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Amnistia Internacional alerta para crimes de "vigilância digital" durante a COP 28

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Os direitos humanos devem estar no centro das decisões da COP 28, quem o defende é a Amnistia Internacional que pede um acordo justo em matéria climática e consequente redução progressiva dos combustíveis fósseis. A Amnistia Internacional apela, também, à garantia de uma participação livre, plena e justa por parte da sociedade civil no encontro.

A COP 28 arrancou esta quinta-feira, 30 de Novembro, e prolonga-se até ao dia 12 de Dezembro, no Dubai.
A COP 28 arrancou esta quinta-feira, 30 de Novembro, e prolonga-se até ao dia 12 de Dezembro, no Dubai. AFP - GIUSEPPE CACACE
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A Conferências das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC, na sigla original) arrancou esta quinta-feira, 30 de Novembro e prolonga-se até ao dia 12 de Dezembro, no Dubai, principal cidade dos Emirados Árabes Unidos.

Com os holofotes direccionados para o país anfitrião, a AI pressiona o governo a libertar as vozes dissidentes da prisão, “o fim das detenções arbitrárias, dos julgamentos injustos e de toda a vigilância digital ilegal, e a descriminalização das relações entre pessoas do mesmo sexo”, pode ler-se no comunicado da ONG.

A Amnistia Internacional receia que a indústria dos combustíveis fósseis procure impedir progressos significativos na COP 28, uma vez que o presidente da cimeira, Sultan Al Jaber, também dirige a empresa petrolífera estatal dos Emirados Árabes Unidos.

Em entrevista à RFI, Inês Subtil, coordenadora de investigação da Amnistia Internacional Portugal, alerta para a possibilidade de utilização da vigilância digital durante o evento que pode ser um meio para agravar a repressão da dissidência e a liberdade de expressão.

De uma forma geral, como é que a Amnistia Internacional está a olhar para esta Conferência das Partes [COP 28]?

Estamos a olhar com alguma apreensão e preocupação, tendo em conta o historial do país anfitrião desta conferência. Temos receios que possa agravar a repressão que já existe no país e que de pouco resulte esta conferência, que na realidade é tão necessária e urgente.

De que forma é que as alterações climáticas estão relacionadas com a questão dos direitos humanos?

Os últimos 8 anos foram os mais quentes de sempre. 2023, ao que tudo indica, com 99% de probabilidade, será o mais quente desde que há registo e, portanto, estamos a falar numa situação que já está a ter impacto na vida das pessoas e nos direitos humanos.

Basta pensar, por exemplo, nas secas que estão a ocorrer no Corno de África ou no sul de Angola, que já obrigaram ao deslocamento de milhares de pessoas para a vizinha Namíbia. Por exemplo, as cheias que houve no Paquistão ou em Portugal, há um um ano e que estão bem presentes na memória. As ondas de calor que estão a acontecer no Brasil, que aconteceram na China, na Europa, os incêndios este verão na Grécia, no Canadá… Portanto, isto tem um impacto directo não só na escassez de recursos, como também obriga as pessoas a deslocar-se para procurar alimento e água. Tendencialmente isso irá agravar-se. 

Há, por exemplo, um caso que estamos a acompanhar, que faz parte da Maratona de Cartas da Amnistia Internacional, Uncle Pabai e Uncle Paul, líderes comunitários do norte da Austrália, em duas ilhas no Estreito de Torres e que já estão ameaçados pelas alterações climáticas, pelo aumento do nível das águas.

Obviamente, que acabam por ser sempre aquelas populações e os países mais vulneráveis, que infelizmente sofrem mais os efeitos das alterações climáticas, mas tendencialmente isso irá acontecer em todo o planeta.

Apesar dos mais afectados pelas alterações climáticas serem os mais vulneráveis, as alterações climáticas acabam por nos afectar toda a gente. A questão é que as pessoas mais vulneráveis não têm capacidade de resposta.

Não têm e, nesta COP 28, uma das das expectativas é que finalmente se possa avançar com o Fundo de Perdas e Danos, ou seja, que se estipule como é que ele vai ser gerido e administrado. É um fundo em que há uma responsabilidade dos países mais ricos ajudarem os países menos desenvolvidos a poderem reagir e mitigar os efeitos das alterações climáticas.

Também nesta conferência espera-se, por exemplo, que os resultados do balanço global - que é um processo de avaliação da resposta do mundo que foi estipulado no Acordo de Paris - sejam divulgados e que se possa usar esse balanço como uma base para a acção, para responder de uma forma mais resiliente a estes impactos e, também, para dar uma base aos Governos para aplicarem as medidas e as decisões que podem sair do encontro. 

Apesar de haver, há décadas, negociações para acordos de redução das emissões de gases com efeitos de estufa, o que nós vemos é que depois, na prática, trazer isto para a realidade das pessoas e a aplicação real por parte dos governos, aí ainda há muito por fazer.

Mas esta questão do dossier ‘Perdas e Danos’ não pode ter uma outra leitura, de que tudo é pagável, ou seja, se não se está aqui a pagar para continuar a poluir?

Eu vejo o fundo como parte das soluções necessárias para fazer face a um desafio gigantesco. Os países desenvolvidos têm mais do que a obrigação de financiar e de ajudar aqueles menos desenvolvidos a mitigar os efeitos das alterações climáticas. Têm uma responsabilidade para serem os pioneiros e para reduzirem a produção e a exploração de combustíveis fósseis. 

Isso é urgente e são os países desenvolvidos que, tendo essa capacidade financeira para fazer uma transição energética, o devem fazer já e devem fazê-lo também de uma forma justa. 

Nós falamos muitas vezes de transição energética e fala-se muitas vezes também de transição verde, mas ela tem que ser justa. Não se podem cometer os mesmos erros do passado que nos trouxeram ao ponto em que estamos agora. 

Portanto, tudo isto é necessário, mas também tem que se olhar para as dificuldades dos países menos desenvolvidos em fazer face aos impactos que já estão a sentir. Nesse sentido, vejo o fundo como uma medida necessária para ser posta em prática, até porque se demorou tanto tempo para se conseguir chegar a um acordo, acho que seria necessário que o fundo que ele avançasse, mas não é a solução. Não há uma solução, são necessárias várias.

Os Emirados Árabes Unidos são um grande produtor de combustíveis fósseis, não pode contribuir exactamente para o inverso do que seria expectável de uma conferência sobre o clima, ou seja, para fomentar os fósseis, para fomentar o lobby, para fomentar o greenwashing?

Essa é uma preocupação que a Amnistia Internacional tem e, aliás, posso adiantar que já recebemos a resposta das autoridades dos Emirados Árabes Unidos, de que havia uma rejeição aos apelos que tinha acontecido por parte de várias organizações, entre as quais a Amnistia para haver a libertação imediata de defensores dos direitos humanos. 

Entre eles o defensor de direitos humanos, que é também um dos rostos da nossa Maratona de Cartas, Ahmed Mansoor que está preso, desde 2017, a cumprir uma pena de 10 anos por ter criticado as autoridades dos Emirados.

Estamos a falar de um país que tem práticas de repressão. Na acusação Ahmed Mansoor é acusado de insultar o prestígio dos Emirados Árabes Unidos.

Estando a conferência a acontecer neste país, que tem esta forma de acção, de repressão de quem ousa fazer frente à forma como o Governo gere o país, é preocupante. 

Por isso mesmo não basta fazer uma conferência e empurrar os problemas daquele país para ‘baixo do tapete’. Já que estamos a fazer a conferência, é uma oportunidade para se olhar e para se exigir aos Emirados que tenham outro tipo de comportamento. Se a sociedade civil, as organizações dos delegados ali presentes vão ser capazes de fazer isso, é outra questão.

A Amnistia Internacional fala também na questão da vigilância digital. A vigilância digital que, de resto, é utilizada há muito tempo pelos Emirados Árabes Unidos e que serve precisamente para reprimir a dissidência e condicionar a liberdade de expressão. Essa vigilância digital pode ser direccionada agora para os participantes da COP 28?

Há essa preocupação. Em Março, o laboratório de segurança da Amnistia expôs uma campanha de ataque de spyware a operar nos Emirados e, portanto, temos essa preocupação. 

Ahmed Mansur foi vítima dessa vigilância digital. Ele foi preso porque o seu activismo pacífico incluía publicações nas redes sociais e não é caso único. 

Portanto, nós estamos a falar de um país que, além de não ter ratificado tratados importantíssimos, como a Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos, a Convenção Internacional de Direitos Sociais e Económicos, é um país que já aplicou essa espionagem digital - ou pelo menos as investigações que já foram feitas apontam nesse sentido - a escritores, editores, jornalistas e outras figuras.

Estamos a falar de um país que já deu provas de fazer este tipo de espionagem, este tipo de vigilância. Há muito receio que quem participe nesta conferência seja alvo disso mesmo e, por isso, houve um apelo para que a organização possibilitasse aos participantes usarem plataformas mais seguras nas comunicações que forem feitas no âmbito da conferência e que houvesse essa liberdade, não só por quem vai participar na conferência, mas mas também da própria sociedade dos Emirados durante esse tempo, para poder expor e participar livremente no que vai ser ali discutido.

Apesar da necessidade de um bom acordo para a questão dos direitos humanos, conhecendo o historial dos Emirados Árabes Unidos, a Amnistia Internacional tem alguma expectativa daquilo que possa sair da COP 28?

Expectativa temos sempre. Se não continuássemos a acreditar neste tipo de mecanismos, estaríamos todos muito mal! Há sempre essa expectativa de que possa sair algo mais do que tem acontecido. 

A experiência diz-nos que provavelmente não sairá muito, mas ainda assim estamos na expectativa de que se coloque mais uma vez centro de debate a questão da redução das emissões de gases com efeitos de estufa e que se tomem medidas concretas nesse sentido. Que os direitos humanos estejam no centro da transição energética justa e que, também, sejam tomadas medidas para concretizar esta transição. Qque se consiga, de alguma forma, ir um pouco mais além para que, a partir da conferência, os Estados possam tentar propor, aplicar e legislar a nível regional e nacional o que é necessário para passarmos da teoria à prática.

É muito, muito urgente que se faça, até porque o aumento da temperatura em 2023, que se prevê que venha mesmo a ser ano mais quente do que há registo, assim o exige.

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