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"Estamos perante um jogo de oportunismo do Presidente senegalês"

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O chefe de Estado senegalês adiou por seis meses as eleições presidenciais previstas para 25 de Fevereiro. Macky Sall justificou a medida com a polémica levantada em torno da lista final de candidatos, invocando o conflito que surgiu entre o Conselho Constitucional e a Assembleia Nacional após a validação definitiva pelo tribunal de 20 candidaturas. O analista guineense, Armando Lona, considera que a decisão demonstra que o Presidente senegalês está determinado em neutralizar a oposição.

Manifestação liderada pela oposição senegalesa no domingo, 4 de Fevereiro, após o adiamento das eleições presidenciais pelo chefe de Estado Macky Sall.
Manifestação liderada pela oposição senegalesa no domingo, 4 de Fevereiro, após o adiamento das eleições presidenciais pelo chefe de Estado Macky Sall. © AFP - SEYLLOU
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RFI: O chefe de Estado senegalês adiou por seis meses as eleições presidenciais que deveriam acontecer no dia 25 de Fevereiro. Macky Sall justificou a medida com a polémica levantada em torno da lista final de candidatos, invocando o conflito que surgiu entre o Conselho Constitucional e a Assembleia Nacional. Este adiamento era previsível?

Armando Lona, analista político guineense: Sim, era previsível. [Macky Sall] nunca escondeu a preocupação de impedir uma candidatura da oposição. Trabalhou para neutralizar a oposição, Ousmane Sonko que está actualmente na cadeia.

Entretanto, o partido de Ousmane Sonko avançou com um plano B, um candidato alternativo [Bassirou Diomaye Faye] que segundo as sondagens é o favorito para vencer estas eleições.

Eu vejo o adiamento [das eleições] como uma manobra para evitar uma iminente vitória da oposição.

Pode dizer-se que o candidato anti-sistema, Bassirou Diomaye Faye,  preocupa aqueles que estão no poder?

Sim, preocupa. O próprio regime encomendou várias sondagens e estas mostram, claramente, que Bassirou Diomaye Faye seria o potencial vencedor dessas eleições. Quem diz Bassirou Diomaye Faye diz Ousmane Sonko.

Alguma imprensa fala da aproximação, nos últimos tempos, entre Macky Sall e Karim Wade. O Partido Democrático Senegalês, que teve um papel importante, neste adiamento, está a fazer tudo para permitir que o candidato concorra à presidência. Mas como se explica que a maioria presidencial tenha vindo para ajudar Karim Wade?

Estamos perante um jogo de oportunismo do Presidente senegalês. Macky Sall não é candidato, ele escolheu um sucessor - Amadou Ba - embora não seja uma pessoa consensual. Há crispação no campo Presidencial.

Eu acho que Karim Wade não faz parte da agenda de Macky Sall, penso que o actual chefe de Estado estará a preparar uma manobra para se manter no poder por mais tempo.

Não acredito que as eleições se realizem no mês de Agosto. Toda a gente sabe que é o período das chuvas no Senegal.

A decisão de Macky Sall motivou a renúncia do ministro secretário-geral do Governo actual, Abdoul Latif Coulibaly. Pode falar-se em tensões no seio da maioria presidencial?

Sim. Vamos assistir a outras decisões similares nos próximos dias, nas próximas semanas. Até no círculo familiar, o irmão mais novo do Presidente Macky Sall já veio a público dizer que se opõe ao adiamento das eleições. Está a dizer claramente que vai aderir às manifestações. Existe uma tensão palpável e a renúncia de Abdoul Latif Coulibaly mostra essa frustração no seio do campo presidencial.

Este fim-de-semana, o país foi palco de manifestações, a ex-primeira-ministra Aminata Touré foi detida. O Senegal está, de alguma forma, a reviver o protesto de 23 de Junho de 2011, no final dos anos Abdoulaye Wade?

Acho que todas as condições estão reunidas para que a situação [política] piore no Senegal. Para a maioria dos senegaleses, a decisão do Presidente Macky Sall é um verdadeiro “golpe constitucional”. Adiar as eleições, no dia em que devia arrancar a campanha eleitoral, significa que se vai alterar a Constituição. Estamos perante um acto que é qualificado como “golpe constitucional”, levado a cabo por um Presidente cujo mandato está a chegar ao fim. [O mandato de Macky Sall termina no dia 02 de Abril].

Os deputados reúnem-se nesta segunda-feira, 05 de Fevereiro, para examinar um projecto de lei para adiar as eleições presidenciais por seis meses. O texto deverá ser aprovado por 3/5 dos 165 deputados para ser validado. A aprovação será fácil?

Não será muito fácil, mas penso que foi feito um trabalho para se conseguir a aprovação no Parlamento. Contudo, acredito que tudo se vai jogar nas ruas de Dakar – serão as relações de força – e isso poderá ter outras implicações. A oposição é obrigada a optar por uma posição muito mais robusta. A recusa da candidatura de Ousmane Sonko foi vista como um escândalo, tendo em conta tudo o que foi montado para o neutralizar.

Como é que se pode dar, hoje, mais atenção à recusa da candidatura de Karim Wade do que à recusa de Ousmane Sonko? Aí está a grande questão que se coloca aos senegaleses, tendo em conta que o filho do ex-Presidente Wade foi julgado por crimes de corrupção e condenado a vários anos de prisão.

Karim Wade foi acusado de desviar 138 mil milhões de francos CFA. São esses elementos que vão contribuir para tornar a situação muito mais tensa no Senegal.

A União Africana apela ao diálogo. A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), a União Europeia e o Ministério dos Negócios Estrangeiros da França defenderam que o Senegal deve realizar eleições presidenciais o mais rápido possível. Macky Sall poderá voltar atrás na decisão?

Essas declarações não são contundentes. Dizer que o país deve realizar eleições o mais rapidamente possível, significa que se está a admitir o adiamento, mas para uma data que não seja tão longa.

Eu tenho as minhas reservas em relação a essas organizações. A CEDEAO que não se pronunciou quando ouve o relato de prisões arbitrárias, espancamentos dos opositores, mortes dos manifestantes no Senegal… Não me surpreende que a CEDEAO continue nessa timidez. A percepção do senegalês comum é que essas organizações estão a apoiar o regime de Macky Sall.

A União Africana pronunciou-se “sob o capote da formalidade”. Quem devia ter uma postura mais interventiva, tendo em conta a gravidade, a violação dos direitos humanos e políticos no Senegal, deveria ser a CEDEAO.

Mas essa CEDEAO, nós sabemos, vive com o dilema de dois pesos e duas medidas. Não vejo de que forma essas declarações poderão sanear a grave situação que se vive no Senegal. A meu ver, é no combate interno que tudo se vai decidir.  

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