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Analista considera que grupo Wagner vai continuar em força em África

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A rebelião do grupo Wagner contra o Presidente russo provocou “uma crise profunda e importante”, mas não vai afectar a presença desta força paramilitar nos países africanos, considera o investigador moçambicano Régio Conrado. “O grupo Wagner, de uma forma ou de outra, vai ter de continuar no continente africano porque já não se trata de interesse de um indivíduo, trata-se do interesse de um Estado”, afirma o investigador, ao lembrar o peso diplomático e militar que a Rússia adquiriu em África.

Yevgeny Prigozhin num vídeo da conta Telegram de Concord, o serviço de imprensa ligado ao grupo Wagner. 25 de Maio de 2023.
Yevgeny Prigozhin num vídeo da conta Telegram de Concord, o serviço de imprensa ligado ao grupo Wagner. 25 de Maio de 2023. AFP - HANDOUT
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Esta semana, o Presidente russo, Vladimir Putin, prometeu responsabilizar “os organizadores da rebelião” do grupo Wagner, no sábado, para tentar encerrar um capítulo que ele admitiu ter ameaçado “dividir e fragmentar” a sociedade russa.  No sábado, a companhia paramilitar liderada por Yevgeny Prigozhin lançou uma marcha armada em direcção de Moscovo, que foi descrita pelo Presidente Vladimir Putin como uma "traição". Nos últimos anos, o grupo Wagner implantou-se em vários países africanos. Que consequências para África face ao que se passou no sábado, na Rússia? Esta é a questão central da entrevista a Régio Conrado, professor na Universidade Mondlane, em Moçambique, e investigador associado a Sciences-Po Bordeaux.

RFI: Qual é que é a amplitude da presença do grupo Wagner em África? Quantos homens e em que países?

Régio Conrado, professor na Universidade Eduardo Mondlane em Moçambique e investigador associado a Sciences-Po em Bordéus:O grupo Wagner é um grupo militar com ligações muito específicas com o Estado russo, o que não nos permite saber com precisão quantos homens tem no continente africano. Agora, nós sabemos que estavam presentes em Moçambique até há muito pouco tempo e não se sabe precisamente se já saíram todos de Moçambique.

Estão presentes na República Centro-Africana, estão presentes na Líbia, estão presentes no Sudão, estão presentes na Etiópia, estão presentes no Mali, parece que estão presentes também no Burquina Faso. Quer dizer que há uma multiplicidade de país africanos em que eles estão presentes.”

“Que consequências pode ter para esses países uma neutralização da força Wagner?”

“O ministro da Defesa russo, assim como algumas autoridades russas e o próprio Presidente russo, disse, de forma muito objetiva e clara, que as operações do grupo Wagner no continente africano não seriam afectadas até porque para o Estado russo o grupo Wagner é um instrumento profundamente central, profundamente estruturante, para a sua política securitária no continente africano e até para a sua política de influência no continente africano.”

“Mas essas palavras bastam para tranquilizar os chefes de Estado de todos estes países? Ou seja, basta dizer que as operações do grupo Wagner no continente africano não vão ser afectadas, quando na Rússia houve esta rebelião que acabou por ser neutralizada, mas que coloca em causa a própria constituição da força Wagner?”

“Obviamente que nós estamos numa circunstância em que os estados que têm relações de proximidade com o grupo Wagner têm razões para ficarem preocupados porque toda a instabilidade deste grupo – na sua relação com o Estado russo - obviamente cria problemas que são profundamente estruturantes. Mas o que nós devemos saber, neste momento, é a posição do Presidente Russo quando deu a saber que os militares do grupo Wagner poderiam integrar-se nas Forças Armada da Rússia ou poderiam voltar para suas respectivas casas ou poderiam ir para a Bielorrússia. Nisto entende-se que o grupo Wagner não pode ser dissolvido.

Mas também, neste momento, na Rússia, há grupos militares a serem formados. Se o grupo Wagner fosse dissolvido - mas isso é uma potencialidade profundamente remota - mas se fosse dissolvido, muito imediatamente seria substituído por um outro grupo militar. A Rússia depende, de forma estruturante, para a sua política no continente africano, da presença deste tipo de grupos militares.”

“Quais são os cenários para a força Wagner?”

“São vários cenários possíveis, mas há dois cenários que me parecem mais prováveis. O primeiro grande cenário é que grupo Wagner continue. O próprio Yevgeny Prigozhin não desafiou em nenhuma circunstância o Presidente Russo.”

“Desafiou ao marchar contra Moscovo.”

“Há uma tendência de salientar aquilo que foi a marcha do grupo Wagner em Rostov, mas é muito provável que o nível de ampliação, o significado deste evento, possa não ser tanto quanto estamos a discutir nos espaços públicos. Todos os grandes especialistas dizem, com muita clareza, que o grupo Wagner não tinha nenhuma capacidade estruturante para poder marchar e conseguir tomar as grandes bases por dentro da Rússia, para além daquela que tomaram em Rostov.

O que pode acontecer é que se neutralize Yevgeny Prigozhin e isso já começou. O Presidente russo diz que tem que haver uma investigação profunda para se saber como é que os 1.000 milhões de dólares foram usados - que foram pagos ao grupo Wagner e que foram usados em 2022-2023. Aqui vão fazer investigações muito provavelmente em relação a uma pessoa, mas não necessariamente ao grupo. Não há nenhuma intenção de confundir Yevgeny Prigozhin com o grupo Wagner, o que pode significar que: ou se pode neutralizar o seu líder colocando uma outra grande figura; ou pode-se multiplicar outros grupos paramilitares que vão responder ou vão estar a soldo dos interesses da Rússia.”

“Apesar de tudo,Yevgeny Prigozhin fez tremer, de certa forma, este sábado, a Rússia de Putin e deve ter provocado alguns tremores junto dos chefes de Estado africanos que contam com forças Wagner nos seus territórios. Esta crise interna em Moscovo pode vir a travar anos de conquista russa em África?”

Não estou muito certo que Yevgeny Prigozhin tenha feito tremer o poder russo. Isto não posso assumir por uma razão muito simples: é que nós sabemos que, do ponto de vista daquilo que aconteceu, até hoje ninguém pode ter conclusões totais. Aliás, nós sabemos também que, apesar de ter havido esta situação na Rússia, isto não coloca em causa aquilo que é a estrutura do poder russo. Mesmo no Ocidente, eu ouvi o presidente [Emmanuel] Macron a dizer que é preciso ter muita cautela porque este fenómeno ainda pode ser um epifenómeno e este fenómeno pode não ter o significado que nós podemos querer dar. Ele disse isso numa entrevista recente.

Eu penso que este grupo colocou em causa aquilo que é a famosa estabilidade total e completa da Rússia ou da capacidade do próprio presidente Russo de controlar todas as suas forças, inclusivamente este grupo. Agora, é muito verdade que os países africanos que trabalham com o grupo Wagner estão profundamente preocupados porque a evolução deste grupo na Rússia e a forma como as coisas estão a evoluir criam um importante problema. Eu penso que é nesta perspectiva que o Presidente russo, de forma muito imediata, disse aos seus parceiros que todo o trabalho que o grupo Wagner está a fazer no continente africano vai continuar.”

“A Cimeira Rússia- África, no final de Julho, pode ser também uma forma de clarificar as coisas?”

“Concordo plenamente consigo porque este aspecto virá à tona da mesa das discussões: Como é que a gente fica de facto? Este grupo está controlado? As operações vão continuar? A cooperação militar – com o grupo Wagner e com o Estado russo - vai continuar ou não. Penso que esta questão vai ser colocada, não só ao nível daquilo que vai acontecer nesta cimeira Rússia-África, mas também no encontro dos BRICS em Agosto. Porque apesar de a Rússia não estar diretamente presente em muitos outros países, a cooperação militar com a Rússia, em termos de venda de armamento, que é feita através de várias outras figuras, é profundamente importante.”

“Esta crise interna russa provocada pela força Wagner aconteceu ao mesmo tempo que saiu um relatório da organização The Sentry (que investiga as redes de predação económica e financeira nas zonas de conflito) e que denuncia a actuação do grupo Wagner na República Centro-Africana. Este relatório chama-se “Os Arquitectos do Terror” e mostra testemunhos de horrores de cerca de 50 vítimas e também de militares que participaram nas operações do grupo russo, nomeadamente, massacres, violações - incluindo de crianças e de mulheres grávidas - pilhagens, raptos…  Este relatório e aquilo que aconteceu nos últimos dias podem colocar em causa a continuação da força Wagner em alguns países africanos ou não está no interesse, por exemplo, da RCA fazê-lo porque a força Wagner sustenta o Presidente Faustin-Archange Touadéra? »

“Concordo plenamente com a sua análise. Este relatório não vai colocar em causa a continuidade deste grupo no continente africano até porque este tipo de relatórios hoje no contente africano são considerados como desnecessários e totalmente inúteis. Por um lado, num encontro em Paris, todos os presidentes africanos foram unânimes em mostrar que não é um relatório do Ocidente, que não é um discurso do Ocidente, que não é um discurso dos países ocidentais, que vai determinar a sua política externa, que vai determinar a estrutura da sua cooperação bilateral ou multilateral e até o próprio Presidente [Patrice] Talon - que é considerado um dos mais próximos da França - numa entrevista à RFI e France24 - chegou a dizer que uma cooperação com o grupo Wagner se for do interesse dos países, também a faz. Não é este tipo de relatórios que vai colocar em casa.”

“Mas este tipo de relatórios também ouviu os próprios militares do exército da RCA...”

“Sim, claro, mas isto não vai colocar em causa porque o próprio Presidente da República Centro- Africana sobrevive de forma estrutural por causa do nível de intervenção e de protecção que tem do grupo Wagner. O ministro da Defesa e o chefe das Forças Armadas da República Centro-Africana veio a público dizer que vai haver investigação mas, como sabe, essa investigação nunca virá a público ou a conclusão será: ‘Fizemos as verificações, mas parece que são aspectos profundamente dispersos e que não coloca em causa aquilo que é a intervenção deste tipo de forças.’ Eu penso que vai ser, mais ou menos, isto porque de forma estrutural não vejo um relatório deste tipo a ter impacto.”

“Mas estou a falar do relatório em conjunto com toda esta situação de quase implosão na cúpula do grupo Wagner…”

“Não sei se a gente pode falar de implosão porque todos os grandes especialistas estão a tentar mostrar que o grupo Wagner, de uma forma ou de outra, com um nome ou com outro, vai ter de continuar no continente africano porque já não se trata de interesse de um indivíduo, trata-se do interesse de um Estado. A Rússia conquistou muito espaço no contente africano, não vai ser por causa de um homem que o Estado russo vai abandonar a sua cooperação nos termos que está a fazer com o contente africano e que se mostra muito mais eficiente, mais barato, mais rápido e com resultados em termos de imagem muito mais pragmáticos do que os outros tipos de cooperação com outros países ocidentais.

Eu penso que implosão a gente não pode falar. Podemos falar de uma situação de crise profunda e importante. Isto não há dúvidas. É por essa razão que, mesmo nas altas hierarquias do Estado russo, não se está a falar da dissolução desta força. Está-se a encontrar mecanismos que possam dar continuidade a isto e sobre África nem se fala. Os países africanos que hoje têm uma cooperação com a Rússia estão muito menos preocupados com as questões de conflitos interiores da Rússia, o que lhes interessa é que a cooperação permaneça e continue.

A Rússia agora está em guerra, mas a Rússia está a fornecer armamento ao Mali, está a fornecer a armamento de forma indirecta ao Burkina Faso, está profundamente investida na República Centro-Africana, está envolvida no conflito no Sudão, esteve praticamente implicada no conflito que houve na Etiópia – ou que ainda está em curso porque as negociações não estão totalmente terminadas. Eu até fiquei surpreendido que o grupo Wagner tenha ainda um escritório em Maputo. De forma estrutural, este grupo não está necessariamente para desaparecer porque este grupo não só fornece serviços militar no sentido de proteção e intervenção, este grupo também vende armamento. Este grupo presta outro conjunto de serviços que podem não ser profundamente claros. São muitos interesses misturados no meio de tudo isto e não me parece que possam desaparecer de forma tão rápida por causa dessa situação que aconteceu em Rostov e com a questão do relatório publicado acerca dos actos que lhes são imputados na República Centro-Africana, na exploração dos diamantes e outros tipos de recursos daquela região.”

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