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Temporada França Portugal: Música erudita e obras originais em intercâmbio

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A Temporada França Portugal, em curso, contempla também a música erudita e um intercâmbio entre a região de Limoges, sudoeste da França, e a segunda maior cidade portuguesa, o Porto.Os maestros Jean-Christophe Gauthier e Eliseu Silva são os principais actores de um projecto que leva partituras e textos conceituados de autores de ambos os países, nomeadamente, tanto ao público francês, como português.

Concerto em Rochechouart, na França, com o coro Madrigal e a Orquestra António Fragoso a 31 de Julho de 2022.
Concerto em Rochechouart, na França, com o coro Madrigal e a Orquestra António Fragoso a 31 de Julho de 2022. © Cortesia Jean-Christophe Gauthier
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Esta semana fica desde já marcada por uma série de concertos em Rochechouart, Abadia de Aubazine e Bénévent l'Abbaye, em três distritos da província da Nova Aquitânia, sudoeste da França.

Idêntico programa, incluindo partituras originais, será contemplado no final de Outubro em Portugal, no Porto. 

O jovem compositor português Rodrigo Pinto compôs uma obra "Paradis artificiels" (Paraísos artificiais), em torno de um texto do poeta francês Charles Baudelaire de 1860.

Jean-Christophe Gauthier, maestro francês, a dirigir a Orquestra António Fragoso e o Coro Madrigal, para um programa inserido na Temporada França Portugal com passagem pela Nova Aquitânia, entre Julho e Agosto, e pela Cidade do Porto em Outubro de 2022.
Jean-Christophe Gauthier, maestro francês, a dirigir a Orquestra António Fragoso e o Coro Madrigal, para um programa inserido na Temporada França Portugal com passagem pela Nova Aquitânia, entre Julho e Agosto, e pela Cidade do Porto em Outubro de 2022. © Cortesia Jean-Christophe Gauthier

Por seu lado Jean-Christophe Gauthier, director musical do coro "Madrigal", da zona de Limoges, compôs, para o efeito, uma obra musical em torno do poema "Mar português" da célebre "Mensagem" do poeta luso Fernando Pessoa.

Ele começa por levantar o véu sobre a génese deste projecto.

Há três anos fizemos um projecto com o Eliseu, na altura eu era director do Conservatório do distrito de Tarn, e ele era maestro do Curso da música Silva Monteiro no Porto.

Tanto um como o outro apreciámos muito trabalhar juntos em torno da música.

Decidimos, por isso, voltar a trabalhar juntos musicalmente assim que possível.

O que nos tinha unido, nessa altura, tinha sido o famoso concerto de Vasks, que é um compositor letão. O concerto que se chama "Distinct light" e que é uma magnífica obra contemporânea, onde o Eliseu era primeiro violino e eu dirigia a orquestra. 

Infelizmente durante dois anos, com a pandemia, tal não foi possível. Pelo que, assim que eu soube da Temporada França Portugal, aproveitei a oportunidade para aderirmos a este programa, cientes da sua projecção.

Além disso a nossa vontade de trabalhar juntos em torno da música e de intercambiar as práticas entre a França e Portugal, os repertórios, as gerações (porque o Eliseu tem idade para ser meu filho), isso motivou-nos a levar avante este projecto.

A cereja no topo do bolo, para mim, foi propôr duas obras originais para este projecto: uma de um jovem compositor de apenas 20 anos que compôs a partir do autor francês Baudelaire e eu que tive a pretensão, por assim dizer, de compor a música para o famoso poema "Mar português" de Pessoa.

Deve ter sido um desafio deveras estimulante pegar, precisamente, em "Mar português", da "Mensagem", de Fernando Pessoa, um mito fundador do universo lusitano !

E de que maneira ! E quanto mais tomava consciência da importância do texto mais isso me motivava !

Para mim o que fiz foi uma homenagem ao povo português, a Portugal e à sua língua, que, para mim, é uma única entidade.

E, em mais lado nenhum, da literatura portuguesa, eu encontrei isso, embora não conheça bem ! 

Ainda por cima um texto extraído de uma recolha de poemas na qual Pessoa trabalhou praticamente a vida inteira !

E, parece-me, que aliás foi o único a ser publicado ainda em vida, que é um verdadeiro livro de história de Portugal e da sua cultura, é extraordinário !

Um outro aspecto que me seduziu em Pessoa, já nem sei onde li isso, é quando ele fala da cultura do seu país e dos conquistadores.

Ele dizia que Portugal poderia ser uma solução universal para a Europa, certo de inspiração bíblica, mas sobretudo, que ele queria substituir a espada do conquistador pela pena do poeta !

E isso seduziu-me sobremaneira !

Concerto em Rochechouart, sudoeste da França, da Orquestra António Fragoso e do Coro Madrigal, sob a direcção respectivamente de Eliseu Silva e de Jean-Christophe Gauthier.
Concerto em Rochechouart, sudoeste da França, da Orquestra António Fragoso e do Coro Madrigal, sob a direcção respectivamente de Eliseu Silva e de Jean-Christophe Gauthier. © Cortesia Jean-Christophe Gauthier

Para falar um pouco das várias componentes que integram o projecto, no que diz respeito à parte francesa, há, nomeadamente, o coro Madrigal e também os Ateliers da companhia La tempête de Brive. Pode apresentar-nos, resumidamente, um e outro ?

Com certeza ! O coro Madrigal é um efectivo que eu voltei a criar ao voltar à região Limousin, porque trabalhei na província da Occitânia, embora vivendo em Limoges, o que não era muito prático, mas na altura não trabalhava na área musical em Limoges.

O grupo coral Madrigal era um antigo colectivo profissional que tive de deixar por não ter tempo na altura. Mas já havia a estrutura, é um colectivo que se compõe daquilo que se chama "grandes amadores", pessoas que aspiram à excelência, de estudantes e também de pessoas que estão em formação profissional.

Há profissionais da música, não necessariamente do canto, mas todos sabem cantar muito bem. 

Quanto aos Ateliers La Tempête é o grupo prático / amador da companhia La Tempête que é um grupo com residência em Brive La Gaillarde que é dirigida por Simon Pierre Bestion.

Por seu lado o maestro Eliseu Silva dirige a Orquestra António Fragoso do Porto, que se deslocou a França, para o efeito.

Para além do programa franco-português em causa ele compôs "Os 24 caprichos do fado", inspirado nos "Caprichos" do compositor italiano Niccoló Paganini.

Maestro Jean-Christophe Gauthier a dirigir um concerto a 31 de Julho em Rochechouart, sudoeste da França, envolvendo o Coro Madrigal e a Orquestra António Fragoso em plena Temporada França Portugal.
Maestro Jean-Christophe Gauthier a dirigir um concerto a 31 de Julho em Rochechouart, sudoeste da França, envolvendo o Coro Madrigal e a Orquestra António Fragoso em plena Temporada França Portugal. © Cortesia Jean-Christophe Gauthier

Eliseu Silva começa por nos revelar como surgiu a Orquestra António Fragoso, com uma forte componente social, na cidade do Porto, no norte de Portugal.

A orquestra António Fragoso começou de um projecto que teve a sua origem há cerca de quinze anos atrás.

Este projecto do qual desembocou este projecto da Orquestra de António Fragoso porque foi um projecto, acima de tudo, que teve uma raíz humana e social de integração social muito grande.

Portanto comecei um projecto de orquestra há quinze anos num dos bairros mais difíceis da cidade do Porto e pelos seus resultados humanos diferenciadores e marcantes, foi alargado para outros termos, para outros quarteirões ou para outros bairros da cidade do Porto, também difíceis e desfavorecidos, como o caso do Viso e do Cerco.

E a orquestra cresceu bastante !

E estes alunos acabaram muitos deles por seguirem a carreira profissional de músicos e, entretanto, pediram-me e sugeriram a criação de uma orquestra.

Assim como alguns profissionais, que eram os professores destes alunos, que sugeriam criar uma orquestra mais avançada e uma orquestra profissional.

E assim em 2018 criámos a Orquestra António Fragoso porque António Fragoso foi um jovem que morreu muito novo, um jovem promissor.

Um compositor que há quem diga que terá sido um dos maiores génios da música portuguesa !

Em 2018 criámos a orquestra com o nome deste compositor, também de certa forma estava a ganhar notoriedade e a verdade é que também foi no centenário da sua morte.

Portanto morreu com 21 anos na pandemia 1918.

Não sabíamos nós que a pandemia, o COVID, iria rebentar em 2019, portanto foi uma coincidência muito dura para uma orquestra e para jovens artistas. Mas aproveitámos isto da melhor forma, invertemos um bocadinho as regras do jogo, levamos a arte a casa das pessoas.

Inclusivamente fizemos um trabalho de laboratório em que compusemos várias obras. Uma delas com o Rodrigo, este jovem compositor compôs os “Paraísos artificiais”. O Víctor Gomes, um compositor já com alguma experiência, compôs um concerto para violino, em homenagem às vítimas do COVID.

Gravámos o nosso CD com várias obras, inclusivamente obras minhas inspiradas no fado. Revisitámos também compositores como o Nicolau Medina Ribas que faz curiosamente 190 anos este ano, que foi o Paganini português ! Um grande músico internacional e, portanto, esta orquestra acabou por ter uma dimensão ainda mais plena e mais transversal também muito devido a essas circunstâncias em que aproveitámos estas circunstâncias difíceis para crescer.

E assim criámos este projecto também com o Jean-Christophe e, de certa forma, impulsionando vários jovens e menos jovens na música e, acima de tudo, redescobrindo e colocando no panorama internacional compositores portugueses que não eram tão conhecidos com obras absolutamente maravilhosas !

Temos, por exemplo, este autor anónimo do de um cancioneiro do século XVI, não é ? Mas também Manuel Cardoso !

Manuel Cardoso !

Concerto em Rochechouart, sudoeste da França, no âmbito da Temporada França Portugal, com obras originais de Jean-Christophe Gauthier e Rodrigo Pinto.
Concerto em Rochechouart, sudoeste da França, no âmbito da Temporada França Portugal, com obras originais de Jean-Christophe Gauthier e Rodrigo Pinto. © Cortesia Jean-Christophe Gauthier

Como é que foi para si, pronto, como maestro que é ouvir “Mar português”, agora com a partitura de Jean-Christophe Gauthier ?

É absolutamente maravilhoso ! E, depois, o coro, inclusivamente, canta muito bem em português com um sotaque fantástico ! E e eu estou a pensar inclusivamente como é o Jean-Christophe que está a dirigir… Eu estou a pensar inclusivamente juntar-me ao grupo dos baixos no próximo concerto. Portanto com imenso gosto !

Está uma obra absolutamente maravilhosa ! Até estávamos a pensar inclusivamente poder gravá-la porque tem que ser uma obra que tem que ficar de certa forma plasmada para o futuro porque é algo único: absolutamente raro e muito bonito !

É uma homenagem à cultura portuguesa de uma forma brilhante e muito elegante também !

E depois claro há também Ravel, Debussy, Messiaen que são já, obviamente, notabilizados mais que não seja aqui em França e que vão também poder ser ouvidos em território português para além de Vasks não é?

Este compositor letão ao qual também Jean-Christophe Gauthier já fez referência. Portanto a primeira fase é agora em território francês, até ao final desta semana. No mês de outubro será um programa idêntico, ou semelhante na cidade do Porto ?

Exactamente. É isso mesmo: o que nós iremos tocar em alguns locais na cidade do Porto. Vamos tocar numa igreja de São João da Foz, portanto no centro da cidade do Porto. Iremos tocar também num festival em Felgueiras e também na Cupertino de Miranda, na fundação, com um reportório muito semelhante.

E eu sei que também aqui este projeto deu azo a programa especifico seu que você propôs “Os vinte e quatro caprichos do fado”. O que é que é isto?

Foi uma loucura muito grande porque eu como músico estava habituado a viver intensivamente a tocar com colegas, com amigos portanto eu de repente vi-me enfiado em casa sem poder sair e decidi escrever os “24 Caprichos” também em homenagem ao Paganini, que este ano faz 240 anos da comemoração do seu nascimento, e também a comemorar os 10 anos do Fado como Património imaterial da humanidade.

Portanto foi escrito nessa altura.

Portanto é uma homenagem através do violino solo, como são os “24 Caprichos” de Paganini, é uma homenagem à cultura portuguesa.

Portanto invoco e inspiro-me em músicas da Amália Rodrigues, de grandes músicos como o Zeca Afonso, Carlos Paredes e obras centrais. Mas também música popular portuguesa de várias regiões de Portugal: desde a Madeira, ao Minho, ao Alentejo, Coimbra também.

E, acima de tudo, sempre com uma linguagem virtuosística, violinística, muito virtuosa mas também muito bonita e muito próxima.

É essencialmente, também, uma elevação do instrumento do violino como um instrumento polifónico com recursos modernos com recursos interessantes e diferentes.

Eliseu Silva, maestro da Orquestra António Fragoso do Porto, e Jean-Christophe Gauthier, maestro do coro Madrigal de Limoges acompanharam-nos neste magazine.

Concerto em Rochechouart, na França, com o coro Madrigal e a Orquestra António Fragoso a 31 de Julho de 2022.
Concerto em Rochechouart, na França, com o coro Madrigal e a Orquestra António Fragoso a 31 de Julho de 2022. © Cortesia Jean-Christophe Gauthier

Eles que representam duas instituições que protagonizam, no âmbito da Temporada França Portugal, uma série de concertos incluindo monstros consagrados da música e da literatura de ambos os países.

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