Acesso ao principal conteúdo
#Angola

Crise de segurança na RDC no centro da Cimeira Extraordinária da SADC

Luanda acolhe, este sábado, uma Cimeira Extraordinária da SADC, tendo como tema principal a segurança no leste da República Democrática do Congo. O encontro acontece a cerca de um mês de eleições no país e do início da retirada progressiva da Monusco, assim como da retirada dos militares da Comunidade da África Oriental.

O Presidente de Angola, João Lourenço, à chegada à 43ª cimeira de chefes de Estado e de Governo da SADC. Luanda, Angola, 17 de Agosto de 2023.
O Presidente de Angola, João Lourenço, à chegada à 43ª cimeira de chefes de Estado e de Governo da SADC. Luanda, Angola, 17 de Agosto de 2023. © LUSA - Ampe Rogério
Publicidade

Luanda é palco, este sábado, da Cimeira Extraordinária de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC). O tema principal em debate deverá ser a crise de segurança na República Democrática do Congo (RDC). A reunião foi convocada na sequência de uma outra extraordinária, realizada na terça-feira, de forma virtual, para analisar o clima de insegurança vigente no Leste da RDC, numa altura em que o país prepara a realização de eleições em Dezembro e em que os combates retomaram nas últimas semanas.

É também em Dezembro que está prevista a retirada dos militares da Comunidade da África Oriental (EAC, na sigla em inglês, East African Community) e também o início da desmobilização progressiva da Monusco.

Para analisar os temas em cima da mesa, a RFI falou com Osvaldo Mboco, especialista em Relações Internacionais.

10:00

Entrevista a Osvaldo Mboco, Especialista em Relações Internacionais

RFI: Quais são os principais temas em debate?

Osvaldo Mboco, Especialista em Relações Internacionais: Esta cimeira serve para discutir questões de segurança ao nível do Leste da República Democrática do Congo. Recentemente, a questão da segurança no Leste deteriorou-se ainda mais, com combates entre grupos rebeldes diferentes e as forças governamentais contra o grupo M23. E não só por isto. A RDC provavelmente - eu prefiro usar ‘provavelmente’ - no próximo mês, vai a eleições e é crucial que a RDC vá a eleições com um clima mais estável. Coisa que é difícil neste momento.

À parte isto, a missão de paz das Nações Unidas na RDC sairá e pensa-se que a SADC poderá, até certo ponto, pôr cobro naquilo que pode ser o espaço deixado pela missão das Nações Unidas e, concomitantemente a isto, também ajudar na própria pacificação do ponto de vista de força no terreno face às incursões do M23.

Há também a retirada dos militares da Comunidade da África Oriental (EAC) também prevista para o mês de Dezembro. Ou seja, acha que desta cimeira poderá sair alguma modalidade da mobilização da força da SADC na RDC?

É provável que sim. Vamos aqui dizer que é provável que sim. Eu penso que o grande problema, o grande ‘handicap’ de hoje da SADC para mobilizar um contingente militar ao nível do Leste da República Democrática do Congo prende-se essencialmente pelos custos operacionais e a logística. A SADC não tem capacidade financeira de sustentar uma missão de paz ou um desdobramento de militares durante muito tempo ao nível do Leste da República Democrática do Congo. Penso que o grande ‘handicap’ da SADC hoje é como é que as questões logísticas serão feitas e também os custos operacionais. Daí que a SADC, se quer ter um resultado positivo, terá que depender das ajudas internacionais ou mesmo uma certa ligação com aquilo que pode ser a visão das Nações Unidas sobre a presença das tropas pertencentes da SADC ao nível do leste da República Democrática do Congo.

Quantos militares é que poderão estar envolvidos nessa força e quais os principais países que contribuirão? 

Não houve ainda uma deliberação, mas podemos aqui cogitar que os países membros da SADC, que são 16 nesta altura, terão como obrigação de ceder homens e meios para esse provável desdobramento ao nível do Leste da República Democrática do Congo. O que se tem de definir também será, até certo ponto, aquilo que é o âmbito da actuação desta força: se estamos a olhar para uma força de imposição de paz em que vamos ter tropas no terreno a combaterem também com o M23 e outros grupos rebeldes daquela mesma área, ou se vamos ter uma força que vai acompanhar provavelmente um processo negocial entre o M23 e o governo ou se vamos ter uma força para supervisionar, até certo ponto, o processo eleitoral. Dependerá muito dos resultados que terão saído deste mesmo encontro e poderemos ter uma visão mais clara se, de facto, vai ser desdobrada uma força no terreno e quais são as modalidades e o campo de actuação desta mesma força ao nível do Leste da República Democrática do Congo.

E do que é que depende o sucesso desta Cimeira Extraordinária da SADC?

O sucesso da cimeira extraordinária da SADC convocada para hoje só será possível caso os outros actores perturbadores da região sejam notificados. Ou seja, faria todo o sentido se fossem convidados os países vizinhos da República Democrática do Congo porque esses países vizinhos da República Democrática do Congo, concretamente o Ruanda e o Uganda, até certo ponto, são países de trânsito para o material bélico que entra e que dá sustentabilidade ao M23 e outros grupos rebeldes ao nível do Leste da República Democrática do Congo. Também são países de trânsito para o contrabando de minérios que sai do leste da República Democrática do Congo e vai para outras paragens internacionais.

Então, o envolvimento desses actores seria determinante para o sucesso porque sem a presença do Presidente Paul Kagame e assumir determinados compromissos – pese embora podemos aqui dizer que o Presidente assinou o Roteiro de Paz de Luanda - mas ainda assim é crucial chamar o presidente Paul Kagame que se tem mostrado distante daquilo que são as prováveis soluções que Luanda tenta encontrar.

Se é unânime pensar que o M23 tem a sua rectaguarda nas matas de Ruanda e que há altos funcionários do aparelho do Estado que dão cobertura ao M23, seria crucial chamar o Ruanda, seria crucial convidar também o Uganda, na pessoa do próprio presidente Yoweri Museveni - porque são países que não fazem parte da SADC - e outros intervenientes que se ache necessário para se estreitar uma estratégia do ponto de vista de segurança colectiva que permitiria o patrulhamento conjunto ao longo das fronteiras e uma acção militar muito mais coordenada e que permitiria uma maior articulação.

Para terminar esta visão, eu penso que um dos grandes problemas da República Democrática do Congo, para se mitigar ao máximo esses focos de instabilidade, seria a adopção de um modelo de certificação dos minérios que saem da República Democrática do Congo, como houve o Processo de Kimberley da certificação dos diamantes, poderia ser também um processo igual ou similar.

Nesta cimeira poderá ser abordado o assunto dos deslocados? Como é que a SADC pode resolver esta questão dos quase sete milhões de deslocados?

Grande parte dos países da SADC são signatários, se não todos, da Convenção de Genebra de 1951, do Estatuto dos Refugiados. Logo, à luz do estatuto, os países signatários que são membros da SADC não podem se coibir de aceitarem refugiados. O que a SADC pode fazer, no meu entender, é olhar os países e procurar fazer uma espécie de uma quota que cada país pode receber em termos de refugiados oriundos da República Democrática do Congo e, quiçá, ter um mecanismo junto com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e com um certo apoio dos Estados e da SADC para aquilo que podem ser as despesas inerentes a esses refugiados.

Outro país em situação delicada é Moçambique, onde já existe uma força da SADC por causa do terrorismo no norte do país. Acha que pode estar em discussão nesta reunião, tanto mais que além da questão de Cabo Delgado, neste momento, o que está a marcar a actualidade é a instabilidade pós-eleições autárquicas?

Quando Angola assumiu a presidência da SADC, eu disse que Angola tinha três principais desafios: o dossier da República Democrática do Congo e de Moçambique e nestes dois dossiers era relativamente à paz e estabilidade, diplomacia preventiva. Depois, tinha um outro desafio que tinha muito a ver com a implementação da zona de comércio livre ao nível da SADC. Angola não faz parte da zona de comércio livre ao nível da SADC.

Entretanto, olhando para a estabilidade em Cabo Delgado, terrorismo, Moçambique poderá estar em cima da mesa porque temos uma força que está prolongada ao nível de Cabo Delgado. Pode-se discutir se poderá se prorrogar esse período - pese embora que é um pouco prematuro falar de prorrogação quando recentemente foi prorrogado - mas poderá se discutir os resultados que estão a ser obtidos pela força da SADC que está na região de Cabo Delgado.

Mas a questão que está a ser muito falada, nomeadamente, com manifestações em Moçambique, é a questão da instabilidade pós-eleitoral…

Isso é uma outra discussão. Nós assistimos que os resultados das eleições autárquicas, a FRELIMO mostra-se equidistante daquilo que foi apresentado e está a criar uma onda de instabilidade no próprio país. Eu penso que quer a Frelimo quer a Renamo, que são os dois principais partidos políticos em Moçambique, têm responsabilidades acrescidas naquilo que é a estabilidade para o país. Deve ser o espírito de missão, o espírito de patriotismo que deve conduzir a articulação política dos dois grandes partidos políticos. Temos que ter uma Comissão Nacional Eleitoral que, de facto, faça o seu papel, que não esteja inclinada nem para um lado nem para o outro lado e que as instituições judiciais do país trabalhem de forma fincada. Mas penso que a Renamo deve encontrar os caminhos jurídicos essenciais à luz daquilo que é a própria legislação eleitoral de Moçambique para reivindicar todo aqueles actos que entende que prejudicam, em grande medida, os resultados que obtiveram ao nível das urnas.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe toda a actualidade internacional fazendo download da aplicação RFI

Partilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual pretende aceder não existe ou já não está disponível.