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Irão

Um mês de contestação no Irão sem perspectiva da acalmia no imediato

Faz hoje um mês que começou o movimento de contestação no Irão na sequência da morte em detenção de uma jovem curda de 22 anos, Mahsa Amini, presa por "não usar correctamente o véu islâmico". Durante estas últimas semanas, o movimento ganhou alastrou para vários pontos do país, apesar de uma severa repressão que resultou em pelo menos 108 mortos e mais de 5 mil detenções, segundo ONGs de defesa dos Direitos Humanos.

Manifestante de uma marcha em solidariedade para com o Irão no passado dia 9 de Outubro de 2022 em Paris.
Manifestante de uma marcha em solidariedade para com o Irão no passado dia 9 de Outubro de 2022 em Paris. © AFP/Julien De Rosa
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No espaço de um mês, este movimento ultrapassou as fronteiras do Irão, com manifestações de solidariedade pelo mundo fora. Entre as reacções suscitadas por este movimento de revolta, destaca-se designadamente o posicionamento do Presidente americano que no início deste mês garantiu que o seu país "continuaria a pedir contas às autoridades iranianas e apoiar o direito dos iranianos de se manifestarem livremente". No mesmo sentido, ainda ontem, o chefe de Estado francês também deu conta da sua "admiração" pelas mulheres e pelos jovens que manifestam no Irão.

Para além destas declarações, vários países ocidentais adoptaram sanções contra os responsáveis iranianos directamente envolvidos na repressão das marchas. Ainda hoje, o Canadá adoptou novas medidas contra uma dezena de altos representantes iranianos por "violações sistemáticas dos direitos individuais".

Apesar disso, nada indica que as posições de uns e outros nesta crise possam conhecer uma inflexão. Dejanirah Couto, professora de História e especialista do Médio Oriente ligada à Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, antevê inclusivamente uma deterioração da situação no país.

"Há ainda que esperar que a contestação se estenda, por uma razão muito simples: há províncias que ainda não entraram numa contestação muito profunda, sobretudo as províncias limítrofes do Afeganistão. Depois, há outras como é o caso do Curdistão em que a repressão tem sido muito violenta e em que ainda se pode esperar um agravamento da situação. Portanto, creio que em termos de contestação, ainda se pode esperar um certo agravamento nas semanas que vão vir. Este agravamento de certeza que vai suceder porque a contestação, ainda que mais ou menos desorganizada no início, começa obviamente a organizar-se e os jovens já compreenderam que os primeiros sintomas de um mal-estar e de alguma divergência de opiniões começam a aparecer a nível das elites governamentais. Por enquanto ainda é um fenómeno relativamente pequeno mas é possível que o movimento aproveite este eco destas primeiras divergências no seio das elites do governo para acentuar a pressão sobre o próprio governo. Agora a incógnita é de saber de que modo é que os Guardas da Revolução vão reagir a esta situação extremamente instável", considera a estudiosa.

Quanto à eventualidade de um envolvimento externo, nomeadamente americano, na actual desestabilização do regime iraniano, uma acusação proferida hoje pelo Presidente iraniano, isto não tem qualquer fundamento do ponto de vista de Dejanirah Couto. "Não é uma acusação plausível de modo nenhum. O que se passa é que o regime, desde 1979, aponta o dedo sobre o Estados unidos como uma espécie de monstro prestes a atacar o Irão a todo o momento e em qualquer circunstância. Esse tipo de mensagem de uma implicação dos Estados unidos é sobretudo para consumo interno porque o regime sabe ele próprio que há uma contestação e que essa contestação existe há pelo menos 20 anos e tem havido vagas de contestação sempre mais ou menos regularmente", recorda a universitária.

Questionada sobre o impacto que esta nova vaga de contestação pode ter a nível geopolítico, no preciso momento em que o Irão tem estado nos últimos meses a tentar encontrar um consenso com os seus parceiros internacionais para "ressuscitar" o acordo sobre o nuclear assinado em 2015 e abandonado pelos Estados Unidos durante a era Trump, a especialista do Médio Oriente considera que existe o risco de este acordo ser "uma vítima colateral do processo", mas julga que alguns factores podem ainda contribuir para as negociações não serem definitivamente enterradas. "Por um lado, sem dúvida que as negociações do nuclear correm o risco de serem as vítimas colaterais de todo este processo mas há que não esquecer que os países do Golfo estão empenhados em normalizar as relações com o Irão, seja lá como for, uma vez que alguns deles já normalizaram as relações com Israel. Portanto, aqui há para o Irão sempre uma promessa de utilizar esses canais dos Emirados para conseguir alguns reajustamentos ou, em todo o caso, que o acordo sobre o nuclear não venha a cabotar completamente. Essas forças políticas regionais poderiam eventualmente desempenhar algum papel interessante para permitir que as negociações sobre o nuclear não fiquem totalmente comprometidas", refere Dejanirah Couto.

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