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Saara Ocidental

Espanha aproxima-se da posição de Marrocos sobre o Saara Ocidental

No final da semana passada, a Espanha deu um passo para a normalização das relações com Marrocos a propósito do estatuto do Saara Ocidental, antiga colónia espanhola no sul de Marrocos cuja soberania é reivindicada pelos separatistas da Frente Polisario que reclamam um referendo para a sua autodeterminação conforme previsto num acordo de cessar-fogo datando de 1991, enquanto Marrocos que controla 80% desse território preconiza desde 2007 um plano de autonomia sob a sua tutela.

Vista de uma rua em Dakhla na disputada região do Saara Ocidental (imagem de ilustração).
Vista de uma rua em Dakhla na disputada região do Saara Ocidental (imagem de ilustração). © AP/Mosa'ab Elshamy
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"A Espanha considera que a iniciativa de autonomia apresentada em 2007 (por Marrocos) é a base mais séria, realista e credível para a resolução desse diferendo" declarou na sexta-feira em Barcelona o chefe de diplomacia espanhola, José Manuel Albares, retomando os termos utilizados pelo chefe do governo espanhol quando comunicou esta decisão ao poder marroquino, um posicionamento que não deixou de ser saudado por Rabat que falou em "compromissos construtivos" por parte de Madrid.

Esta decisão surge depois de meses de mal-estar entre os dois países. Um mal-estar que se agudizou em Abril do ano passado, quando a Espanha acolheu no seu território o chefe da Frente Polisario, Brahim Ghali, para um tratamento médico. O ponto culminante dessa crise deu-se em Maio de 2021, com a chegada de mais de 10 mil migrantes sobre os enclaves espanhóis situados no norte de Marrocos.

Sem surpresas, os independentistas da Frente Polisario deram conta da sua decepção relativamente à decisão de Madrid que na sua óptica "contradiz absolutamente a legitimidade internacional". No mesmo sentido, perante aquilo que qualificou de "brusca reviravolta", Argel que apoia os separatistas sarauis chamou de volta o seu embaixador em Madrid, observadores antevendo uma crise que poderia ter tradução em diversas frentes, nomeadamente em termos energéticos, uma vez que a Espanha é um dos destinos das exportações de gás argelino.

Rui Neuman, politólogo e jornalista especializado em assuntos africanos não se mostra surpreendido com a decisão de Madrid. Ao recordar que a Espanha "tentou sempre jogar em duas frentes", o jornalista considera que "aqui não há uma viragem a 180°, é uma viragem a 90° em que a Espanha redefine o seu posicionamento relativamente à Frente Polisario". Entre os elementos decisivos nesta redefinição, Rui Neuman destaca a pressão migratória de Marrocos "quando fechou os olhos à passagem de migrantes para os enclaves espanhóis, que criou uma grave crise diplomática" entre os dois países. Outro elemento que na sua óptica foi importante é "a questão da venda de armamento de Espanha a Marrocos. A Espanha é um dos principais fornecedores de Marrocos" recorda o especialista de assuntos africanos.

Relativamente à Argélia que é, segundo Rui Neuman, "o embaixador da questão do Saara Ocidental", o jornalista refere que o actual contexto mundial e especificamente as consequências da guerra na Ucrânia, também determinam os posicionamentos de Argel. Ao considerar que "a Argélia tem mantido uma posição dúbia relativamente à Rússia ou ao bloco ocidental, estando mais próxima da Rússia do que do bloco ocidental por várias razões", Rui Neuman destaca que "a Rússia sempre teve uma cooperação militar muito estreita com a Argélia", mas também que "a Argélia depende totalmente do trigo russo". Daí que na sua óptica, a Argélia "certamente arrasta a Frente Polisario e a questão do Saara Ocidental para este campo, no qual a Espanha não quer alinhar".

Contudo, do seu ponto de vista, esta redefinição da posição da Espanha não deverá ter um impacto muito forte. "A questão das vitórias diplomáticas, seja de Marrocos, seja da própria Frente Polisario é uma montanha russa: tem pontos altos e pontos baixos. Marrocos já tinha obtido durante a administração de Donald Trump o reconhecimento da sua autoridade, do seu plano de autonomia para o Saara Ocidental, que no terreno não teve verdadeiras repercussões", recorda Rui Neuman.

Relativamente à possibilidade da abertura de uma crise entre a Espanha e Argélia resultante do posicionamento agora assumido por Madrid, o jornalista julga que o "ponto de pressão" poderá acontecer no tocante à exportação de gás argelino para Espanha, Rui Neuman referindo, por outro lado, não acreditar num cenário de ruptura de relações diplomáticas, designadamente "dada a ebulição que já existe em termos de diplomacia devido ao conflito na Ucrânia e todo o impacto que isto está a ter".

Cercado a norte por Marrocos, a leste pela Argélia e a sul pela Mauritânia, o enclave do Saara Ocidental rico em fosfatos e pescado que se estende sobre 266 mil quilómetros quadrados tem sido palco de um conflito que dura há várias décadas. Com início em 1957, o contencioso começou por envolver Madrid e Rabat quando essa zona ainda estava sob controlo espanhol, passando a colocar frente-a-frente Marrocos e os separatistas sarauís a partir de 1975, após a retirada da Espanha daquele território.

Um cessar-fogo foi assinado a 6 de Setembro de 1991, com o compromisso de se organizar um referendo sobre a autodeterminação do território, mas essa promessa não foi cumprida, o Saara Ocidental continuou a ser palco de conflitos esporádicos e, acima de tudo, o seu estatuto permanece indeterminado aos olhos da comunidade internacional.

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