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CEEAC: Gilberto da Piedade Veríssimo deve equacionar "a demissão"

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Reunidos este fim-de-semana em Malabo, os líderes da Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC) procederam ao levantamento das sanções contra o Gabão e discutiram a presidência da comissão da CEEAC a cargo do angolano Gilberto da Piedade Veríssimo, fortemente contestado. Para o analista político angolano Osvaldo Mboco, este clima de desconfiança e crispação devem levar Gilberto da Piedade Veríssimo a equacionar a possibilidade de demissão.

Gilberto da Piedade Veríssimo, presidente da Comissão da CEEAC.
Gilberto da Piedade Veríssimo, presidente da Comissão da CEEAC. SOPA Images/LightRocket via Gett - SOPA Images
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Reunidos este fim-de-semana em Malabo, os líderes da Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC) procederam ao levantamento das sanções contra o Gabão e discutiram a presidência da comissão da CEEAC a cargo do angolano Gilberto da Piedade Veríssimo, fortemente contestado.

Gilberto da Piedade Veríssimo estava sujeito a uma moção de censura, mas acabou por conseguir guardar o posto em troca do levantamento das sanções contra o Gabão”, avançou uma fonte da organização à redacção em francês da RFI.

Além disso, Gilberto da Piedade Veríssimo recebeu uma lista de tarefas sobre problemas pendentes desde a sua chegada ao posto em 2020: financiamento, reforma das instituições e adopção de textos. O angolano tem agora alguns meses para cumprir o plano de acção e mostrar que a mensagem dos chefes de Estado foi ouvida.

Para o analista político angolano Osvaldo Mboco, este clima de desconfiança e crispação devem levar Gilberto da Piedade Veríssimo a equacionar a possibilidade de demissão.

Sobre a situação económica e geopolítica da região, a CEEAC procedeu ao levantamento das sanções contra o Gabão. Seis meses depois da aplicação destas medidas punitivas na sequência do golpe de Estado de 30 de Agosto, a organização regional assinalou “progressos significativos no regresso à ordem constitucional", pelo facto de o Gabão ter estabelecido um calendário de transição de 24 meses.

O analista angolano Osvaldo Mboco sublinha que o levantamento das sanções contra o Gabão abre um precedente difícil de gerir no seio da CEEAC e, de alguma forma, acaba por normalizar o golpe de estado de 30 de Agosto. 

RFI: Que análise faz do levantamento das sanções ao Gabão?

Osvaldo Mboco: O anúncio saído do encontro da CEEAC é em volta de mitigar o efeito do golpe de Estado que decorreu no Gabão e, também, fez-se aqui uma análise comparativa relativamente com a CEDEAO [Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental], na minha perspectiva, dos resultados que dessas sanções não estão a dar ao nível do bloco. 

Ou seja, a CEEAC percebeu que as sanções que estão a ser impostas aos Estados onde ocorreram golpes de Estado não estão a funcionar como deveriam. Também, por uma razão muito simples: maioritariamente os Estados africanos não mantêm relações económicas muito fortes com os Estados a nível do continente africano e a sua relação económica é maioritariamente com terceiros Estados, com aqueles países que não pertencem ao continente africano. 

O golpe de Estado no Gabão foi um golpe de Estado sem grande pressão internacional. Ou seja, houve comunicados de repúdio, mas não houve propriamente sanções implementadas principalmente pelas potências ocidentais. As potências ocidentais com interesses instalados no Gabão não manifestaram, não repudiaram o golpe de Estado ou não sancionaram o golpe de Estado porque o Presidente Nguema, presidente em exercício, demonstra claramente que vai manter os interesses económicos e das empresas ocidentais que operam ao nível do Gabão. Não há um corte como olhamos para os países da CEDEAO que maioritariamente fizeram um corte, logo aqui a possibilidade de existir uma gestão do país sem grandes turbulências, por um lado.

Por outro lado, o Governo de transição no Gabão tem se mostrado aberto para fazer um processo de transição pacífica do poder dos militares para os civis. 

Mas este levantamento de sanções a um país sancionado depois de um golpe de Estado, não está a carimbar o golpe de Estado e, precisamente, a pôr em causa também a própria credibilidade da organização?

Claramente. Devo concordar na totalidade com o que diz, porque estaremos presente um grande precedente. Ou seja, se no futuro, ao nível da CEEAC, decorrer um outro golpe de Estado num outro país, penso que o ‘modus operandi' da resolução do mesmo golpe de Estado poderá ser nesta via, porque senão estaremos em dois pesos e duas medidas.

Mas penso que o argumento que a CEEAC poderá usar no futuro - e aqui estamos a fazer uma análise levado um pouco por futurologia e talvez com uma carga de juízo de valores - se decorrer um outro golpe de Estado, pode usar o argumento que as condições após golpe de Estado do Gabão foram diferentee comparativamente a esse Estado. 

O Gabão por ter mantido a estabilidade política do país, por ter mantido a funcionalidade do país sem pôr em causa direitos e garantias fundamentais, como estamos a observar nos outros Estados, estes elementos acabaram por ser determinantes para que a CEEAC tomasse essa posição, mas claramente que põe em causa a própria organização e fragiliza a instituição até certo ponto, porque vai abrir azo para que outros Estados, ao nível da região, possam recorrer a golpe de Estado e sabe-se que a CEEAC pode recuar numa decisão tomada para adoptar uma outra posição. 

Estamos aqui perante a uma situação difícil, complicada e pode pôr em causa a própria imagem da instituição, porque está a legitimar, até certo ponto, um golpe de Estado e tudo fará para que, junto da União Africana, junto das Nações Unidas, possam ter a mesma percepção que os líderes africanos têm ao nível da CEEAC: que é melhor voltar a integrar o Gabão nas várias decisões, porque há um calendário claro e objectivo sobre a transição do poder dos militares para os civis. 

Mas, o que vai acontecer a nível do Gabão é o que já aconteceu um pouco por África. Nós assistimos que quando uma junta militar dá um golpe de Estado, vai emergir uma figura dentro da junta militar que vai passar para a vida civil e vai concorrer às eleições e maioritariamente tem sido o presidente de transição. 

Mais uma vez, carimba precisamente a questão do golpe de Estado, porque efectivamente é uma forma de contornar a chegada democrática ao poder?

Estamos andando na mesma direcção, porque este golpe de Estado e essas decisões que foram tomadas agora deliberações fragilizam a CEEAC. Mas penso que o que moveu os líderes, os chefes de Estado e de governo da CEEAC a tomar uma decisão como esta é uma análise comparativa do que está a acontecer na CEDEAO.

O que está a acontecer na CEDEAO é a intenção da saída em massa dos países que deram golpe de Estado da própria organização. Porque estando ou não na CEDEAO, do ponto de vista prático, é indiferente, para eles é indiferente.

Penso que os líderes da CEEAC visualizaram este cenário e entenderam adoptar uma postura diferente, de mais diálogo, de mais interacção com este Governo de transição, para que neste calendário de dois anos possam de facto se realizar eleições. Mas voltamos ao ponto central de que há uma legitimação do golpe de Estado por parte da CEEAC. 

Apesar de menos divulgada, uma outra questão que esteve em cima da mesa desta reunião dos líderes da Comunidade Económica dos Estados da África Central, foi a gestão da presidência da Comissão a cargo do angolano Gilberto da Piedade Veríssimo, que tem estado no centro de uma tormenta, fortemente contestado internamente. Todavia, conseguiu salvar o posto ao assumir precisamente um novo calendário de trabalho. 

Podemos ter duas leituras do que aconteceu com o embaixador Veríssimo. A primeira é a que dá conta que tem estado a gerir, a fazer a gestão da CEEAC com algum autoritarismo e violando, de facto, procedimentos administrativos. E isto tem estado a criar, até certo ponto, algum mal-estar ao nível da própria organização. 

A segunda leitura, é que o embaixador Veríssimo tem estado, de facto, a trabalhar de um ponto de vista afincado e a respeitar procedimentos e talvez a inviabilizar procedimentos que não eram ou que não estão instituídos, mas que se criou o hábito dentro da própria organização. Podemos dizer que muitas vezes somos alérgicos a determinadas mudanças e pode ser que o Embaixador Veríssimo esteja a fazer, de facto, mudanças estruturais. 

Seria importante que, dentro das informações passadas, que o embaixador Veríssimo estava a violar determinados procedimentos administrativos, que estes procedimentos violados fossem tornados públicos, para termos mais elementos dentro do quadro daquilo que é o estatuto ou acto constitutivo da organização, só assim podemos aferir que foram violados este ou aquele procedimento. 

Agora, penso, que num clima como este, o embaixador Veríssimo deveria rever a sua posição, porque se já não existe confiança e um clima de trabalho com os seus pares, daqui para a frente, terá uma gestão mais difícil e escrutinada pelos presidentes ou pelos Estados que constituem a organização. 

Talvez seria [equacionável] para o embaixador Veríssimo - numa altura que provavelmente perdeu a confiança política de alguns ou da maioria dos Estados membros da CEEAC - pedir a demissão. 

Num clima como este de crispação com muitos membros da própria organização, os resultados poderão não ser os melhores. 

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