, restrições ao direito e manifestar nos PALOP

Neste quadro, a África Lusófona não é excepção, refere Pedro Neto, da Amnistia Internacional em Portugal, que destaca nomeadamente abusos das forças da ordem, restrições à liberdade de expressão da sociedade civil e dos jornalistas em alguns países africanos de língua portuguesa.

"Nos 50 anos de Abril e nos 50 anos das independências que acontecem mais ano menos ano por agora. Estamos a ver uma situação com muita, muita preocupação em vários países. Eu destaco Angola, onde neste momento há prisioneiros de consciência. Há pessoas que estão presas porque o seu crime foi apenas a sua liberdade de expressão e liberdade de manifestação ser condicionada. E isto acontece de forma especial em Cabinda, mas também nas outras províncias. A Amnistia Internacional está neste momento a fazer uma campanha por vários activistas que foram presos e estão presos neste momento porque não fizeram outra coisa senão expressarem-se livremente", refere o activista.

"Em Moçambique as tensões continuam. No caso de Cabo Delgado, mais especificamente, quando vai havendo impunidade das forças que por ali andam, onde há restrições severas à liberdade de expressão", refere Pedro Neto que ao aludir à situação da Guiné-Bissau refere que apesar de este país não figurar no relatório, "não lhe é desconhecida a situação de Direitos Humanos e a forte repressão aos jornalistas e toda a situação também de pobreza e de repressão dos direitos civis e políticos que se vive naquele país".

Acerca de São Tomé e Príncipe, "há alguma preocupação, houve tumultos nos últimos anos, houve mortes que continuam por explicar na sequência da alegada tentativa de golpe de Estado. Tudo continua muito por esclarecer", considera Pedro Neto que ao aludir à situação de Cabo Verde refere que "há muitas questões que é preciso melhorar. A igualdade de género, questões como violência doméstica, questões como a pobreza, questões como até a liberdade de jornalistas".

O Departamento de Estado Americano também elaborou um relatório sobre Direitos Humanos

A publicação do relatório anual da Amnistia Internacional coincide com a divulgação de outro documento também alusivo aos Direitos Humanos elaborado pelo Departamento de Estado Americano. Neste relatório, o executivo americano menciona nomeadamente a situação em Angola. “Não se registaram alterações significativas na situação dos Direitos Humanos em Angola durante o ano”, resume do Departamento de Estado que além de falar de maus-tratos por parte do Governo angolano também identifica “entre os problemas significativos”, a dureza das condições de detenção, que classifica como “potencialmente fatais”, a existência de presos políticos e “restrições graves à liberdade de expressão e à liberdade dos meios de comunicação social”.

No caso de Moçambique, este relatório observa “vários incidentes de violência séria e intimidação” nas eleições autárquicas de 2023. Para além de denunciar um assédio à comunicação social no âmbito da cobertura daquelas eleições, o Departamento de Estado refere que “Moçambique experienciou vários incidentes de violência séria e intimidação relacionados às eleições autárquicas em Outubro. Isso incluiu reacções violentas da polícia a protestos de apoiantes da oposição, enfurecidos devido a relatos credíveis de má conduta eleitoral”.

Quanto à Guiné-Bissau, Washington refere que o país continuou a registar, em 2023, violações dos Direitos Humanos, dando conta de “relatos credíveis de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante por parte do governo, condições prisionais duras e com risco de vida, problemas graves com a independência do poder judicial, corrupção governamental grave, ampla violência baseada no género, incluindo violência doméstica ou por parceiro íntimo, violência sexual, casamento infantil, precoce e forçado, mutilação genital feminina, e tráfico de pessoas, incluindo trabalho forçado”.

A falta de independência do poder judicial é também um dos problemas mencionados relativamente à situação de São Tomé e Príncipe, o executivo americano destacando igualmente a ausência de responsabilização dos casos de corrupção. “Um estudo efectuado pela federação são-tomense de organizações não-governamentais salientou a ineficácia dos processos judiciais e a falta de condenações como principais factores de impunidade”, sublinha esse relatório.

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