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NATO: "A aliança das democracias contra a China"

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Os aliados da NATO aprovaram a nova agenda para 2030. A declaração reflecte as preocupações em relação à Rússia e à China, reconhece as novas ameaças no espaço e no ciberespaço e o terrorismo. Álvaro Vasconcelos, antigo director do Instituto de Estudos de Segurança da União​ Europeia, afirma que esta cimeira deu um novo alento à NATO, porém reconhece que as boas relações da Europa com os EUA levaram o velho continente a aceitar uma "aliança das democracias contra a China". 

Os aliados da NATO aprovaram a nova agenda para 2030.
Os aliados da NATO aprovaram a nova agenda para 2030. REUTERS - KEVIN LAMARQUE
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RFI: Esta cimeira deu um novo alento à NATO?

Álvaro Vasconcelos: Deu um novo alento, não há dúvidas. O que nós devemos analisar é se deu um alento na boa direcção ou na má direcção. Se olharmos para a NATO do tempo de Trump, em que Trump considerava a NATO como algo que já não fazia sentido, recusava-se a dar garantias de segurança aos Estados europeus, é evidente que uma reafirmação do artigo 5° da NATO pela administração norte-americana - e todo um novo programa no domínio da segurança, o desenvolvimento de uma nova estratégia, que incluiu a China nessa nova estratégia- permite à NATO ganhar um novo alento.

Mas é no bom sentido ou mau sentido?   

Eu tenho muitas dúvidas se faz sentido a NATO deixar de ser uma aliança de segurança europeia, que tem como objectivo defender o hemisfério norte em caso de um possível conflito com qualquer Estado no hemisfério norte- que foi criada para enfrentar a ameaça que representava a União Soviética- para ser uma aliança global e penso que isso não faz sentido.

É o regresso da realpolitik ?

Realpolitik eu não diria, porque Biden afirma que está a fazer uma aliança das democracias, que está a dar conteúdo ideológico, de valores, à política externa americana. Como a China não é um Estado democrático, é um Estado autoritário, que viola os direitos humanos, persegue as suas minorias, a China seria ideologicamente 'o outro' e, portanto, havia aqui uma bipolaridade ideológica. Não é verdadeiramente realpolitik no seu enunciado. Mas, no fundo da questão, os Estados Unidos têm uma enorme dificuldade em aceitar que vão deixar de ser a principal potência mundial do ponto de vista económico e que já estão a deixar de o ser [e que serão ultrapassados pela China].

Os Estados Unidos conseguiram que constasse na declaração final que a China é um desafio de segurança sistémico, apesar da relutância de alguns países, como é o caso da França. Este foi o preço que os Europeus pagaram para manterem as boas relações com os EUA ?

Sem dúvida que o facto do Biden defender o multilateralismo e defender uma relação estreita com a União Europeia, ao contrário de Trump, e de querer que a União Europeia se reforce, tem um custo político. Esse custo político é os europeus aceitarem, aquilo que hoje é essencial na agenda Biden, esta ideia de uma aliança das democracias contra a China. 

O secretário-geral da Nato, Jens Stoltenberg, assegurou que não haverá Guerra Fria com a China. Pequim já reagiu e acusou a NATO de mostrar uma "mentalidade de Guerra Fria" e de tentar "criar confrontos artificialmente". Esta reacção de Pequim faz sentido? Os argumentos são válidos?

A reacção de Pequim era expectável. A China definiu uma estratégia de crescimento pacífico, destronar uma superpotência mundial pela via pacífica, ou seja, pela via económica. Se compararmos a China à Rússia vemos diferenças muito significativas. Pensemos, por exemplo, do ponto de vista militar, a China nunca interveio militarmente em outros Estados. Vimos a Rússia intervir de forma destrutiva na guerra da Síria, intervir na Ucrânia, anexar a Crimeia e apoiar a Biélorussia. 

A política de segurança da China tem sido uma política que não é agressiva, mas de crescimento, de afirmação como superpotência económica e com ambição de ultrapassar os Estados Unidos. É isso que é difícil: como gerir a ordem internacional e os interesses das democracias num mundo pós-ocidental? Num mundo em que os ocidentais já não têm a hegemonia, esse é o grande dilema e não se resolve num confronto com a China. Mas é preciso enfrentar a China sempre que ela viola os direitos humanos, persegue as minorias ou que tem práticas internacionais que são contrárias aos interesses da ordem internacional. Estou a pensar, por exemplo, como é que a China tratou a questão da Covid-19, escondendo informação, tudo isso deve ser contrariado e deve ser combatido.

A Rússia continua a ser a principal preocupação da NATO. Ainda assim os responsáveis dizem estar abertos ao diálogo. O que é que isto significa? 

Significa que de facto o diálogo é algo absolutamente essencial para a paz internacional. Se pensarmos no tempo da Guerra Fria, que havia uma ameaça real da União Soviética, nunca se cortou o diálogo, negociações sobre armamento, sobre desarmamento nuclear, isso era essencial para manter a paz e para que não houvesse erros graves- de uma das duas partes- e que levasse a um confronto mundial.

Hoje, a Rússia já não é a superpotência que era a União Soviética, a Rússia é um Estado autoritário que utiliza o poder militar de uma forma completamente contrária aos interesses da paz internacional. Porém, manter o diálogo com a Rússia, como com todos os Estados, é absolutamente essencial. É por isso que existe a diplomacia. A diplomacia existe para fazer a paz com aqueles que são nossos adversários, não para fazer a paz com os nossos amigos. 

O Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, encontra-se amanhã, quarta-feira, 16 de Junho, em Genebra com o homólogo russo Vladimir Putin. O que é que se pode esperar deste encontro?

Pode-se esperar que Biden torne claro a Putin quais são os limites que ele não pode ultrapassar. Penso que estará muito presente, nas preocupações de Biden, a capacidade que a Rússia tem tido para interferir, usando os meios da sociedade de informação - as redes sociais- a espionagem pela internet- na vida política e económica dos Estados Unidos. Aquilo a que hoje chamamos cibersegurança, isso é que vai ser a questão central. Com o apoio que a Rússia deu à eleição de Donald Trump e toda a desinformação sistemática que a Rússia continua a fazer, apoiando a extrema-direita americana e europeia. 

Aqui também existe uma diferença importante com a China. Nós conhecemos o que se passa na Europa: um exemplo para a Le Pen, para o Salvini ou para a extrema-direita portuguesa é a Rússia e não a China. São os sistemas de informação russo, é o apoio financeiro russo, é o modelo autoritário de Putin que é um exemplo para a extrema-direita internacional, nomeadamente europeia e americana.  

Os ocidentais receiam que a Rússia e a China cooperem cada vez mais aos níveis politicos e militares 

Evidentemente. Mas ao definirmos os dois como inimigos ou como adversários sistémicos, estamos a lançá-los nos braços um do outro. O nosso objectivo deveria ser separá-los. Aqueles que consideram que a China é o potencial inimigo sistémico do ocidente devia atrair a Rússia para o campo ocidental para dificultar a aliança com a China. Não me parece que isso seja fácil, dadas as características do regime autoritário de Putin e o seu activismo militar e político no ocidente, maior do que o da China. 

Ao mesmo tempo, se os ocidentais forem capazes de procurar soluções para os problemas multilaterais e tentarem atrair a China e a Rússia para essas soluções, vamos ver que, por vezes, vai ser mais fácil atrair a China e por outras atrair a Rússia. Portanto, acho que não temos interesse em definir os dois como adversários, pois significa lançá-los nos braços um do outro.

Os aliados comprometeram-se a financiar o Aeroporto Internacional de Cabul, no Afeganistão, e a Turquia ofereceu-se para manter um contingente para garantir a segurança. Esta é a melhor solução ?

O Afeganistão é uma história triste que não se vai resolver com essas soluções. Se 20 anos de presença americana, de milhares de milhões de dólares investidos no Afeganistão, de presença militar significativa da NATO, não resolveram o problema do país. Agora, quando as tropas acabarem por sair, vamos ver uma fuga daqueles que trabalharam com os diplomatas ocidentais, que ajudaram o esforço de guerra ocidental.

Vamos ver os talibãs a ganharem, de novo, muita força e se calhar ganharem o poder. Portanto, não é protegendo o aeroporto de Cabul, que é importante, que se revolve o problema do Afeganistão que não se resolveu. Aí volta a questão da necessidade da cooperação com as potências regionais, Paquistão, China, Índia, que se vão confrontar com a questão do Afeganistão, quando o ocidente o abandonar completamente, como o está fazer. Não será um contingente militar turco, protegendo o aeroporto que vai resolver o problema do Afeganistão.

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