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Guiné-Bissau "precisa de reformas profundas"

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O Presidente guineense nomeou Geraldo Martins primeiro-ministro do país. Umaro Sissoco Embaló avistou-se esta segunda-feira, 7 de Agosto, com os partidos com assento parlamentar. "Haverá um novo governo nos próximos dois a três dias", garantiu o porta-voz do PAIGC, Muniro Conté.

Assembleia nacional da Guiné Bissau
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RFI: O Presidente guineense nomeou esta segunda-feira Geraldo Martins primeiro-ministro do país. Quando haverá novo governo?

Muniro Conté: Ontem, cumpriu-se a formalidade. A coligação PAI-Terra Ranka entregou formalmente a indigitação do primeiro-ministro, em conformidade com o artigo 68 da Constituição da República da Guiné Bissau. Cabe agora ao Presidente da República dar posse, segundo consta, ainda esta tarde, e provavelmente termos governo entre amanhã e depois de amanhã. 

A formação governamental vai ser rápida. Vai haver conversações entre os partidos da coligação, PAI-Terra Ranka, PRS e PTG?

Sim, mas isso não vai ser um problema porque cabe à conferência de líderes, que integra o espaço de concertação dos partidos, refiro-me ao PAI-Terra Ranka, instituído desde 2017, decidir sobre as grandes decisões da vida da coligação PAI-Terra Ranka. Tem havido reuniões para a distribuição de pastas.

Ontem, entrou para a coligação o PTG, o partido dos trabalhadores liderado por Botche Candé. Da mesma forma que se observou o princípio da proporcionalidade em relação ao PRS, vai-se aplicar o mesmo em relação ao PTG. Nesta questão de governos inclusivos, a representatividade depende dos mandatos conquistados nas urnas. Quem tiver maior número de mandatos é o partido mais representado. 

Ontem foi nomeado o primeiro-ministro, haverá tempo suficiente hoje e amanhã para as questões serem sanadas para termos governo na quinta-feira ou, na pior das hipóteses, no fim-de-semana.

O PAI-Terra Ranka precisava de uma maioria qualificada, de dois terços dos assentos da Assembleia Nacional Popular (ANP). Criou aliança com o PRS, partido muitas vezes rival do PAIGC, e com o PTG. É tempo de criar um equilíbrio?

Sim, acho que sim. Não podemos pensar em reformas na ANP, o órgão mais representativo da soberania popular, sem termos a maioria dos dois terços. Mesmo no seio do PAIGC, algumas pessoas abordaram com reticência, entendendo que o PAI-Terra Ranka tem 54 mandatos, configurou uma maioria absoluta, que dá para assegurar a governação. O PAI-Terra Ranka tem uma outra visão em relação aos desígnios do país. O país precisa de reformas profundas e essas reformas devem partir do Parlamento. Os grandes diplomas e as grandes decisões são tomadas a partir do hemiciclo guineense. Só assim é possível fazer-se uma revisão da Constituição da República da Guiné Bissau, eliminando zonas de sombra, acabando com polémicas em torno do exercício de poder por parte do Presidente da República e clarificando alguns órgãos de soberania. E para isso é preciso uma revisão. Essa revisão só é possível mediante dois terços dos deputados do Parlamento.

Há outras questões que requerem consensos a nível do Parlamento da Guiné-Bissau. Questões que têm a ver com a reconciliação nacional. Houve uma comissão instituída nos anos 2014/2015, mas depois entrou num período de inactividade. Estamos a tentar relançar esta comissão de reconciliação e, concomitantemente, a assinatura de um pacto de estabilidade política e governativa, que permita que os se possam partidos congregar à volta de um desígnio comum, em relação aos grandes problemas que travam o desenvolvimento da Guiné-Bissau.

Estes partidos têm, provavelmente, em comum a vontade de avançar com uma revisão constitucional. Falou em reformas profundas, quais são os projectos para esta reforma da Constituição, nomeadamente, o regime semi-presidencialista com pendor parlamentar. Parceiros internacionais atribuem a instabilidade no país a este regime semi-presidencialista.

Isto tem que ver com a vontade dos chefes de Estado. Aquando da presidência de Malam Bacai Sanhá, ele fazia interpretação fiel do espírito e da letra da Constituição, em matéria do princípio da separação dos poderes, consagrados no artigo número 59 da nossa Constituição da República da Guiné Bissau. O nosso sistema diz que é um sistema híbrido, bicéfalo porque tem um dualismo de poder e por vezes pensamos que o poder é volátil, não fica no mesmo sítio. Podemos fazer leis que vão para a Assembleia Nacional Popular, o poder do julgamento dos casos é da competência dos tribunais, o poder da execução está fragmentado entre um Presidente da República que representa o Estado e joga um papel de árbitro e o governo que é responsável pela acção e política do país. Quem compreender esta dinâmica sabe que no nosso sistema  não há Presidente omnipresente. As competências estão repartidas e qualquer uma destas competências tem que respeitar o que a Constituição diz no seu artigo 59, o respeito pela Constituição, pelas leis da República, pelos direitos fundamentais e pelo princípio da separação de poderes.

Precisamos de fazer uma revisão porque houve pontos que foram relativizados. Somos sintomáticos. Por exemplo, presidir o conselho de ministros.. Na Constituição da República Portuguesa, porque transladamos a Constituição de Portugal para a nossa, está escrito que o Presidente da República preside o conselho de ministros quando for convidado. É essa formulação que passará a ter a nova Constituição, caso seja revista. Outra questão prende-se ao Procurador-geral da República, que nos últimos anos foi o grande problema na Guiné-Bissau e fez a justiça caiar numa certa descrença.

Colocar Domingos Simões Pereira como Presidente da Assembleia Nacional Popular foi uma cedência para não beliscar o Presidente Umaro Sissoco Embaló?

Pode ter duas interpretações. O líder do PAIGC e da coligação PAI-Terra Ranka estando no Parlamento pode constituir uma forma de estar menos exposto a eventuais conflitos com a Presidência da República, sendo que o Presidente da República tinha garantido que ia manter uma relação e imiscuir-se dos assuntos de governação.

Há um aspecto relevante que as pessoas não falam, as grandes decisões do país e o nosso sistema político são tomadas a nível do Parlamento. Essas decisões vão ser determinadas em função do contrato social que estabelecemos com a população durante as eleições. Quem vai à campanha, quem segura os mandatos são os deputados. Esses deputados estão confinados a uma instituição que é a  Assembleia Nacional Popular. A pessoa que dirige esta instituição é a pessoa que liderou a coligação que ganhou as eleições e, estando na Assembleia, vai cumprir com os desígnios de respeitar, dar resposta ao que foi dito na campanha eleitoral. A população pediu escolas, estradas, saúde.

Através do Parlamento, não sendo um órgão executivo, vai produzir leis, aprovar diplomas que vão permitir a implementação de políticas públicas, favorecendo as preocupações das populações. Não temos de ter ideias fixas quanto ao perfil do líder de uma coligação ou de um cabeça de lista de eleições, tentando alinhá-lo, simplesmente, com a questão da governação.

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