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Futebol

Elinton Andrade: «Não é absurdo pensar que o Marselha pode reverter a situação frente ao Benfica»

As competições europeias de futebol masculino entram na fase decisiva. Nesta quinta-feira decorrem os jogos da segunda mão da Liga Europa e da Liga Europa Conferência.

Elinton Andrade, antigo jogador do Marselha.
Elinton Andrade, antigo jogador do Marselha. © AFP - ANNE-CHRISTINE POUJOULAT
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Na Liga Europa, a única equipa francesa, o Marselha, vai defrontar o último representante português na prova e nas competições europeias, o Benfica.

Na primeira mão os lisboetas derrotaram os marselheses por 2-1. De recordar que, em duas eliminatórias, já disputadas entre as duas equipas, em 1990 e em 2010, os encarnados apuraram-se sempre para a fase seguinte.

A RFI entrevistou o antigo guarda-redes do Marselha, Elinton Andrade, de 45 anos, que foi formado no América de Três Rios, no Brasil, passando igualmente pelo Centro de Futebol Zico, pelo Vasco, pelo Duque de Caxias entre outros clubes canarinhos, e tendo também representado o Ermis Aradippou no Chipre, o FC Goa na Índia, o Rapid Bucareste na Roménia e o Marselha em França.

Elinton Andrade, antigo guarda-redes do Marselha.
Elinton Andrade, antigo guarda-redes do Marselha. © AFP - GERARD JULIEN

O antigo atleta brasileiro, agora com 45 anos, recordou os bons momentos passados com a camisola do Marselha, tendo sido campeão em 2010 na Liga Francesa, o último título conquistado pelos marselheses.

Mas antes disso, Elinton Andrade abordou essa eliminatória, fazendo um paralelo com os jogos que viveu frente ao Benfica, e admitindo que o Marselha pode sempre ultrapassar esta fase da prova.

RFI: É possível o Marselha dar a volta ao resultado?

Elinton Andrade: Na verdade para o Marselha é sempre possível pela grandiosidade da instituição. Porém, lembrando bem desse jogo Benfica e Marselha, quando eu estive presente pela Europa League (ndr: em 2010), eu lembro de algo que me chamou a atenção. Não acredito que todos sejam dessa maneira. O valor da competição parece que valorizam, não digo o Marselha, eu digo no geral, pela Europa, tem um pouco isso de valorizar o campeonato nacional e a Champions League. A Europa League, que eu acho que não foi o caso do Marselha, quando você vem do grupo da Liga dos Campeões, você sai do grupo, fica em terceiro, e vai para a Europa League já naquele mata-mata. Eu percebi na época que estava que parecia que aquilo era pesado, o pessoal meio que “caramba, mais uma competição”, e só vai ser valorizada quando você está já nas meias-finais ou nas finais. Então eu lembro que quando perdemos para o Benfica, está bom, vida que segue e se concentraram cada vez mais no campeonato nacional, até porque era o objectivo ser campeão naquele ano. Mas dentro da sua pergunta, tanto Marselha quanto Benfica são duas potências. Não diria a nível de Champions League, de ser campeão. Não acredito nisso. A gente tem ali um número de quatro, cinco equipas na Champions League, que são sempre as equipas com uma potência enorme de ser campeão. Mas se tratando de Europa League, são duas potências sim, e certamente para o Marselha não é nenhum placar absurdo poder reverter essa situação aí que está de 2 a 1.

RFI: Os tempos mudaram muito aqui em França, no sentido em que esteve presente no último título do Marselha, desde então, é sobretudo Paris Saint-Germain e outros clubes, mas principalmente o Paris Saint-Germain. Qual é a sua visão agora, quando olha para o campeonato francês, de ver o Marselha, que, pronto, tenta lutar muitas vezes pelo segundo lugar e nem sempre pelo primeiro?

Elinton Andrade: Acredito que tem aí um desequilíbrio financeiro. Uma vez o Mónaco chegou a ser campeão francês. Nesse período, de 2012 até agora 2024, não teve uma sequência do Paris Saint-Germain. Teve algum momento aí que o Mónaco foi campeão e até parecia que seria alguma equipa que faria frente ali no campeonato. Não foi o caso. E o Paris Saint-Germain segue aí, nessa sequência de campeão absoluto. A luta aí no Campeonato francês é do segundo para baixo, porque o Paris Saint-Germain, por esse desequilíbrio, na minha opinião financeira, acaba tendo essa soberania. Não é a mesma coisa na Champions League. Eu acho que é uma questão de equilíbrio financeiro para que o Campeonato francês tenha o Paris, o Marselha, o Lyon, o Lille, o Bordéus, o Mónaco, seis possíveis campeões. E hoje não é assim.

RFI: Mas quando esteve no Marselha sentiu como é o público marselhês. Mesmo sem meios, os adeptos do Marselha querem vencer o campeonato?

Elinton Andrade: Com certeza. Eu nunca vi nenhum adepto tão fanático quanto o Marselha. Impressionante! Que bom que eu peguei momentos óptimos que não teve nenhum tipo de problema. Assim que cheguei em Marselha sempre houve a pressão que fariam os adeptos para os jogadores. Eu era um dos poucos jogadores que morava mesmo em Marselha, porque a maioria vivia em Aix-en-Provence, e arrisquei. Eu não sei se a palavra correcta é essa de arriscar. Eu acreditei muito naquele momento que a gente poderia fazer uma história linda. E foram três anos de história sensacional, de títulos e proximidade com os adeptos. Eu acho que por mais que eu não jogasse tanto porque era o Steve Mandanda que jogava, mas eu sei o carinho que eles tinham comigo. Eu tenho uma bandeira em casa, uma bandeirola até hoje em casa enorme, que os adeptos fizeram para mim. Eu lembro de uma situação também no meu terceiro ano no Marselha, que eu chamei todos os chefes das claques para que eu pudesse conversar e pedir o apoio deles, que foi uma terceira temporada, que a gente foi campeão da Taça da Liga. Porém, a gente não estava bem no campeonato e eles não estavam nos apoiando, estavam vendo o jogo de costas, estavam com as faixas de cabeça para baixo e eu questionei aquilo no bom sentido. Eu falei, mas isso aí ajuda em quê? A gente precisa tanto de vocês. A gente ganhou tantas coisas e agora vocês vão-nos abandonar. E eu lembro muito bem do Presidente na época, o Labrune, falando sobre isso, falou que nunca iria esquecer o meu acto. Inclusive a gente até falou de renovação para os próximos anos naquela época e os adeptos querendo que eu tivesse no clube sempre. Tanto que eu sou chamado até hoje de talismã dentro de tudo que eu passei lá. E é resumindo o que você perguntou, vão querer sempre ganhar. Não importa se o investimento do Paris é muito grande, não importa. E está certo, tem que querer sempre ganhar mesmo. E os jogadores que vão estar presente em campo, pelo menos mostrar que estão fazendo a sua parte, que é buscar a vitória, é buscar o título, porque o Marselha, ele está ali para ganhar, para ganhar título. Não está ali só para participar.

RFI: As épocas que passou no Marselha foram as melhores épocas no futebol a onze?

Elinton Andrade: Com certeza. Tive muitos momentos maravilhosos, várias histórias lindas na minha vida. Mas se fosse resumir, é o ápice da minha carreira. É o momento de jogar a Champions League, de ser campeão francês, ser campeão da Taça da Liga. Os jogadores que estavam comigo na época também, jogadores que eu jogava videogame e via eles no PlayStation e depois estavam comigo, meus companheiros como Lucho González, Morientes, Gabriel Heinze e o próprio Steve Mandanda, o Didier Deschamps, meu treinador. Então isso para mim foi tudo fruto do que eu plantei em 1994, quando eu comecei a jogar futebol, mesmo em clubes, como eu falei, histórias maravilhosas em outros lugares, tudo com aprendizado. Passei pelo time do Zico, foi meu treinador, meu presidente, meu amigo pessoal. Romário, uma grande estrela do futebol mundial, que me levou para o Vasco, me levou para o Fluminense. É um amigo até hoje. Então sou muito privilegiado com jogadores que passam pela minha vida. E consegui. Depois do Rapid Bucareste, na Roménia, que também sou muito grato, tive a chance de jogar a Europa League pela primeira vez, ter essa experiência internacional e depois ser comprado pelo Olympique de Marselha, certamente o ápice da minha carreira.

RFI: Como é que surgiu a paixão do futebol na sua vida?

Elinton Andrade: Na barriga da minha mãe. Certamente porque eu só jogava futebol, só futebol, futebol, futebol, futebol. Fiz os estudos no colegial porque é uma coisa que a gente tem que completar. É inevitável. Isso é uma coisa que eu passo para os meus filhos e para qualquer atleta que está perto de mim. Por mais que não goste, tem que fazer. Tem que fazer porque a gente não sabe o dia de amanhã. Ninguém tem uma bola de cristal para saber se vai ser jogador de futebol ou não. É lindo ser jogador, é lindo fazer desporto, mas temos que estudar. E eu lembro que na escola eu só praticava desporto, então eu era da selecção de voleibol, era da selecção de andebol, era da selecção de basquete, era da seleção de futebol, tudo eu participava nas selecções. Até que apareceu o convite para uma equipa de formação que o América do Rio de Janeiro, onde comecei a estar vivenciando o que eu estava buscando como sonho, que era ser jogador de futebol. Então sempre joguei bola com a minha mãe desde pequenininho, um pouco como jogador. Depois que eu acabei indo para a baliza. Acho que com sete anos de idade eu fui para a baliza, mas até então era aquela coisa de chutar a bola, mas está no sangue, está no sangue. Meu filho hoje, também, de 14 anos é guarda-redes. O meu filho pequenininho, de três anos, só joga bola, 24 horas jogando bola. Acho que a paixão está no nosso sangue.

RFI: Como é que foi a escolha de ser guarda-redes?

Elinton Andrade: Então, como eu falei, jogando com a mãe, a mãe chuta, você defende, mas não diria que foi aí que veio essa paixão. Também poderia falar, talvez já tivesse algo escrito por Deus para que eu fosse guarda-redes. Mas se for contar uma história mesmo, eu na escola do colégio, no caso, eu sempre fui guarda-redes, mas na escola de futebol eu era jogador. Mas um dia faltou o guarda-redes e eu fui para a baliza, fui para a baliza e sofri um monte de golos. No dia seguinte cheguei com todo equipamento de guarda-redes e pronto, eu tinha nove anos de idade e aí fiquei sempre na escola, sendo considerado o melhor guarda-redes da escola. Dei uma pausa no futebol devido aquela fase de adolescente bem complicada que eu tive, de fazer tudo de errado que fosse possível, mas está no sangue. E aí uma vez, em 1994, o mesmo professor dessa escola de futebol que eu mencionei que faltou o guarda-redes, e eu entrei. Ele estava no América do Rio de Janeiro como director desportivo e ele me convidou. E aí, como eu já falei, começou realmente a minha vida dentro dos clubes, e buscando o sonho de ser jogador de futebol.

RFI: De toda a sua carreira, de todos os clubes pelos quais passou, hoje, olhando para trás, mudaria alguma coisa?  

Elinton Andrade: Nada, absolutamente nada. Zero. Aprendi muito desde os 16, 17 anos, sobre alta performance, sobre o meu corpo é o meu instrumento de trabalho. Sempre tive uma boa educação dos meus pais, sempre tive uma boa cabeça. Hoje eu faço muita preparação mental com os atletas, mas eu sempre tive isso desde os meus 16, 17 anos, então nada me abalava dentro daquilo que eu tinha traçado como meu objectivo. Nada, nada. Poderia acontecer o que fosse, eu não mudaria aquilo que eu estava almejando. E eu sabia que o que eu estava almejando não aconteceria no meu tempo. Muita gente tem essas coisas, começa um projecto e acha que as coisas vão acontecer no tempo dela e não. Tem que acreditar no processo, curto, médio e longo prazo. Se vier em curto prazo, agradeça. Mas trabalhe por longo prazo para você não desistir. E era meu jeito de ser. Sempre fui assim até os 45 anos que eu fiz agora. E posso dizer, jogaria até aos 60 anos, fácil, com o jeito que eu estou até hoje. A genética me ajudou. Nunca tive problema com lesão, então são 30 anos de alta performance, muito tempo. Então o corpo agradece. Só que eu tenho que fazer outras coisas. Por isso que eu optei esse ano em encerrar a carreira.

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Elinton Andrade sobre o Marselha 15-04-2024

Elinton Andrade, internacional português de futebol de praia.
Elinton Andrade, internacional português de futebol de praia. © AFP - SERGEI GAPON

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