Acesso ao principal conteúdo
#França

Terceira jornada de protestos em França: "A luta é para continuar"

Terceira jornada de protestos em França contra a reforma do sistema de pensões. As manifestações acontecem um dia depois de o controverso projecto de reforma ter chegado à Assembleia Nacional. "A luta é para continuar", avisam os manifestantes.

Paris, 7 de Fevereiro de 2023.
Paris, 7 de Fevereiro de 2023. © Carina Branco/RFI
Publicidade
06:23

Reportagem completa manifestação em Paris, 7/2/2023

Paris, 7 de Fevereiro de 2023.
Paris, 7 de Fevereiro de 2023. © Carina Branco/RFI

Terceiro dia de contestação social nas ruas contra a reforma do sistema de pensões em França. Depois das greves e protestos de 19 e 31 de Janeiro, esta terça-feira várias cidades são palco de novas manifestações convocadas por oito sindicatos de trabalhadores e cinco organizações juvenis. E no próximo sábado há mais.

De acordo com as sondagens, 70% da população opõe-se a esta reforma. E a indignação sente-se hoje nas ruas de Paris, onde a manifestação começa, às 14 horas locais na Praça da Opera e deverá terminar na Bastilha.

Ângelo Ferreira de Sousa, artista plástico de 47 anos, já nem faz os cálculos de quando poderá ir para a reforma porque a perspectiva lhe aparece como “deprimente”. Hoje é mais um dia para manifestar contra o que vê como o saque das classes trabalhadoras e diz que "a luta é para continuar" porque duvida que o governo desista da reforma.

Acho que é importante manifestar neste momento. Nós sabemos que o mundo nunca foi tão rico, a produção de riqueza nunca pára e, no entanto, as reformas dos vários governos - não só do francês mas por todo o mundo - vai no sentido de ir buscar dinheiro às classes trabalhadoras e à classe média e não onde o dinheiro realmente se encontra. Nós sabemos que nestes últimos anos os multimilionários não pararam de enriquecer, nunca se produziu tanta riqueza e, no entanto, vai-se sempre buscar dinheiro às classes populares e às classes trabalhadoras”, considera.

Questionado sobre se a mobilização popular poderá fazer recuar a reforma do sistema de pensões, Ângelo Ferreira de Sousa responde que “ninguém poderá dizer”, mas acredita que “este governo não é particularmente forte”. Porém, “ficaria surpreendido que Emmanuel Macron desistisse tão rapidamente”, pelo que defende que “a luta vai ter de continuar durante bastante tempo”.

Espero que a luta continue e que as pessoas se mobilizem porque é realmente uma luta importante, sobretudo para parar o recuo dos direitos das classes médias e das classes trabalhadoras. É preciso inverter este ritmo e mostrar que outras possibilidades existem de ir buscar o dinheiro a outros lugares”, afirma.

E se a reforma avançar mesmo, apesar da contestação social? Haverá o perigo da subida da extrema-direita, tendo em conta que nas últimas presidenciais o partido de Marine Le Pen chegou à segunda volta? “Eu espero que as pessoas não caiam na armadilha da extrema-direita e que concentrem a sua raiva em opções que são realmente válidas e que não optem por soluções fáceis da extrema-direita, que não caiam na tentação fascista. Que concentrem essa raiva no progresso da Humanidade e não no seu exacto contrário”, sublinha.

01:28

Ângelo Ferreira de Sousa, 07/02/2023

Também Herculano Oliveira, de 72 anos e na reforma há dez anos, decidiu manifestar-se porque diz fazer “parte dos 73% das pessoas que estão contra esta reforma” e porque é preciso lutar para que “os direitos sociais que foram conquistados não sejam desmantelados”.

 “É por solidariedade mas também porque esta medida é injusta, sobretudo para as mulheres e sobretudo para aquelas que nasceram a partir dos anos 60. Acho que mais uma vez, este governo – como todos os outros governos há mais de 30 anos – tentam desmantelar todas as conquistas sociais que os nossos antepassados nos anos 40 e 50 conseguiram obter pela luta”, explica.

Para Herculano Oliveira, a única forma de o governo ouvir os trabalhadores é “uma revolução” que começa nas ruas com as manifestações. “Só não ganha aquele que não vai à luta”, conclui.

01:50

Herculano Oliveira, 7/2/2023

Entre os milhares de pessoas no cortejo, também a editora Anne Lima fez questão de estar presente e sublinha que a manifestação junta “todas as gerações” unidas num combate comum perante um governo que não está “a ouvir a sociedade”. “Não podemos estar sempre à espera que sejam os outros a assumir e a batalhar por nós todos, portanto, temos de participar, nem que seja meia hora ou uma hora, estar cá”, declarou, junto da multidão que desfilava ao lado dos arcos monumentais de Strasbourg Saint-Denis.

01:42

Anne Lima, 7/2/2023

O dia de greve é acompanhado por um tráfego muito perturbado nos caminhos-de-ferro, com apenas um em cada dois comboios de alta velocidade a circularem e apenas três comboios regionais em cada dez. O metropolitano de Paris volta a estar muito afectado também, com as principais linhas em serviços mínimos e, essencialmente, às horas de ponta. No aeroporto de Orly, a greve dos controladores aéreos levou a Direcção Geral de Aviação Civil a recomendar o cancelamento preventivo de um em cada cinco voos.

A jornada de protestos e de greve acontece um dia depois de o projecto de reforma do sistema de pensões ter chegado à Assembleia Nacional e perante muita contestação dos deputados. O arranque foi marcado por protestos ruidosos no hemiciclo e a presidente da Assembleia, Yaël Braun-Pivet, disse aos deputados que não estavam “num anfiteatro, nem numa manifestação”.

Mais de 20 mil propostas de correção ao texto foram apresentadas pelos deputados. Quase 18.000 são da coligação dos partidos de esquerda NUPES: 13.000 da França Insubmissa, 2.300 dos ecologistas, 1.400 dos socialistas e 1.160 dos comunistas. O partido de direita, Os Republicanos, apresentou 1.250 e a força de extrema-direita União Nacional 200. Os partidos de esquerda querem ser os porta-vozes da contestação popular e reclamam o recuo da reforma, opondo-se ao aumento da idade mínima para 64 anos e propondo o restabelecimento do imposto sobre a fortuna e a imposição sobre os dividendos como alternativas para financiar o sistema de pensões.

O projecto de lei de reforma das pensões prevê adiar, até 2030, a idade mínima para a reforma dos 62 para os 64 anos e prolongar o número mínimo de anos de contribuições sociais, para se obter uma pensão completa, dos actuais 42 para 43 anos.

Manifestação parisiense contra a reforma das pensões a 7 de Fevereiro de 2023.
Manifestação parisiense contra a reforma das pensões a 7 de Fevereiro de 2023. © rfi/Carina Branco

Outro ponto polémico é o facto de as mulheres terem de trabalhar mais tempo que os homens para irem para a reforma no intuito de reduzir a diferença entre o montante das pensões recebidas - mais elevada para os homens. De acordo com um estudo apresentado pelo executivo, de um modo geral, as mulheres terão de trabalhar mais oito meses, nomeadamente a geração de 1980. Em causa, ainda que o documento não o justifique, os períodos de licença de maternidade e as diferenças salariais entre homens e mulheres.

Manifestação parisiense contra a reforma das pensões a 7 de Fevereiro de 2023.
Manifestação parisiense contra a reforma das pensões a 7 de Fevereiro de 2023. © rfi/Carina Branco

Outro ponto de controvérsia é que, em alguns casos, os trabalhadores que entraram na vida activa antes dos 21 anos terão de pagar contribuições durante 44 anos para uma reforma completa e não 43 anos como é a regra geral até 2027.

Face à contestação social, a primeira-ministra, Elisabeth Borne, admitiu, no domingo, a possibilidade que as cerca de 30.000 pessoas que começaram a trabalhar entre os 20 e os 21 anos possam ir para a reforma aos 63 e não 64 anos, mas avisou que a medida vai custar “entre 600 milhões e mil milhões de euros por ano”. Uma medida que responde a uma das principais reivindicações do partido de direita Os Republicanos e que é essencial para contar com o apoio deste grupo parlamentar para uma aritmética favorável à aprovação da reforma, tendo em conta que o partido do Presidente Emmanuel Macron apenas tem uma maioria relativa na Assembleia.

Manifestação parisiense contra a reforma das pensões a 7 de Fevereiro de 2023.
Manifestação parisiense contra a reforma das pensões a 7 de Fevereiro de 2023. © rfi/Carina Branco

As medidas para incentivar o emprego sénior também deixam a desejar, com sanções para as empresas com mais de 300 pessoas que não publicarem um índice com o número de trabalhadores seniores empregados. Entretanto, a primeira-ministra disse que seria possível “ir mais longe” e que é favorável a aplicar essa medida para as empresas com 50 pessoas.

Além do emprego sénior, o ministro do Trabalho, Olivier Dussopt, disse, esta segunda-feira, na Assembleia, que o governo está disposto também a fazer concessões no que toca às pensões das mulheres. De notar que o ministro parte para a batalha legislativa e social manchado por um inquérito da Procuradoria Financeira francesa que investiga suspeitas de favoritismo na atribuição de uma empreitada pública em 2017, quando ele era autarca na cidade de Annonay. Por outro lado, em 2010, quando era socialista, Olivier Dussopt qualificou de "injusta" a reforma Woerth qui aumentava a idade mínima da reforma para os 62 anos. Hoje, defende a passagem para os 64.

Manifestação parisiense contra a reforma das pensões a 7 de Fevereiro de 2023.
Manifestação parisiense contra a reforma das pensões a 7 de Fevereiro de 2023. © rfi/Carina Branco

 

Paris, 7 de Fevereiro de 2023.
Paris, 7 de Fevereiro de 2023. © Carina Branco/RFI

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe toda a actualidade internacional fazendo download da aplicação RFI

Partilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual pretende aceder não existe ou já não está disponível.