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TotalEnergies pede relatório sobre segurança em Cabo Delgado

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A petrolífera TotalEnergies encarregou Jean Christophe Rufin, escritor e antigo diplomata francês, de avaliar a situação de segurança em Cabo Delgado, no norte de Moçambique. O especialista em direitos humanos deverá produzir, até final do mês, um relatório para decidir se há ou não condições para se retomar a construção da fábrica de gás liquefeito, na bacia do Rovuma.

A petrolífera TotalEnergies encarregou Jean Christophe Rufin de avaliar a situação de segurança em Cabo Delgado, no norte de Moçambique.
A petrolífera TotalEnergies encarregou Jean Christophe Rufin de avaliar a situação de segurança em Cabo Delgado, no norte de Moçambique. AP - Michel Spingler
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Fátima Mimbire, activista social com análises no sector da indústria extractiva, aponta alguns riscos na tomada desta decisão, no entanto admite que se trata de um procedimento normal da petrolífera francesa. 

RFI: O que é que motivou a empresa TotalEnergies a recorrer a um especialista independente para fazer avaliação da segurança em Cabo Delgado?

Fátima Mimbire: É um procedimento correcto da empresa. É recomendável que se faça uma análise desta natureza, enquadrando-se naquilo que se chama "Conflict Impact Assessment". Este procedimento vai verificar em que medida é que o investimento pode afectar o conflito. Ou seja, aumentando a sua escala ou criando situações de insegurança alargada para as comunidades à volta do projecto.

Todavia, creio que também se pretende verificar se, em caso de retorno, por exemplo, outras acções podem ser implementadas para assegurar e garantir as situações de segurança. Não só para o projecto, mas também para as comunidades.

A TotalEnergies não está a desresponsabilizar-se das questões de segurança?

Existe certamente o risco de a TotalEnergies, não tendo mais interesse em investir-por várias razões que a própria Total possa saber- pretenda legitimar a decisão de não retornar a Moçambique. Nesse caso, ao contratar uma consultoria independente, para fazer este diagnóstico, que poderá concluir que não há condições objectivas para o projecto retomar, a Total sai sem remorsos e sem consequências.

A sociedade civil moçambicana não devia integrar o painel que vai avaliar se há ou não condições de segurança para este projecto avançar?

Na verdade, a sociedade civil já começou a movimentar-se nesse sentido. A coligação cívica indústria extractiva, sobre a liderança do Centro Terra Viva, está a organizar uma mesa redonda com a TotalEnergies para discutir estas questões. Uma das grandes demandas da sociedade civil é assegurar a presença neste painel ou que possa vir a ter acesso à informação do relatório para a respectiva discussão e validação. A sociedade civil está a posicionar-se para poder acompanhar de perto este processo.

No entanto, desde 2017, a sociedade civil não tem conseguido garantir a própria segurança para se deslocar ao terreno de conflito e fazer a respectiva monitorização. Isto era o que estávamos a fazer desde 2013/2014 quando iniciou toda a discussão à volta dos reassentamentos em Cabo Delgado.

Nós esperamos ser integrados nesta equipa técnica, que vai fazer a análise da situação no terreno, de forma a emitir o nosso parecer independente sobre a situação.

A senhora afirmou que, ao recorrer a um especialista independente, a petrolífera poderá credibilizar a decisão de “um cinturão de segurança” na área de implementação do projecto. Qual será o impacto desta decisão?

É um risco, embora a TotalEnergies tenha declarado que não tem intenções de retomar e criar esse “cinturão” ou transforma-se numa ilha em Cabo Delgado, enquanto o resto da província está em conflito.

Eu quero acreditar na boa fé da TotalEnergies, embora muitas multinacionais já nos deram muitos exemplos do contrário. Se a situação do “cinturão de segurança” se concretizar só para o projecto, isto significa que nós corremos um risco, muito grande, do país ver cada vez mais diminuídos os benefícios da indústria extractiva.

Neste caso, as condições de fiscalização seriam sempre dentro daquilo que é o programa e o plano das empresas. Ou seja, elas seriam um território, dentro do território moçambicano, que se auto-governa. Isto seria preocupante e muito grave, criando uma situação de vulnerabilidade para as comunidades que vivem nas imediações.

É preciso lembrar que em Moçambique os recursos pertencem ao Estado que é composto pelos cidadãos e pelas instituições. Não se pode pensar na exploração dos recursos, excluindo as comunidades.

Os próprios padrões internacionais, propostos pelas Nações Unidos, sugerem que as condições de segurança não podem ser exclusivas para o projecto. Estas devem incluir as comunidades vizinhas.  

Na minha prespectiva, a TotalEnergies está numa encruzilhada: ou ela se afirma como uma empresa anti-diretitos humanos, ignorando toda a situação à sua volta. Ou vai assegurar que o “cinturão de segurança” se estende por toda a província e eles têm condições para isso.

A TotalEnergies que acaba de apresentar lucros recordes, cerca de 19 mil milhões de euros.

As conclusões deste relatório poderão dar respaldo à empresa para negociar mais benefícios com o Governo moçambicano?

Sem dúvida. É preciso lembrar que este conflito veio enfraquecer a posição de Moçambique. A discussão da instalação da base logística é um assunto que ainda não foi encerrado. É de conhecimento público que a TotalEnergies quer instalar a base logística num território francês, contudo os moçambicanos, eu concordo, consideram que esta base deve ser instalada no nosso país.

Se a Total mantiver a sua postura, numa altura em que Moçambique se encontra numa posição mais frágil, por questões financeiras, obviamente que a Total vai usar esta situação como instrumento de “barganha” no relatório. Isto já aconteceu no passado, na altura estava-se a negociar um regime especial que acabou por ser alcançado através de um projecto lei, em 2014.

Neste momento há condições para se avançar com este projecto?

Na verdade, os projectos da bacia do Rovuma foram sempre apresentados como um grande trunfo do Presidente Filipe Nyusi. O chefe de Estado e o Governo estavam na expectativa de terem estes projectos a funcionar, pelo menos o projecto do “Golfinho Atum”. No entanto, em 2017 o conflito em Cabo Delgado veio adiar estes projectos.

Acredito que o Presidente Nyusi e o governo mantêm as expectativas de que o mandato termine já com as obras deste projectos bastante avançadas, quase numa fase final.

Existe muita pressão para que estes projectos avancem. Eu tenho a certeza absoluta de que o governo estará disponível para dar tudo para manter uma imagem positiva, na altura em que o mandato terminar, sublinhando que houve um conflito no país, mas os projectos não pararam.

Há um perigo do chefe de Estado fechar os olhos à segurança da população?

Existem ainda muitos riscos que não podem ser ignorados. A situação ainda não está totalmente debelada. Eu quero acreditar que as nossas instituições não vão permitir que a Total opere sem garantir a segurança da população vizinha.

Mais vale a pena esperarmos, com serenidade, pelo momento apropriado. Há muito triunfalismo à volta da situação do conflito em Cabo Delgado, mas o dia a dia mostra-nos uma outra realidade.

Existe a vontade de alcançar bons resultados, porém ainda há muitos desafios. Parece-me que ninguém está a querer reflectir para perceber de onde vêm esses desafios. Onde estamos a falhar para não conseguir estancar este conflito de uma vez por todas.

 

 

 

 

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