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Panorama dos ataques contra jornalistas em Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde

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Assinala-se nesta quarta-feira o Dia Internacional pelo Fim da Impunidade dos Crimes contra Jornalistas. Para marcar esta data, 8 procuradores de vários países lançaram hoje um apelo sob a égide da ONG Repórteres Sem fronteiras para incitar os seus colegas a agir contra a impunidade dos crimes que visam os jornalistas, crimes que na maioria dos casos acabam por não ser esclarecidos nem tão-pouco sancionados.

Assinala-se nesta quarta-feira o Dia Internacional pelo Fim da Impunidade dos Crimes contra Jornalistas.
Assinala-se nesta quarta-feira o Dia Internacional pelo Fim da Impunidade dos Crimes contra Jornalistas. © Unesco
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De acordo com dados da Unesco, desde 2010, mais de mil jornalistas e seus colaboradores foram assassinados e 118 foram dados como desaparecidos desde 2016. Segundo a mesma fonte, as situações mais graves registam-se na América Latina e nas Caraíbas, sendo que paradoxalmente 64% dos crimes cometidos contra jornalistas acontecem em países que não estão em guerra. A Unesco refere ainda que a taxa de impunidade mundial para os assassinatos de jornalistas ascende a 86%.

Neste panorama, África não é excepção. Em Moçambique por exemplo, o MISA, uma organização que actua nomeadamente na área do direito de expressão, denunciou hoje a detenção há uma semana de Arlindo Chissale, um jornalista do portal online 'Pinnacle News', sem acusação formal, em Cabo Delgado, no norte do país. Jeremias Langa, director desta entidade, dá conta de uma degradação da liberdade de informar em Moçambique, sobretudo desde o início dos ataques em Cabo Delgado em 2017.

"Isto não era uma prática aqui em Moçambique nos moldes em que está a acontecer agora. Tínhamos situações de intimidação aqui e acolá, mas nos moldes em que está a acontecer agora, não era uma prática antes do início da guerra em Cabo Delgado" começa por referir o activista detalhando que "face ao contexto da guerra, há muitas restrições ao trabalho dos jornalistas e -regra geral- têm sido as autoridades militares ou policiais que têm tido protagonismo no cerceamento do trabalho dos jornalistas".

Ao referir que a Constituição moçambicana consagra a liberdade de expressão e os direitos dos jornalistas, Jeremias Langa constata porém que a lei não é cumprida. "Do ponto de vista do quadro legal, não temos muitas razões de queixa. Temos um quadro legal bom (...) mas o problema está na implementação", lamenta.

Na Guiné-Bissau, o activista e jurista Fodé Mané também dá conta de uma situação difícil ao citar nomeadamente o caso recente de um jornalista da rádio Pindjiguiti que teve de se esconder depois de divulgar uma notícia considerada sensível. Fodé Mané evoca igualmente a situação da rádio Capital, cujas instalações foram atacadas e os jornalistas espancados no dia 9 de Fevereiro.

"Neste momento, temos um jornalista que está escondido porque foi ameaçado porque noticiou um facto ligado ao tráfico de droga. Narrou os factos e responsabilizou os dirigentes do Ministério do Interior da altura, há duas semanas, e eles não gostaram", refere o activista que ao aludir à situação da rádio Capital vandalizada em Fevereiro, revela que foi recentemente emitido um despacho de um Inspector-Geral do Ministério da Comunicação Social a impedir a rádio Capital FM de emitir.

"Não houve investigações, inclusive a própria Procuradoria-Geral da República abriu um processo com o objectivo de poder encerrar a investigação (...) porque segundo a lei, se não há acusação definitiva no prazo de 6 meses, o processo deve ser arquivado" explica o activista ao evocar o caso da Rádio Capital e em particular dos seus jornalistas que foram espancados durante o ataque contra as instalações da emissora. "Alguns foram espancados de forma muito grave e conheceram dificuldades em termos de tratamento e até de saída", denuncia o jurista.

Ao esboçar o quadro da liberdade de imprensa no seu país, Fodé Mané sublinha que "continua a haver ameaças diárias, ameaças não só nas redes sociais -mesmo pessoalmente- não só ameaças verbais, mas bloqueios de salários, despedimentos apenas por um despacho de um director". Daí que "podemos dizer que os homens e as mulheres da comunicação social são verdadeiros heróis a tentarem fazer o que é possível nesta situação", conclui o activista.

Em Cabo Verde, apesar de a situação ser diferente, Geremias Furtado, Presidente da AJOC, Associação Sindical dos Jornalistas de Cabo Verde, observa que tem havido algumas pressões sobre os profissionais da área.

"Eu acredito que a situação em Cabo Verde, comparativamente com os países vizinhos da África ocidental, é boa em termos de não haver agressões a jornalistas ou assassinatos" começa por referir o sindicalista que todavia não deixa de observar que "temos tido ataques a jornalistas nas redes sociais, a descredibilização do trabalho dos jornalistas e recentemente tivemos dois colegas que foram responder ao Ministério Público por terem feito jornalismo de investigação, por ter divulgado algo que acreditamos ser do interesse público".

Para Geremias Furtado, "o legislador em Cabo Verde tem ignorado essa questão dos ataques contra os jornalistas". Ao defender um reforço da lei nesta matéria, o representante sindical recorda que "recentemente tivemos uma colega que foi atacada nas redes sociais porque foi associada a um determinado partido. Então eu acho que é preciso haver leis que garantam esta protecção dos jornalistas principalmente no meio digital".

Recorde-se que o dia 2 de Novembro foi instituído pela ONU como sendo o Dia Internacional pelo Fim da Impunidade dos Crimes contra Jornalistas, na sequência do assassinato, no dia 2 de Novembro de 2013, dos nossos colegas da Rádio França Internacional Ghislaine Dupont e Claude Verlon, quando efectuavam uma reportagem no norte do Mali. Um caso que 9 anos depois continua por esclarecer, apesar de várias diligências feitas pelos familiares e próximos das vítimas para determinar as circunstâncias destas mortes.

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