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São Tomé e Príncipe: Justiça vai averiguar condições de saúde e segurança de Lucas Lima

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Dois meses depois do ataque ao quartel militar a justiça são-tomense tem em curso dois processos de investigação. Passados dois meses, a família do único alegado autor do ataque sobrevivente denuncia a ausência de tratamento médico e a contínua visita de militares à prisão.

São Tomé, capital de São Tomé e Príncipe.
São Tomé, capital de São Tomé e Príncipe. AFP - RUTH MCDOWALL
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Dois meses depois do ataque ao quartel militar, cujas imagens de tortura e morte de quatros suspeitos continuam a circular nas redes sociais, a justiça são-tomense tem em curso dois processos de investigação. Um por tentativa de golpe de Estado consolidada no ataque ao quartel e um segundo que investiga o homicídio e tortura de suspeitos.

Passados dois meses, a família do único alegado autor do ataque sobrevivente, Lucas Lima, denuncia a ausência de tratamento médico e a contínua visita de militares à prisão.

Paulina Lima sublinha que a primeira consulta médica a que o irmão teve acesso foi na sexta-feira da semana passada, 20 de Janeiro, custeada pela família, tal como a primeira ecografia, realizada esta quarta-feira, 25 de Janeiro. Na terça-feira, 24 de Janeiro, Lucas teria sido conduzido pelos serviços prisionais a uma consulta médica, contudo dado o aviso tardio da família, o detido apenas foi acompanhado pelo advogado. 

"O estado de saúde dele não está nada agradável: está a defecar com sangue, urina com sangue, deitou sangue algumas vezes de um ouvido, tem um dos testículos inflamado, tem dores na perna esquerda… Na consulta à qual o levei, o médico detectou um problema na coluna. Tem muitas dores e diz, também, que da perna direita ‘apanha tipo choque’.

Desde o dia 25 de Novembro de 2022, o seu irmão foi visto pelo médico, pela primeira vez, na sexta-feira da semana passada, no dia 20 de Janeiro de 2023?

Sim, a primeira vez que foi visto [pelo médico] foi na sexta-feira [20 de Janeiro de 2023]. Ele, quando estava na PIC [Polícia de Investigação Criminal] passou pelo hospital porque ele tinha desmaiado. Foi no dia 26 [de Novembro de 2022], mas ele disse que só lhe passaram paracetamol.” 

Portanto, neste tempo todo, ele esteve a tomar apenas paracetamol?

Sim, sim. Pelo que soubemos, a indicação que temos, é que ele não foi atendido por um médico. Era o enfermeiro da cadeia que o atendia, mas o que ele tomava era paracetamol.

Ou seja, depois de ter sido espancado - como se vê nas imagens - não fez nenhum exame, nenhuma ecografia, nada?

Não, não teve nada disso.

Os exames médicos, esta quarta-feira, 25 de Janeiro de 2023, são pagos por vocês [família]?

Sim, por nós. A medicação também.” 

Diz que há militares que vão visitar o seu irmão à prisão. Quem são e o que é que eles querem? 

O militar que esteve [na prisão] no dia em que eu estive presente, foi um tal de ‘Jerry’.  O ‘Jerry’ [um militar] falou com ele [Lucas] e disse-lhe, abertamente, que ele tinha de pensar muito bem no que iria falar porque este Governo e o quartel dependiam dele. E não falou mais nada na minha presença. Deixou-me sair e tentou voltar a falar com o Lucas. Nessa altura, o Lucas disse-lhe que não iria falar com nenhum militar na nossa ausência. Portanto, ficamos sem saber de concreto o que é que os militares queriam que ele dissesse, fizesse ou falasse.” 

Pensa que há possibilidade dos militares poderem querer comprar o silêncio do seu irmão? 

Eu penso que sim, porque o ‘Stoe’ [um militar] havia enviado um recado para o meu irmão, havia tentado ‘fechar a boca’ do meu irmão, dizendo que a patente dele estava em jogo e que ele não ia perder. Para mim, já é uma ameaça.” 

Ou seja, a vida do seu irmão neste momento corre perigo? 

Corre. Nós sentimos que a vida dele corre perigo.

O facto da senhora, da sua mãe e do seu tio falarem, isso também não vos coloca em risco?

Com certeza que coloca, mas não podemos ficar de ‘braços cruzados’. Nenhuma mãe, que carrega um filho nove meses, quer ver seu filho a morrer ou a sofrer.”

No dia em que se assinalaram os dois meses do ataque ao quartel, a RFI ouviu Kelve Nobre Carvalho, o Procurador-Geral de São Tomé e Príncipe, que comentou as acusações proferidas pelos familiares de Lucas Lima e que começa por nos fazer o ponto da situação dos processos.

A entrevista a Kelve Nobre Carvalho foi realizada na tarde desta quarta-feira, 25 de Janeiro.

"As investigações decorrem com auxílio técnico da cooperação internacional solicitada e está tudo a ser feito no seguimento dos trâmites processuais, no respeito cabal daquilo que é o direito dos arguidos no processo de crime para que, antes do fim do prazo, da prisão preventiva possamos dar o despacho final, seja ele da acusação ou outro qualquer.

É este o ritmo, é nesta situação que se encontram as investigações."

Há duas investigações, dois processos em curso, a correrem paralelamente?

"Certo. Temos duas investigações abertas. Uma em relação à tentativa de tomada ou tomada mesmo do quartel, que ainda estamos a apurar concretamente o que se terá passado, e a outra [investigação] em relação, a algo mais evidente, que são as mortes ocorridas. 

Devido à gravidade da situação - das mortes - abrimos propositadamente um processo autónomo só para essas investigações."

Há arguidos nos dois processos? 

"Temos arguidos presos nos dois processos, quer em relação ao assalto ao quartel quer dos homicídios. Nos dois [processos] temos arguidos presos." 

Portanto, quantos arguidos estão presos no processo de violação de direitos humanos? Falo portanto do caso de tortura e morte dos alegados suspeitos. 

Neste momento, encontram-se detidos preventivamente quatro arguidos. Mas as investigações ainda não chegaram ao seu ponto final de conclusão.

Os arguidos deste processo, especificamente, são militares?

Essencialmente, são militares.

Quanto tempo é que estas investigações podem demorar para o esclarecimento cabal daquilo que se passou a 25 de Novembro?

Nós pretendemos recolher todas as provas suficientes antes do prazo final da prisão preventiva, que em São Tomé e Príncipe são três meses a partir da data de detenção dos arguidos.

Portanto, mais um mês e a partir daí pode começar a haver luz ao fundo do túnel?

Também no nosso código de processo penal há possibilidade de requerer a extensão do prazo da prisão preventiva, alegando a complexidade do processo. Há uma prerrogativa nesse sentido.

O que estou a dizer é que as coisas estão em curso e só com a evolução concreta do trabalho saberemos ou não se efetivamente será antes dos três [meses].

Mas queremos, o Ministério Público de São Tomé e Príncipe quer que seja feita antes do prazo da prisão preventiva, do término do prazo de três meses.

A família do único alegado autor do ataque sobrevivente, Lucas Lima, denuncia a ausência de tratamento médico e a contínua visita de militares à prisão.

Em relação aos cuidados médicos, nós temos os que, à partida, a própria cadeia central, sob a coordenação do Ministério da Justiça e um subcomissário, oferece a todos os arguidos de São Tomé e Príncipe.

Mas vamos procurar perceber, efectivamente, qual é o estado actual da saúde do arguido em questão e enviar, provavelmente, um médico para avaliar, em função dessa informação que me está a dar agora, que é nova para mim.

E a questão da visita de militares a este arguido? 

Um preso preventivo tem uma limitação de visitas que pode receber. Nós achamos estranho isso, mas tarde a ser averiguado. Por enquanto, não temos elementos que façam referência a isso. Solicitamos isso à cadeia central e não temos elementos, mas está-se a averiguar efectivamente o que é que estará a ocorrer. 

Qualquer preso à cautela do processo, é um preso com os seus direitos. Direitos que devem ser salvaguardados durante a investigação criminal. Um deles é a saúde, outro é a sua própria segurança. 

Mas, no momento em que está a falar comigo [25 de Janeiro de 2022, o Ministério Público de São Tomé e Príncipe não recebeu nenhum requerimento do advogado, nenhum escrito do arguido, expondo no processo essa situação. 

Nós ouvimos, temos ouvido de várias pessoas e fomos averiguar efectivamente e avaliar a própria segurança do arguido em questão."

Por seu lado, questionado sobre estas visitas de militares ao preso preventivo Lucas Lima, o ministro da Defesa de São Tomé e Príncipe, Jorge Amado, diz ter tomado conhecimento da situação na manhã de 25 de Janeiro de 2023, e ter procedido à abertura de um inquérito para verificar as acusações: fiz essa solicitação ao serviço competente para me poder informar sobre o assunto e estou aguardando essa informação.” 

Jorge Amado acrescenta que, em São Tomé e Príncipe, os militares não estão acima da lei nem da justiça.

Eu não considero [que os militares estejam acima da lei] e não vejo em que momento houve desrespeito do exército em relação a alguma decisão que tivesse sido tomada.

A juíza de instrução criminal decidiu a detenção de alguns militares na prisão civil e eles foram para a prisão militar...

Eles foram cumprindo a lei. Quando um militar é preso, mesmo em flagrante delito, deve ser entregue à instituição militar para que aguarde o julgamento na prisão militar. Não se pode misturar um militar com civil, porque há riscos de vida.

De acordo com o senhor ministro, os militares têm estado a respeitar a legislação e a justiça são-tomenses?

Tem estado a respeitar, sim.

Mesmo que se comprovem estas visitas a este detido? 

A este detido, eu não sei se é real. Portanto, estou à espera que me dêem a informação que pedi.

Se é real, tenho de saber qual é a causa, quem o ordenou e daí poderei fazer alguns juízos.

Sem isso, não posso especular. Se soubermos que é [verdade] vamos tomar as medidas necessárias.

Desde aquilo que se passou a 25 de Novembro de 2022, o que é que a nível militar foi feito, no seguimento daquilo que aconteceu? 

Foi feito um inquérito, que também está ao nível da Procuradoria-Geral da República.

Não nos podemos pronunciar sobre o inquérito militar sem que haja uma conclusão da Polícia Judiciária e da Procuradoria-Geral da República, até agora em segredo de justiça.

No entanto, os oficiais foram identificados, convocados e enviados para prisão preventiva nas Forças Armadas.

Neste momento, quantos militares estão detidos? 

Podemos dizer aproximadamente quinze.

 

 

 

 

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