Global Media: não é possível continuar a "empurrar com a barriga" situação dos media em Portugal
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Os trabalhadores do grupo Global Media, que inclui a rádio TSF e os jornais "Jornal de Notícias" e "Diário de Notícias" entre outros, não receberam os salários de Dezembro, com as chefias editorais a falarem em pressões sobre determinadas notícias por parte da administração. Jornalistas vivem "filme de terror" e dizem estar abertos a todas as soluções para salvar rádio e jornais de referência em Portugal.
“Até ao fim da rua, até ao fim do Mundo” foi o lema que regeu nos últimos 35 anos a TSF, a única rádio de informação contínua em Portugal de âmbito nacional. No entanto, a instabilidade do grupo Global Media que detém não só a TSF, mas também títulos como o Jornal de Notícias ou o Diário de Notícias, levou à primeira greve nesta rádio em Setembro e os trabalhadores ficaram sem receber os salários no mês de Dezembro, assim como o subsídio de Natal.
Audições esta semana no Parlamento português revelaram ingerências da administração, detida pelo fundo de investimento World Opportunity Fund, sediado nas Bahamas, nas redacções com o questionamento sobre notícias e também a suspensão de todos os programas de opinião na antena. Situações que levaram aos protestos públicos dos trabalhadores e que deixam centenas de jornalistas de todo o grupo Global Média numa situação muito precária, como nos descreveu Filipe Santa Bárbara, representante dos trabalhadores da TSF, em entrevista à RFI.
"A greve em Setembro, para além de ser histórica, não era dirigida contra esta administração, aquilo que nós fizemos foi mesmo a gota de água [...] Nós enquanto jornalistas passamos a vida a defender mais transparência para todos os agentes da sociedade e não é de estranhar que na comunicação social estejamos a pedir o máximo de transparência. Não é o primeiro caso, nem no Mundo, nem no país que um fundo investe na comunicação social. Mas preocupa-nos, de facto. Não foi o fundo que esteve na origem, até porque não sabemos de quem se trata", afirmou Filipe Santa Bárbara.
Para o jornalista "algo que não dá para perceber" neste negócio de aquisição do grupo Global Media é "quem está" e "porque está" a entrar no negócio da comunicação social em Portugal, especialmente em marcas históricas. Poucos meses depois de entrar no capital do grupo, a nova administração disse que a venda falhada ao Estado de 23,35% da Agência Lusa não permitiria pagar os salários dos trabalhadores e quis avançar com um despedimento colectivo de centenas de pessoas.
"Passaram três meses e tornou-se um filme de terror na vida dos jornalistas destas marcas históricas de notícias do país, ao ponto de não conseguirem pagar as contas. Acreditamos que a bem da transparência tivessemos uma ideia mais bem fundamentada sabendo que está por trás deste fundo. Estamos a falar de negócios privados, sim, mas estamos a falar de jornalismo, de liberdade de informação, de liberdade de expressão, coisas muito importantes consagradas na Constituição", indicou.
No final de Dezembro, o Governo português emitiu um comunicado dizendo que acompanhava "com preocupação" a situação na Global Media, dizendo estar em contacto com a ERC e questionando o posicionamento do novo accionista, mencionando ainda a possibilidade de se recorrer "no limite" ao Fundo de Garantia Salarial. Esta é uma possibilidade que os trabalhadores consideram, mas para os quais ainda não estão reunidos todos os critérios, já que não há, por enquanto, falência do grupo e os contratos de trabalho continuam válidos.
Assim, mesmo sem receber os seus salários, os jornalistas continuam a assegurar as antenas da TSF, fazendo o possível para que os ouvintes não sejam prejudicados.
Num clima de várias falências e fim de títulos importantes para a comunicação social portuguesa, um possível desaparecimento da TSF teria um grande impacto na rádio em Portugal, assim como o desaparecimento do "Jornal de Notícias" ou do "Diário de Notícias" fariam com que passasse apenas a haver dois jornais nacionais diários em banca.
"Estamos a falar de assegurar a pluralidade. Ninguém tem no Mundo uma fórmula mágica para a sustentabilidade dos média, mas não podemos fugir dessa discussão. Os partidos políticos têm evitado ao máximo porque o tema queima, mas chegámos a um ponto que não empurrar mais com a barriga", declarou o jornalista da TSF.
Uma das propostas após as audições de ex-membros da direcção da TSF no Parlamento é a possível nacionalização deste gigante da comunicação social portuguesa, uma hipótese avançada pelo PAN e pelo Bloco de Esquerda, numa altura em que os trabalhadores se dizem abertos a todas as hipóteses.
"Não faço a ideia se essa é a resposta. Não temos posição fechada sobre isso, nem temos de ter. É uma discussão que se pode fazer a nível político. Mas não é de excluir qualquer alternativa, mais ou menos criativa, temporário ou composta, para salvar estas marcas, não só para salvar os postos de trabalho - sim, é muito importante porque estamos a falar de muitas famílias - mas estamos a falar de coisas maiores, é bom que estejamos todos cientes disso. Devemos olhar sem preconceito para todas as soluções", concluiu.
O CEO do Grupo Global Média, José Paulo Fafe, aceitou após ter recusado uma primeira vez ser ouvido na Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, no Parlamento português e a sua audição está marcada para a próxima terça-feira.
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