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Analista diz que Brasil continua “polarizado” mas afasta novo “cenário golpista”

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O Presidente brasileiro Lula da Silva realiza, esta segunda-feira, uma cerimónia para marcar um ano dos ataques ao Palácio do Planalto, ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal, em Brasília. Como está o Brasil um ano depois dessa invasão às sedes dos três poderes? A sociedade continua polarizada e ainda há respostas por dar, mas já não há risco de “cenário golpista”, considera Emmerson Servi, professor de Ciência Política.

"Democracia nos une" é a frase projectada no Congresso Nacional em Brasília no primeiro aniversário dos ataques às sedes dos três poderes no Brasil.
"Democracia nos une" é a frase projectada no Congresso Nacional em Brasília no primeiro aniversário dos ataques às sedes dos três poderes no Brasil. AFP - SERGIO LIMA
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RFI: Um ano depois da tentativa de invasão do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, como está o Brasil?

Emmerson Servi, Professor de Ciência Política: Em relação ao 8 de Janeiro, o ambiente é tranquilo. É uma data em que haverá uma série de actos para relembrar a tentativa de interrupção da democracia e estes actos demonstram uma espécie de vitória da política institucionalizada das instituições, tanto assim que todos esses actos envolverão os três poderes: o judiciário, o legislativo e o executivo - coisa que, durante o ano, dificilmente esses três poderes estiveram sempre ao mesmo lado. Nós tivemos crises institucionais ao longo deste ano que são crises típicas do processo democrático, bem especial entre legislativo e judiciário. Agora, nada se compara à tentativa de interrupção da democracia que houve no 8 de Janeiro de 2023.

A população brasileira permanece bastante polarizada entre apoiantes da esquerda e da direita bolsonarista, e ainda há algumas feridas que foram levantadas e permanecem depois de 8 de Janeiro do ano passado, não é?

A sociedade continua polarizada. Eu acho difícil que essa polarização diminua a curto prazo. A sociedade continua polarizada. Não temos mais um cenário golpista. Não temos mais condições para um cenário golpista porque os golpistas estão fora das instituições. Os golpistas que estavam nas cúpulas das polícias, por exemplo, e que fizeram com que as polícias não actuassem no 8 de Janeiro de 2023, não estão lá mais. Uma parte deles, inclusive, está presa. Agora, na sociedade, há uma polarização ainda constante, permanente.

Tanto é que há grupos da sociedade civil, de apoiantes de Jair Bolsonaro, que também convocaram manifestações nas redes sociais para 8 de Janeiro...

A convocação nas redes sociais tem sido uma constante desses grupos de extremistas de direita, não só no Brasil, como em todo o mundo. Agora, no caso brasileiro, as condições objectivas para que essas manifestações deixem as redes sociais e passem para o mundo offline, para o mundo físico, elas são muito baixas. Nas mais recentes manifestações que eles convocaram para as ruas, elas foram absolutamente esvaziadas. Não houve nenhum apoio ou quase nenhum apoio do que existia antes.

E não há o perigo de um cenário semelhante ao de 8 de Janeiro de 2023 voltar a acontecer?

Não creio porque não há mais condições institucionais. Os golpistas deixaram as instituições. Quem promoveu aquele 8 de Janeiro estava em postos decisórios institucionais e hoje não está mais. Então, não creio que haja condições hoje para uma nova tentativa como aquela, o que não significa que a sociedade não esteja polarizada. A sociedade continua polarizada, porém sem condições institucionais de tentar interromper a democracia no Brasil.

Um ano depois dos ataques que abalaram o Brasil e que chocaram o mundo, há muitas perguntas que continuam sem respostas. Por exemplo, os principais financiadores do ataque não foram todos identificados…

Exactamente. Há duas semanas, aproximadamente, o primeiro financiador foi denunciado ao judiciário, ao STF [Supremo Tribunal Federal]. É um empresário que financiou os ônibus e uma parte das pessoas que estavam naqueles ônibus foram presas cometendo actos antidemocráticos. Por conta disso, a investigação liga esse financiador aos actos antidemocráticos. Então, ele foi denunciado e é provável que ele seja julgado nos próximos meses e que seja sentenciado a exemplo do que aconteceu com os executores. Mas esse é só o primeiro. No caso dos financiadores, é mais complexo para você fazer a conexão entre financiar o transporte e o crime cometido. Embora de forma mais lenta, a justiça está andando, está começando a chegar nos financiadores.

Há outra questão fundamental, outra pergunta sem resposta, digamos assim. A justiça brasileira não ofereceu uma resposta sobre a participação ou não do ex-Presidente Jair Bolsonaro na instigação dos actos de vandalismo e tentativa de golpe…

Aí eu acho que o judiciário brasileiro não chegará porque não há um nexo directo porque inclusive Bolsonaro estava fora do país - o que é também parte da estratégia das lideranças de extrema-direita que é não se vincular directamente e deixar que os seus liderados acabem se responsabilizando. Mas entre os financiadores e Bolsonaro, nós temos os militares. Aí, eu acho que é um problema porque eles, de facto, não foram ainda responsabilizados devidamente. Eu não me refiro às instituições, mas sim aos militares, inclusive de alta patente que aderiram de alguma forma ou financiando ou actuando como estimuladores indirectos.

Por exemplo, um facto que está conectado ao 8 de Janeiro é a continuidade daqueles acampamentos entre Outubro de 2022 e Janeiro de 2023. Aqueles acampamentos que ficavam na frente dos quartéis evidentemente que aquilo era uma espécie de um de um berçário, de um bolsão que promovia a radicalização daquelas pessoas - que eram civis, não eram militares - mas que estavam ali com a concordância, pelo menos silenciosa, da cúpula militar. Hoje, os militares dizem que eles não tiraram aqueles acampamentos porque não havia decisão judicial. No entanto, todas as vezes que o judiciário foi instigado a se manifestar sobre aquilo, o judiciário disse que era ilegal e, mesmo assim, os acampamentos ficaram. Então, há uma espécie de um hiato na responsabilização que eu acho o mais problemático um ano depois, que é a falta de responsabilização dos militares.

O que é que justifica que a participação dos membros das Forças Armadas brasileiras ainda não tenha sido esclarecida?

Eu acho que é uma espécie de uma tradição no Brasil de achar que os militares estão acima da responsabilização. É uma cultura brasileira que precisa de ser superada e me parece que esse é o saldo negativo, um ano depois do 8 de Janeiro, é que nós não usámos esse evento dramático para superar essa cultura que beira a cultura da falta de responsabilização civil por parte dos militares. Eu acho que o Brasil vai avançar quando a gente conseguir, na nossa cultura política brasileira, identificar que os militares estão sob a responsabilização civil, estão submetidos ao poder civil e não o contrário.

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