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Vida em França

Cidade francesa de Dijon revela “duas facetas” de Vieira da Silva

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O Museu de Belas Artes de Dijon, em França, tem patente, de 16 de Dezembro até 3 de Abril, uma retrospectiva da pintora Maria Helena Vieira da Silva. A mostra apresenta “as duas facetas" da sua vida: aquela que ela quis mostrar ao público e aquela que ficou nos arquivos e na colecção de um casal de amigos. Faça a visita connosco neste programa.

Quadro "La ville au bord de l’eau", Maria Helena Vieira da Silva, óleo sobre tela, 1947.
Quadro "La ville au bord de l’eau", Maria Helena Vieira da Silva, óleo sobre tela, 1947. © Musée des Beaux-Arts de Dijon/François Jay
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Maria Helena Vieira da Silva é apresentada como a grande referência da arte abstracta do pós-guerra à escala internacional pelo Museu de Belas Artes de Dijon que tem patente, desde 16 de Dezembro até 3 de Abril, uma retrospectiva da pintora de origem portuguesa e um piscar de olhos à sua esfera mais privada com a apresentação de obras e formatos menos conhecidos adquiridos por amigos coleccionadores. “Duas facetas” da sua vida, resume uma das comissárias da exposição, Naïs Lefrançois.

“Quisemos mostrar duas facetas da vida de Vieira da Silva. Na retrospectiva, a faceta mais conhecida do público, que é comum à exposição do museu de Marselha, com as obras emprestadas de instituições públicas e privadas que estão no segundo andar e que permitem traçar a evolução da sua carreira, desde os trabalhos mais figurativos até às obras mais evanescentes e plenas de luz”, começa por explicar Naïs Lefrançois.

“No rés-do-chão está a segunda parte da exposição, dedicado ao espólio do Museu de Belas Artes de Dijon, com 32 obras oriundas de uma doação de coleccionadores parisienses e que deixam ver uma personalidade um pouco menos conhecida, mais engraçada e descontraída, um pouco diferente da obra a que estamos habituados e com uma apresentação de quadros menos conhecidos. Há pequenos formatos, artes gráficas e correspondência inédita”, acrescenta a conservadora do museu francês.

A exposição começa com um percurso cronológico da pintora que nasceu em Lisboa, em 1908, e que morreu em 1992, em Paris, a cidade das artes onde ela escolheu viver.  Intitulada “O Olho do Labirinto”, esta primeira parte conta com obras icónicas que já foram apresentadas, entre Junho e Novembro de 2022, no Museu Cantini, em Marselha, e que acompanham a evolução de um trabalho mais figurativo e tangível para uma dimensão de abstracção geométrica e lírica. O olhar do espectador perde-se nas telas labirínticas de enredos e tramas axadrezadas, linhas de fuga e de força que se entrecruzam e implodem em novas perspectivas espaciais e musicais, com referências a cidades, bibliotecas, ateliers, torres, fachadas, escadarias e muito mais.

Obra maior, em dimensão e em simbolismo, é “Urbi et Orbi”, uma tela de grande formato que a artista doou ao museu de Dijon, em 1973, como explica a outra comissária da exposição Agnès Werly.

“É o maior quadro de Vieira da Silva, tem uma dimensão de três metros por quatro metros. Ela nunca pintou outro quadro tão grande. É uma paisagem e é um quadro realmente muito representativo da sua arte porque mostra essa paisagem enevoada, chuvosa, muito poética e que apela à nossa imaginação. É também uma obra importante para nós porque a artista doou-a ao Museu de Dijon e queria que ele ficasse aqui junto com todas as obras da doação do casal Granville”, descreve Agnès Werly.

“Os Granville foram um casal de coleccionadores, Kathleen e Pierre Granville, que conheceram muito bem Vieira da Silva e o marido Arpad Szenes. Eles coleccionaram obras de Vieira da Silva e nos anos 60 quiseram doar a sua colecção a um museu francês. Jacques Tulier, que na altura era professor de história de arte na Universidade da Borgonha, debateu muito com André Malraux, que era então ministro da Cultura, e ele insistiu para que a doação fosse para Dijon. Eles deram 700 obras, nomeadamente 32 de Vieira da Silva”, acrescenta a comissária da exposição.

Eis, então, a segunda parte da exposição, intitulada “O Olho dos Coleccionadores”, que apresenta telas de pequeno formato, desenhos, postais e fotografias a mostrarem a cumplicidade entre o casal de coleccionadores e o casal de pintores. Destaque, ainda, para uma caixa de correio decorada por Maria Helena Vieira da Silva, uma encomenda de Pierre Granville para uma prenda especial.

“Uma obra surpreendente é esta caixa de correio pintada pela Vieira da Silva e oferecida como prenda à sua amiga Kathleen Granville. É um objecto inesperado numa exposição de pintura. Trata-se de uma caixa de correio normal que o Pierre Granville comprou no Bazar de l’Hôtel de Ville em Paris e depois pediu à Vieira da Silva para a decorar no intuito de a oferecer à sua esposa Kathleen.

Esta caixa de correio foi colocada no corredor do prédio deles, em Paris, e era simplesmente uma caixa de correio que servia para receber as cartas. Acabou por ser também doada ao museu com todas as outras obras e serviu durante algum tempo como 'livro de ouro': os visitantes deixavam mensagens lá dentro -  o que não é o caso hoje, mas foi uma história bonita.

No total, estão reunidas cerca de 80 obras da pintora nascida em Portugal mas que foi obrigada a adquirir a nacionalidade francesa em 1956. Das colecções do Museu de Belas Artes de Dijon há 18 pinturas, 17 obras em papel e a tal caixa de correio pintada, ou seja, um dos espólios mais completos da artista em França.

Há, ainda, obras oriundas da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa, do Comité Arpad Szenes-Vieira da Silva, da galeria Jeanne Bucher Jaeger, do Centro Pompidou, da Fundação Gandur para a Arte de Genebra e dos museus franceses de Colmar, de Grenoble e de Rouen.

A homenagem à pintora acontece 30 anos depois da sua morte e pretende recordar a sua importância na reinvenção da arte moderna e na contemporaneidade dos conceitos que ela explorou. Ao longo da sua vida, o trabalho de Maria Helena Vieira da Silva foi amplamente reconhecido, com exposições, retrospectivas e prémios um pouco por todo o mundo.

A pintora é apresentada como “a grande referência da arte abstracta do pós-guerra à escala internacional” pelo Museu de Belas Artes de Dijon, uma frase que faz todo o sentido para Marina Bairrão Ruivo, directora da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva.

“A Maria Helena Vieira da Silva é, de facto, apresentada como a grande referência da arte abstracta do pós-guerra à escala internacional. É verdade. E quanto mais fazemos investigação sobre a obra dela e quanto mais se fazem exposições que mostram a extrema qualidade da obra desta artista, mais esta afirmação se torna verdadeira e mais se percebe a originalidade e a qualidade da sua obra.

Primeiro, a obra de Vieira da Silva enquadrava-se na Escola de Paris, mas percebeu-se que esta artista não alinhava com os outros artistas numa coisa muito estabelecida e traçou o seu próprio caminho. É essa originalidade - sobretudo na procura de um espaço próprio, de uma espacialidade que a sua obra conseguiu de uma maneira muito original e notável - é essa redescoberta que hoje em dia ainda surpreende muitas pessoas pela qualidade que faz com que a sua obra ainda tenha, hoje, um lugar exemplar na história da arte do século XX, tanto na história da arte portuguesa, quanto na internacional”, explica Marina Bairrão Ruivo.

Com uma enorme projecção internacional enquanto era viva, será que o trabalho de Maria Helena Vieira da Silva continua a chegar ao grande público? Para a directora da fundação criada pela artista, as retrospectivas deste ano de Marselha e Dijon, e outras na agenda, servem simplesmente para relembrar o seu papel na arte do século XX.

“Há ideia que a Maria Helena Vieira da Silva terá ficado esquecida durante algum tempo, mas não é bem assim. Eu penso que quando se fazem grandes exposições, ela é relembrada. É apenas isso. Há várias exposições de seguida desta qualidade, como foi a de Marselha e agora a de Dijon; para o ano vamos ter uma enorme exposição em Rabat, Marrocos, sobre a sua obra; em 2024 vai haver uma grande exposição sobre o tema da liberdade nas comemorações do 25 de Abril. São coisas que vão ser muito surpreendentes. Eu penso que não ficou esquecido. Quando as obras dos artistas são mostradas novamente, são é relembradas”, acrescenta.

Indissociável das suas telas são as cidades de Lisboa e Paris e as impressões/expressões de Portugal e França.

Portugal e França são indissociáveis na obra de Vieira da Silva. Portugal está na génese da sua essência porque foi lá que ela nasceu. Ela dizia que o seu nome era português, que tinha nascido no Bairro Alto no dia de Santo António, que não podia ser mais portuguesa e foi a Portugal que ela quis deixar a sua obra para se fazer o museu e para guardar a sua memória. Mas foi para Paris que ela quis vir estudar e viver porque em Portugal não podia progredir na sua carreira. Foi em Paris que encontrou o amor e o Arpad [Szenes] com quem casou. Foi em Paris que quis fazer a sua vida e que fez a sua carreira e, de facto, a sua carreira não teria sido tão importante se não estivesse em Paris. Portanto, ambos os países são indissociáveis da sua obra”, sublinha Marina Bairrão Ruivo, relembrando também o papel do Brasil aquando do exílio nos anos 40.

Em 1980, Maria Helena Vieira da Silva disse que na sua pintura se via “uma incerteza, um labirinto terrível” mas que nesse labirinto “talvez se encontrasse uma qualquer certeza” e que talvez fosse isso que ela procurasse. Um labirinto de emoções, sensações, memórias para ver no Museu de Belas Artes de Dijon até 3 de Abril de 2023.

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