Atentado de Moscovo: " Daesh quer mostrar que reforçou capacidade de ataque"
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Ouvir - 07:27
O ataque de sexta-feira, 22 de Março, a uma sala de concertos nos arredores de Moscovo, que provocou pelo menos 137 mortos e mais de 180 feridos, foi reivindicado por um grupo filiado no Daesh e considerado o mais mortífero em solo russo os últimos anos. João Henriques, vice-presidente do Observatório do Mundo islâmico, considera que com este atentado o Daesh mostra à comunidade internacional que reforçou a capacidade de ataque.
O que é que se sabe deste ataque?
Sabe-se que aconteceu numa sala de espectáculos, em Krasnoyarsk, nos arredores de Moscovo. [Este atentado] surge como mais uma reacção do Daesh à intervenção das forças russas na Síria e no Iraque. Aquilo que pretendem através destas acções, com grande número de vítimas, é alertar para o aumento da capacidade [de ataque], depois de terem sido afastados pelas forças de coligação internacionais na Síria e no Iraque. Estas acções representam uma demonstração para toda a comunidade internacional de que estão preparados [para regressar].
Pode falar-se no regresso do Daesh?
Sim, é o regresso. Se bem que já houve cerca de 50 ataques nos últimos 25 anos, quando o Daesh foi afastado pelas forças da coligação internacional da Síria e do Iraque. Todavia, ficaram pequenas franjas nestes dois países que se deslocalizaram para a Ásia Central e também para África. E em África aproveitaram-se…
Da fragilidade de Moçambique?
Moçambique, Cabo Delgado, é um bom exemplo. Mas diria que os exemplos mais gritantes estão na região do Sahel. Não só o Daesh, como também a própria Al-Qaeda e grupos afiliados, aproveitam a fragilidade destes Estados, alguns deles considerados mesmo Estados falhados, para prepararem novas investidas, particularmente no mundo ocidental.
Este ataque revela as fragilidades da Rússia em matéria de segurança?
A Rússia terá alegadamente estado distraída com a guerra na Ucrânia.
Os Estados Unidos já vieram dizer que avisaram a Rússia…
Sim, mas também já houve uma declaração, por parte das autoridades do Kremlin, a dizer que que não foram avisados, apesar dessa informação estar internacionalmente a ser divulgada. Mas mesmo que tivessem sido alertados, nada desculpa que os serviços de informações se tenham alheado dessa possibilidade. A verdade é que aconteceu e é admissível que a guerra na Ucrânia tenha desviado o foco [das autoridades russas].
O Presidente Vladimir Putin disse que os serviços de segurança tinham capturado quatro suspeitos quando tentavam fugir para a Ucrânia. A Ucrânia, que já veio negar qualquer implicação neste ataque, todavia esta manhã várias explosões foram ouvidas em Kiev. Moscovo terá aproveitado este ataque para aumentar os ataques sobre a Ucrânia?
Essa é a posição dos países ocidentais. Que se trata de uma manobra para justificar a intensificação dos ataques em território ucraniano. Mas deixe-me dizer que a Rússia não precisava desta justificação para intensificar os ataques na Ucrânia. Agora, uma coisa parece ser evidente, estes alegados terroristas foram identificados e dois já foram apresentados em tribunal. Quando fugiram de Moscovo, iam a caminho da Ucrânia, estavam muito perto da fronteira com a Ucrânia. Isto pode revelar que tenha havido por parte de algumas entidades ucranianas, porque não até do próprio Governo ucraniano, algum envolvimento no sentido de lhes dar um refúgio.
A ser verdade, é muito grave…
É grave. Mas a Ucrânia também pretende dar uma resposta à invasão [russa] que aconteceu há dois anos. Essa gravidade não é considerada pelas autoridades ucranianas, são formas de retaliação. Portanto, em tudo aquilo que as autoridades ucranianas puderem participar, nem que seja na sombra, como terá sido o caso.
Embora isso não seja entendido da mesma maneira pelo Kremlin, porque afirma categoricamente que a Ucrânia está envolvida nisto para fazer o enfraquecer, para atenuar a agressão russa em território ucraniano, provocando alguma distracção. E temos um exemplo próximo, que é o que está a acontecer também no Médio Oriente.
Um dos detidos supostamente envolvidos no ataque confessou que lhes prometeram 500.000 rublos, cerca de 5.000 € para participar neste atentado, um atentado que começou há apenas um mês com oferta monetária. O que é que isto revela?
A ser verdade, é um investimento que é feito para que haja motivação por parte destes grupos terroristas, destes grupos jihadistas salafistas, para que possam, de alguma maneira, sentir-se motivados para este tipo de iniciativas. Mas a motivação é de outra natureza. É uma motivação religiosa também. A motivação está sobretudo centrada na resposta àquilo que consideram ser uma péssima gestão por parte de Moscovo, nomeadamente os grupos jihadistas, estamos a falar do Daesh e deste ramo do Estado do grupo do Islâmico- EI-K- da região de Khorasan- que dizem que os russos têm as mãos com o sangue dos muçulmanos.
Aqui em França, o primeiro-ministro Gabriel Attal anunciou o reforço do plano de segurança do país para o nível mais elevado, na sequência do ataque, Várias escolas francesas receberam, na semana passada, alguns e-mails com ameaças. A ameaça da Daesh volta a assombrar a Europa?
Eu, pessoalmente, nunca acreditei que essa ameaça estivesse extinta. Na verdade, estas duas organizações- estou a falar da Al-Qaida e do Daesh- reorganizaram-se nos últimos tempos. A estratégia foi alterada e o próprio Daesh aproximou-se da estratégia que estava ligada à Al-Qaeda.
Neste momento, o Daesh e Al-Qaeda também, estão a promover uma expansão deste flagelo, considerando a participação de filiais aqui perto da Europa. Há pouco falei da região do Sahel, porque, mais a leste, estou a lembrar-me da Somália. O Al-Shabab, uma filial da Al-Qaeda, também já ameaçou internacionalizar a sua acção não só no continente africano, como também na Europa.
Embora o que aconteceu há dois dias tenha sido na Europa de Leste, quando falamos na Europa Ocidental, a França é um dos países visados nas comunicações que tem havido através das redes sociais por parte do Daesh.
Estas comunicações têm visado a França e isso, naturalmente, provoca uma reacção defensiva por parte dos países visados, neste caso a França, que elevou para o nível máximo o estado de alerta, reactivando o modelo de Vigipirate.
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