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COP 28: Acordo é “um avanço importante”, todavia contempla “soluções falsas”

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Pela primeira vez, os países presentes na COP 28, no Dubai, aprovaram, esta quarta-feira, um compromisso “histórico” abrindo caminho para o abandono progressivo das energias fósseis. Francisco Ferreira, da Zero, sublinha “um avanço importante”, todavia lamenta que o texto tenha ficado aquém do esperado, além de contemplar “soluções falsas”.

Sessão de encerramento da COP 28.
Sessão de encerramento da COP 28. © COP28
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Temos uma referência às energias fosseis no acordo final, pela primeira vez”, sublinhou o presidente emirati da COP 28, Sultan Al Jaber. Foram precisos quase 30 anos “para chegarmos ao início do fim das energias fósseis”, acrescentou o comissário europeu para o clima Wopke Hoekstra.

O texto foi adoptado por consenso, sem objecções por parte dos 194 países nem da União Europeia. Todavia os países AOSIS (Aliança dos pequenos estados insulares) queriam uma declaração mais forte contra os fósseis. O representante das ilhas Samoa falou de um “passo em frente em relação ao status quo”, mas ainda longe do necessário de acordo com estes países que tendem a desaparecer com a subida das águas dos oceanos.

O “consenso dos Emirados Árabes Unidos”, como lhe chamou Al Jaber, foi adoptado oito anos após o Acordo de Paris e na recta final de um ano que é o mais quente alguma vez registado.

Francisco Ferreira, dirigente da organização ambientalista portuguesa Zero, sublinha “um avanço importante”, todavia lamenta que o texto tenha ficado aquém das expectativas, além de contemplar “soluções falsas”.

De uma forma global, como é que olha para este acordo?

Sem dúvida alguma que nós temos aqui um avanço importante ao começar expressamente a falar do fim dos combustíveis fósseis. Isso é determinante do ponto de vista político, porque realmente nós temos 90% das emissões à escala global de dióxido de carbono provenientes do uso do carvão, petróleo e gás, seja na produção de electricidade, na indústria ou nos transportes.

Portanto, termos uma menção clara à necessidade de acelerarmos, já esta década, um recuo no uso destes combustíveis, também falarmos da necessidade não do acabar, mas de reduzir o uso do carvão, principalmente quando não temos tecnologias para diminuir o seu impacto em termos de emissões, são aspectos muito positivos se combinarmos com o triplicar da potência de energias renováveis e o duplicar da eficiência energética, entre 2022 e 2030. 

Mas, também, é verdade que o texto fica aquém quando contempla soluções falsas, quando nos distrai daquilo que é o essencial. 

A única salvaguarda é que, quando falamos, por exemplo, do nuclear, que é parte do menu, tal como tecnologias de redução de carbono, de captura, de utilização e de armazenamento de carbono que têm falhado nos últimos 20 anos em termos de custo e de resposta. Gostaríamos que tivéssemos aí uma solução, mas infelizmente ela não tem sido e no nuclear o problema também é o custo. 

Isto é, quando fazemos as contas ao nuclear, que está a surgir em vários locais da Europa - veja-se a Finlândia, França, o Reino Unido - entre o custo previsto e o custo real, o nuclear só sobrevive em comparação com o custo muito mais baixo do solar ou do vento, porque é fortemente subsidiado pelos pelos Governos ou por alguns Governos em particular.

O nuclear que ganha um papel extremamente importante nesta COP.

O nuclear ganhou um destaque que não tinha tido até aqui. Mas, não parece que seja dramático do ponto de vista da implementação, na medida em que os países vão escolher soluções para sair dos combustíveis fósseis que sejam, efectivamente, custo-eficazes e o nuclear, comparativamente com outras, não é. 

Nem estamos a falar aqui de questões importantes, como o risco, ou a questão dos resíduos. Estamos a falar é que o nuclear falha em dois aspectos, o custo e a capacidade de responder imediatamente.

Para fazer uma central nuclear são precisos 10, 15 anos para a pôr a funcionar. Veja-se os últimos exemplos da Europa. São precisas soluções mais rápidas e, por isso mesmo, a eficiência energética e as renováveis vão ser mesmo, estando no mesmo menu, com o mesmo peso deste, as soluções escolhidas.

Em relação às falsas soluções de que falou há pouco, fala das soluções de captura e armazenamento de carbono que aparecem associadas às energias fósseis?

Exacto. Quando falamos de soluções de baixo carbono, quando falamos de soluções de captura e armazenamento de carbono, temos que olhar, acima de tudo, para uma transição que deixa de lado os combustíveis fósseis e que não encontra formas de o contornar ao dizer: “vou utilizar os combustíveis fósseis, mas depois vou tirar o carbono” ou “vou encontrar aqui combustíveis que têm muito menos carbono”. Isso distrai-nos.

Infelizmente, pela pressão de muitos países, acabamos de ter um texto que acaba por contemplar estas vias, mas o verdadeiro caminho é realmente pelo fim do uso dos combustíveis fósseis, que agora tem que se traduzir em acções concretas pelos países.

Nós sabemos que o Acordo de Paris, 8 anos após a sua adopção, está longe de ser cumprido. Nem mesmo a União Europeia está em linha com o acordo. Portanto, a nossa satisfação nestas conferências é sempre limitada, porque sabemos que há uma grande diferença entre as palavras e as acções.

Há aqui um problema de semântica? Este acordo fala em “transição para o abandono”. Até ontem, falava-se em phase-out (saída definitiva) ou phase-down (saída progressiva) dos combustíveis fósseis. O que é que muda nesta terminologia, que é bastante vaga?

É uma terminologia vaga e, portanto, cada um poderá fazer a sua leitura, mais ou menos, verde. Em nosso entender, deve ser realmente utilizada ou valorizada para sairmos da era dos combustíveis fósseis.

Mas, nós percebemos que havia necessidade de criar espaço à diferença entre os países, porque se há países que têm a capacidade financeira para fazer essa mudança dos combustíveis fósseis para as renováveis, outros não conseguem tão rapidamente ou não estão ainda em condições e não têm o apoio, não têm o financiamento que lhes permitiria fazer essa mudança. Portanto, havia que conciliar os interesses dos vários países.

A ideia do phase-out (saída definitiva) ou phase-down (saída progressiva) era também ela, em si, complicada de traduzir.

Há uma ideia da transição do sistema energético que foi aprovada, que nos permite, no entanto, ao mencionar explicitamente o abandonar dos combustíveis fósseis, traçarmos esse caminho. Não é talvez tão forte, mas ao ser especificado que deve ter uma ênfase nesta década e que deve ser feito de forma justa e que deve respeitar as diferenças, penso que acaba por acomodar, em grande parte, este fim da era dos combustíveis fósseis que se pretendia e que há dois dias estava pura e simplesmente fora [do acordo].

 

E essa transição, também, não pode ser feita sem os países que são dependentes do petróleo?

Nos esqueçamos que realmente aqui não é só o petróleo. É o petróleo, o carvão... Aliás, o carvão é responsável por uma maior fatia das emissões de gases de efeito de estufa do que o petróleo e conseguir, aqui, um consenso dos países produtores de petróleo e também de grandes países, como a Índia e a China, que bloquearam este tipo de expressão no texto final em Glasgow, há dois anos, não deixa de ser um passo em frente e um avanço em relação ao que tínhamos agora.

As Nações Unidas, no fundo, traduzem o consenso entre os países e nós precisamos de concretizar esse consenso.

Estamos numa emergência climática onde não nos podemos dar ao luxo de ter apenas uma “estrela polar” a orientar-nos, como o presidente da COP 28 [Sultan Al Jaber] tanto mencionou.

Precisamos de, no terreno, traduzir estas diferenças de uma forma muito mais clara e ambiciosa.

Agora, é preciso que os países usem do lado certo da história ou do lado certo da narrativa, aquilo que está neste acordo e não abracem as soluções que, no fundo, são arriscadas, são caras e que podem, no curto prazo, não dar resposta e encaminharmo-nos para um aquecimento superior a 1.5 graus Celsius.

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