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Moçambique: “congresso não vai servir para resolver problemas estruturantes” da Frelimo

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De hoje até quarta-feira, a Frelimo, partido no poder em Moçambique, reúne-se para o seu 12.º Congresso. O actual líder, Filipe Nyusi, é o único candidato anunciado à presidência do partido. O encontro vai ainda servir para eleger os novos órgãos sociais: Comité Central, Comissão Política e Comité de Verificação.

Militantes da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) à chegada ao 12.º Congresso da Frelimo, em Maputo, Moçambique, 23 de setembro de 2022.
Militantes da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) à chegada ao 12.º Congresso da Frelimo, em Maputo, Moçambique, 23 de setembro de 2022. © LUSA - LUÍSA NHANTUMBO
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Arrancou esta sexta-feira na Matola, arredores de Maputo, o 12.º Congresso da Frelimo. O encontro contar com a participação de cerca de 1.500 delegados.

No discurso de abertura, o presidente da Frelimo e actual chefe de Estado moçambicano apelou para que os debates se afastem de uma "agenda" de divisão e se foquem em resolver os problemas do país: "Apelamos a todos para conduzirmos os debates dentro da nossa agenda, agenda que nos une e não na agenda que nos pode dividir".

Filipe Nyusi foi eleito pela primeira vez como líder da Frelimo pelo Comité Central do partido em 29 de Março de 2015.

A Frelimo reúne-se até quarta-feira, o actual líder é o único candidato anunciado à presidência. Depois do congresso, passará pelos novos órgãos escolher o candidato às eleições presidenciais de Outubro de 2024.

Em entrevista à RFI, Régio Conrado, investigador do Centro Estudos Africanos da Universidade de Bordéus, sublinhou que em vez de discutir as verdadeiras problemáticas do país ou de “resolver os problemas estruturantes do partido”, este congresso vai servir para as diferentes alas da Frelimo medirem forças e lutarem pela influência e pelos postos dos novos órgãos sociais do partido: 

Este congresso vai ser da tentativa de pacificação das diferentes facções que estão neste momento em conflito dentro do partido pelo controlo dos principais órgãos do partido. O controlo dos principais órgãos do partido significa uma grande capacidade de influência sobre a dinâmica de funcionamento do Estado e, por consequência, da distribuição dos diferentes recursos, que é o que me parece ser mais interessante para essas elites.

O investigador defende que o encontro “deveria ser um lugar de discussão sobre as principais opções de desenvolvimento para Moçambique e discutir, de facto, as fragilidades internas do partido Frelimo e a desconexão que tem com um povo, a corrupção endémica que é estrutural dentro do partido e a degradação da imagem que o partido tem hoje dentro das populações moçambicanas.”

Além disso, “também deveria ser um aspecto profundamente importante, uma reflexão crítica sobre os comportamentos desviantes, sobre a absurdidade dos comportamentos das oligarquias que estão sendo formadas dentro do partido que depois têm implicações desastrosas, na forma como é que os recursos dos Estados são distribuídos e geridos. Tudo isto deveria ser objecto de discussão, mas não vai ser, exactamente porque isto deveria trazer mais conflitos com as diferentes alas, todas elas estão envolvidas em negociatas, em práticas que lesam os diferentes interesses do Estado”.

Régio Conrado acrescenta que este congresso vai “ser fundamentalmente um processo de legitimação das posições previamente tomadas, uma tentativa de reconciliação estratégica. O que significa que é muito provável que as diferentes alas se acordem na ocupação de determinadas posições, para equilibrar aquilo que são os sentimentos e ressentimentos existentes entre estes diferentes grupos, mas também a distribuição de cadeiras, de postos, de posições, de recursos, em função do peso de cada uma das alas.

Questionado sobre um possível terceiro mandato presidencial do Filipe Nyusi e uma eventual revisão constitucional, o investigador do Centro Estudos Africanos da Universidade de Bordéus, refere que “a questão do terceiro mandato é profundamente complexa, por um lado, porque a economia política da distribuição de poder, no contexto de Moçambique, que passou não necessariamente a ser baseada no critério da eficácia, de eficiência, da credibilidade profissional e técnica do indivíduo que deveria chegar ao poder, mas, sobretudo, passou a ser na base da distribuição de poder em função das regiões. 

O segundo ponto que é fundamental é que há uma grande oposição da sociedade civil em relação à possibilidade de um terceiro mandato, exactamente porque isto abriria, de facto, um precedente. 

Mas o que eu posso dizer e de informações seguras, é que determinados sectores dentro do aparelho securitário, do aparelho da defesa, do aparelho até governamental e da administração pública, e determinados grupos dentro do partido, estão profundamente interessados em que o Presidente Nyusi se mantenha como timoneiro do país em 2024, portanto, como candidato. E tem que ver também com a consolidação daquilo que são as suas estruturas de acumulação primitiva do capital.

O quarto fundamento que é profundamente importante para compreender o contexto de Moçambique, é o medo que existe no interior do partido Frelimo, caso o Presidente Nyusi não siga para o terceiro mandato. Isto vai ter implicações estruturais sobre alguns indivíduos que estão metidos em múltiplas práticas corrosivas, práticas corruptivas. Então, se entra uma pessoa diferente significa que estes aspectos podem ser levantados. Depois sabemos também que a questão do terceiro mandato em si, não é o objecto fundamental de discussão, objecto fundamental de discussão é o que é que isto vai significar em termos de controlo dos recursos que vêem aí e como é que isto pode ser depois utilizado como elemento de ajuste contas. Porque não estamos a discutir sobre modelo de desenvolvimento, nem se o Presidente Nyusi vai ser capaz de desenvolver Moçambique, não. O problema é se vai conseguir controlar e manter os interesses destes grupos.

Régio Conrado conclui que neste momento as clivagens dentro da Frelimo são de tal ordem que não existe uma figura que possa ser considerada como capaz de se impor de forma quase total a possível candidato às presidenciais de 2024. As clivagens são tantas, os ódios são tantos, as desconfianças são tantas que nenhum indivíduo pode colocar-se como capaz de fazer confluir os diferentes interesses.

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