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Guiné-Bissau "está a passar por uma situação de estagnação política e ruptura"

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Dois meses depois dos acontecimentos designados pelo Presidente guineense como uma "tentativa de golpe de Estado" que desembocaram na dissolução da Assembleia Nacional Popular e na nomeação de um governo de iniciativa presidencial, a actualidade política da Guiné-Bissau continua muito densa.

Rua do centro de bissau, a capital.
Rua do centro de bissau, a capital. AP - Rebecca Blackwell
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Nestes últimos dias, destacaram-se o surgimento público de divisões no seio do PRS nomeadamente no que tange às suas alianças, a chegada ao país do líder do Madem-G15 que ocasionou incidentes e detenções no aeroporto de Bissau, ou ainda a polémica levantada pela denúncia feita pelo antigo primeiro-ministro Nuno Nabiam de que circula droga em abundância no país.

Ao começar precisamente por evocar esta denúncia, o analista politico Diamantino Lopes, considera que ela surge num contexto de ruptura entre Nabiam e o Presidente da República de quem pretende distanciar-se na perspectiva das presidenciais.

RFI: A designação da Guiné-Bissau como sendo uma plataforma do tráfico de droga não é recente. Porque é que as denúncias de Nuno Nabiam surgem agora?

Diamantino Lopes: Tem a ver com o momento político. Estamos a aproximar-nos da eleição presidencial e o Nuno Nabiam tem essa ambição. Quanto mais fragilizar o actual Presidente Umaro Sissoco Embalo, melhor para ele. Porque não é de hoje que se fala de tráfico de droga, nem de absolutismo, nem de ditadura. Aquando do governo de Nuno Nabiam, tudo isto aconteceu. Não havia manifestações pacíficas, havia raptos, havia espancamentos, destruição dos órgãos de comunicação social e ele em nenhum momento surgiu para condenar aquele acto. Portanto, é um aproveitamento político. Lógico, lá está, aquele problema de fragilidade do país. As nossas fronteiras estão frágeis e há muitos factores que influenciam essa situação que torna o país frágil perante o tráfico de droga. Isto é um facto conhecido. As nossas próprias autoridades reconhecem a sua incapacidade em resolver esse problema. Agora, ele surgiu com isto neste momento porque há uma ruptura política entre ele e o Presidente da República. Estamos a aproximar-nos da eleição presidencial, então está a tentar marcar os seus pontos e o seu espaço para ir à luta e ver o que pode conseguir disto.

RFI: Relativamente agora a outro acontecimento político, no passado fim-de-semana, o líder do Madem-G15 regressou a Bissau, isto deu azo a alguma confusão no aeroporto à sua chegada que resultou em detenções de membros do seu partido incluindo deputados. O que é que isto representa, tendo em conta que o Madem-G15 faz parte do governo de iniciativa presidencial?

Diamantino Lopes: Também se vislumbra de um certo modo a ruptura entre o Presidente da República e o próprio coordenador do Madem-G15. São da mesma família política. E agora todos pagam o preço que devem. O Madem-G15 é uma força política que sempre esteve do lado do Presidente da República e o próprio Presidente Umaro Sissoco Embalo é um dos coordenadores do Madem-G15. Mas sempre há querelas políticas entre eles. O Presidente da República tem um grande número de altos dirigentes do Madem no Palácio da República. Isso tem o seu significado político. Portanto, a dado momento, o coordenador do Madem-G15 sentiu-se ameaçado.

RFI: Ao ponto que ele diz que a Guiné-Bissau está neste momento a viver numa espécie de ditadura.

Diamantino Lopes: Sim, mas não é só de agora. Ele esteve cá nos últimos quatro anos e viu o que aconteceu aqui. Ele assistiu a tudo isto. Ele assistiu quando o PAIGC foi impedido de realizar o seu congresso, assistiu quando a sede dessa mesma formação política foi atacada pelas forças da ordem e destruíram tudo. Isso também não era democrata e não houve um posicionamento relativamente a isto. Agora, não podemos estar apenas na ditadura porque aconteceu isso e que foram impedidos de ter acesso às instalações do aeroporto internacional Osvaldo Vieira e houve algumas detenções. Não é isso apenas que justifica a ditadura, é um acto contínuo.

RFI: Como é que se pode analisar um recente comunicado do Madem-G15 na sequência do que aconteceu neste fim-de-semana, apelando o Presidente da Assembleia Nacional Popular a tomar diligências para que seja reinstalada a Comissão Permanente do Parlamento?

Diamantino Lopes: Isto é uma abordagem com uma forte carga de incoerência. Há muito que o Madem pediu a dissolução do Parlamento. Só que, na verdade, pediu isto para um prazo devido. Agora, está a acontecer esta situação porque compreenderam que, neste momento, a força política está concentrada nas mãos do Presidente da República, é quase o único órgão de soberania que está a funcionar. O supremo Tribunal não está a funcionar, o governo é do Presidente da República. Então, a única estrutura neste momento que pode fazer face a estes desafios é talvez a Assembleia Nacional Popular, porque vai permitir a união dos partidos políticos na Comissão Permanente e tomar certas decisões políticas. Sem a Assembleia Nacional Popular não se pode fazer política. Agora perceberam a importância da Assembleia Nacional Popular. Isto vale muito para a democracia. Nós estamos de acordo que o país volte à normalidade, só que é importante ter coerência política. Quando se toma uma decisão política, é preciso pensar nas suas consequências. Agora estamos a viver a consequência da tentativa de colocar o país numa situação de ingovernabilidade que, de um certo modo, está a ser insustentável. Se não houvesse esse problema com a dissolução do Parlamento, a situação talvez seria outra. Era mais fácil discutir os assuntos candentes do país porque havia um espaço.

RFI: Circulam também informações -por confirmar- de que estaria eventualmente na forja a possibilidade se formar novamente uma coligação entre o Madem-G15 e o PRS que, por outro lado, também já está associado ao APU-PDGB.

Diamantino Lopes: Na última reunião do Madem-G15, o coordenador o movimento a negociar com qualquer força política interessada e que comungue das mesmas ideias para definir projectos futuros, no intuito de criar uma "frente comum" para salvar a democracia.

RFI: Aparentemente, esta ideia não faz propriamente a unanimidade dentro do PRS.

Diamantino Lopes: Não, porque penso também que está a passar por essa situação, têm problemas de divisão interna. Muitos altos dirigentes do partido, sobretudo os que estão no actual governo estão de costas voltadas com a direcção interina do partido e estão a exigir mesmo a realização de um congresso extraordinário. Acusaram o actual presidente, Fernando Dias, de atropelos aos estatutos do partido e sobretudo de desvios de fundos e de assinar acordos sem a intervenção de órgãos competentes do partido. Também está nesta situação de divisão interna, vimos ainda ontem a tentativa de mobilização por parte da Juventude do partido. Tentaram ouvir as duas partes para encontrar a solução para esse problema. O país está a passar por uma situação de estagnação política e de uma ruptura que, de certo modo, é imprevisível e tudo isto mexe com toda a estrutura. Vislumbra-se uma ruptura quase total para essas estruturas. Mesmo no Madem-G15, há também essa ruptura. Não podemos esperar homogeneidade nas estruturas partidárias. Há sempre sensibilidades, há sempre correntes. Mas também há objectivos comuns. Quando não se revêm nessa perspectiva, levanta muita preocupação.

RFI: A nível social, ultimamente tem-se falado muito, na Guiné-Bissau, nos conflitos que há em certos pontos do país, nas escolas.

Diamantino Lopes: Estamos a passar por uma situação complexa. Isto tem a ver com a nomeação de directores. Acontece que chegou a uma dado momento em que a situação se tornou insustentável. Compreende-se que qualquer um é indicado para este posto e os estudantes ficaram preocupados com esta situação e marcaram a sua posição de não coabitar com os directores que não têm condições académicas para liderar as escolas. Aconteceu -acho-em Catió, aconteceu em Mansoa, foi em Mansoa que se deu aquela confusão, ainda mesmo na universidade Amílcar Cabral, com os professores que não estão de acordo com a nomeação do novo reitor. Há muitos problemas que se estão a passar neste momento no país que exigem uma profunda reflexão e tomadas de medidas políticas para a sua correcção.

RFI: Tudo isto acontece numa altura em que o país vizinho também está a viver momentos difíceis com o adiamento das presidenciais que mergulha o Senegal num período de incerteza. Isto, a seu ver, poderá ter algum efeito também na Guiné-Bissau?

Diamantino Lopes: Pode ter. Nós temos uma fronteira com o Senegal e temos uma relação muito íntima. Mas sobretudo, há também uma relação muito íntima entre o Presidente da Guiné-Bissau e o Presidente do Senegal. O Presidente do Senegal é uma referência do nosso Presidente da República e muitos falam disso. O que o Macky Sall faz lá, Umaro Sissoco Embalo tem de fazer aqui na Guiné-Bissau. Mas fora disto, o que está a acontecer no Senegal é uma situação também muito preocupante. É dos poucos países que demonstra ser uma democracia estável na CEDEAO, mas nos últimos três ou quatro anos, revela muita complexidade nesta perspectiva. Imagine-se que desde 1964 nunca foi adiada uma eleição e isto está a acontecer agora, numa altura em que Macky Sall sente uma fragilidade política e compreende que talvez que ir à eleição a 25 de Fevereiro pode de um certo modo mudar o rumo político do país. A situação de Ousmane Sonko não está muito clara e Ousmane Sonko tem um peso político, tem um carisma sociopolítico muito forte e é visto como o futuro Presidente do Senegal. Portanto, é uma estratégia para adiar o jogo e sobretudo mudar a tendência do voto. O povo compreendeu isto e saiu às ruas para reclamar os seus direitos.

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