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França

Greve no 'Journal Du Dimanche' com nomeação de chefe ligado à extrema-direita

Desde o final da semana passada, a esmagadora maioria da redacção do semanário francês 'Journal du Dimanche', está em greve até pelo menos esta quarta-feira em protesto contra a nomeação para a sua direcção de Geoffroy Lejeune, jornalista ligado à extrema-direita. Este movimento de paralisação tem recolhido o apoio da profissão, mas também de alguns responsáveis políticos. 

A greve dos jornalistas do 'JDD' desencadeada desde o final da semana passada, é reconduzida até esta quarta-feira 28 de Junho de 2023.
A greve dos jornalistas do 'JDD' desencadeada desde o final da semana passada, é reconduzida até esta quarta-feira 28 de Junho de 2023. THOMAS OLIVA / AFP
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Na passada sexta-feira, a direcção do semanário anunciou a chegada Geoffroy Lejeune aos comandos da publicação. A nomeação deste jornalista que é o antigo chefe da redacção da revista de extrema-direita 'Valeurs Actuelles" e também próximo do líder -também de extrema-direita- Eric Zemmour, desencadeou um movimento praticamente unânime de rejeição por parte da redacção do 'JDD' que teme pela sua independência.

Este bloqueio resultou, para já, na ausência do 'JDD' das bancas neste fim-de-semana e traduziu-se igualmente pela ausência de novas publicações na página internet do jornal que passou recentemente a ser controlado por Vincent Bolloré, um industrial ultraconservador que fez o essencial da sua fortuna no sector das infra-estruturas, com uma forte presença nos portos e caminhos-de-ferro designadamente em África.

Do ponto de vista de José Manuel Nobre correia, professor emérito na área de informação e comunicação social da Universidade Livre de Bruxelas, este episódio ilustra a crescente presença da extrema-direita na comunicação social em França. "O que está a acontecer actualmente em França é um fenómeno de um avanço importante da direita e sobretudo da extrema-direita no sector dos medias. É verdade no que diz respeito à imprensa, vê-se agora o caso do 'Journal Du Dimanche', é verdade no caso da rádio com a Europe 1 que se situa cada vez mais à direita também, e por outro lado também com a Cnews que é o canal de televisão de informação permanente controlado por Vincent Bolloré" observa o estudioso ao referir-se ao painel extenso de órgãos de comunicação aos quais o industrial deitou progressivamente a mão nestes últimos anos, operando invariavelmente uma viragem à direita das suas respectivas redacções.

Este fenómeno não é contudo um exclusivo da França, José Manuel Nobre Correia observando que a extrema-direita tem vindo a ter uma presença mais activa nos meios de comunicação social de outros países europeus. "O fenómeno que se passa actualmente em França é um fenómeno a que se está a assistir no resto da Europa. No resto da Europa, onde havia um cordão sanitário que mantinha a extrema-direita fora dos medias e só era citada quando tinha mesmo que ser citada em termos de informação importante da actualidade, hoje a extrema-direita está a avançar de uma maneira extremamente importante: é o caso na Itália, com inclusivamente o que se está a passar na RAI, onde sectores importantes da radiotelevisão pública passam para o controlo da extrema-direita, mas também se vê que a extrema-direita está cada vez mais presente na informação por exemplo da Bélgica, da França, da Espanha e de Portugal", constata o universitário.

Perante esta tendência crescente, o especialista dos medias considera que o poder político tem que ser proactivo e que é necessária a adopção de uma legislação mais adaptada."Os medias não são hoje o que eram no fim da segunda guerra mundial. Para já porque a rádio e a televisão dos anos 70 tomou muito mais importância. Houve uma proliferação dos emissores de rádio e de televisão. Agora a partir do fim do século XX e início do século XXI, com a internet, há uma proliferação dos meios de informação. Portanto, a legislação que é uma legislação que data globalmente do pós-guerra, é uma legislação que está inadequada e há, de facto, uma protecção dos medias e sobretudo uma protecção do exercício da profissão de informação, da independência do sector da informação, que tem que ser absolutamente estudada, analisada e defendida pelo poder político na Europa democrática", conclui José Manuel Nobre Correia.

Refira-se que o bloqueio dos jornalistas do 'JDD' tem estado a ser amplamente mediatizado em França e tem recolhido o apoio de várias vozes, a começar por oito antigos directores do semanário que hoje, numa carta aberta, consideraram que a chegada de Geoffroy Lejeune à direcção do 'JDD' "não é apenas uma provocação e a demonstração de que a extrema-direita se instala agora tranquilamente nos meios de comunicação", mas é também a negação da identidade do jornal perante toda a redacção e os leitores.

Também alarmada, a Repórteres sem fronteiras (RSF) que organiza amanhã em Paris uma concentração em solidariedade com os jornalistas do 'JDD', considerou que esta nomeação "faz temer a transformação de um jornal histórico generalista de qualidade em simples órgão de opinião onde os factos e o rigor jornalístico não terão mais importância".

Noutros quadrantes, para além da ministra da cultura, Rima Abdul Malak, que neste fim-de-semana deu conta da sua preocupação pelo respeito dos "valores republicanos", ou ainda a líder do sindicato CGT, algumas vozes à esquerda do xadrez político expressaram a sua preocupação, nomeadamente o antigo Presidente Francês, François Hollande, para quem o 'JDD' "não tem futuro" se o jornalista de extrema-direita Geoffroy Lejeune chegar a efectivamente assumir a liderança desta publicação.

Fundado em 1948, este jornal de informação generalista é o único em França que vai efectivamente para as bancas no domingo, tendo tido uma difusão de cerca de 136 mil exemplares por cada edição no ano passado.

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