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Dia de Eleições Gerais sob alta tensão na República Democrática do Congo

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Decorrem nesta quarta-feira na Republica Democrática do Congo eleições gerais. Para além de um novo presidente, os cerca de 44 milhões de eleitores hoje chamados às urnas elegem igualmente os seus deputados nacionais e regionais, bem como os seus conselheiros locais.

Um responsável da Comissão Eleitoral Nacional Independente (Céni) (segundo à esquerda) assiste um eleitor (no centro) na mesa de votação do Instituto Zanner, em Goma, neste dia 20 de Dezembro de 2023.
Um responsável da Comissão Eleitoral Nacional Independente (Céni) (segundo à esquerda) assiste um eleitor (no centro) na mesa de votação do Instituto Zanner, em Goma, neste dia 20 de Dezembro de 2023. AFP - ALEXIS HUGUET
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Ao todo mais de 100 mil candidatos participam nestes escrutínios. Nas presidenciais, para além do Presidente cessante, Felix Tshisekedi, concorrem outros 18 candidatos, entre os quais o seu antigo adversário nas presidencias de 2018, Martin Fayulu, o empresário Moïse Katumbi e o médico Denis Mukwege, conhecido a nível mundial por ter recebido o Prémio Nobel da Paz em 2018, pela sua acção junto das mulheres violentadas.

Estes escrutínios decorrem num contexto de alta tensão em que o país se debate não só com problemas de corrupção e profundas fracturas sociais, mas também -e sobretudo- de segurança, com o nordeste do país a ser particularmente flagelado pela violência de vários grupos armados que o executivo congolês acusa de serem apoiados pelo vizinho Ruanda.

Perante esta situação, as autoridades congolesas têm exigido a saída do país das forças de paz da ONU por considerar que não conseguiram cumprir a sua missão. Presentes no país desde 1999, os capacetes azuis começaram recentemente a sua retirada, deixando atrás de si o receio de um vazio em termos de segurança.

Em entrevista concedida à RFI Osvaldo Mboco, especialista em Relações Internacionais ligado à Universidade Técnica de Angola, evocou precisamente a problemática da segurança que está muito presente nestas eleições e evocou também os debates que animaram a campanha eleitoral, nomeadamente a corrupção e a identidade nacional.

RFI: Para além da questão da identidade nacional que foi muito utilizada para desqualificar adversários políticos, que outros lemas se ouviram durante a campanha eleitoral?

Osvaldo Mboco: Um dos lemas que muito prendeu essa campanha teve muito a ver com a instabilidade que o país apresenta, a questão também ligada à corrupção endémica que a República Democrática do Congo vai evidenciando e, até certo ponto, essa questão da necessidade do patriotismo tendo em atenção que muitas acções de muitos congoleses põem em causa a própria estabilidade do país. Esses temas, como o desenvolvimento económico, como o combate à corrupção, como as questões ligadas à própria insegurança que se regista acabaram também dominando o próprio processo eleitoral.

RFI: Felix Tshisekedi é candidato à sua reeleição. Que candidatos sobressaem sobre essas praticamente duas dezenas de candidatos às presidenciais?

Osvaldo Mboco: Temos, para além do Presidente Tshisekedi que está a concorrer para a sua própria sucessão, Martin Fayulu que também é um político com muita expressão dentro do xadrez eleitoral da República Democrática do Congo, o doutor Denis Mukwege e também Moïse Katumbi. As campanhas dessas quatro figuras foram as campanhas que tiveram maior notoriedade e também agitaram o processo eleitoral ao nível da República Democrática do Congo.

RFI: Estas eleições envolvem praticamente 44 milhões de eleitores sobre uma população que é mais do dobro. é uma proeza fazer votar tanta gente ao mesmo tempo. Isto decorre também sob alta segurança. Poderia falar-nos um pouco mais das problemáticas que envolvem esta eleição?

Osvaldo Mboco: Está a falar do número de eleitores chamados a participar. Mas ainda assim, é importante referenciar que a Comissão Nacional Eleitoral Independente não conseguiu fazer o mapeamento e o cadastramento de todos os cidadãos aptos para votar, ou seja, todos os cidadãos com idade para votar, devido ao próprio clima de instabilidade em determinadas regiões ou localidades que ainda se encontram sob o controlo de grupos rebeldes. De tanto ser assim, a União Europeia não irá participar neste processo eleitoral enquanto observador porque entendeu que existe um clima de insegurança ao nível da República Democrática do Congo e que pode pôr em causa a integridade física dos próprios observadores. Então este clima de insegurança no país também pode pôr em causa o próprio processo eleitoral. Partindo do pressuposto que nem os partidos políticos conseguiram fazer campanha eleitoral em todo o território da República Democrática do Congo, porque temos zonas que até hoje estão sob o controlo de grupos rebeldes e isto, até certo ponto, faz com que nem todos os eleitores ou pessoas com idade para votar conseguem votar neste mesmo processo. E a par deste elemento, também há a discussão de que o ficheiro informático dos cidadãos maiores, fazem parte desse ficheiro indivíduos que já deveriam ser expurgados porque faleceram. E essa discussão também se instalou na República Democrática do Congo. Todas estas questões, sem sombra de dúvida, vêm perigar aquilo que pode ser a lisura do próprio processo e há registo que muitas pessoas não conseguiram votar porque Assembleias de Votos não abriram. Para além de Assembleias de Voto não abrirem, há pessoas que viram os seus nomes deslocados de uma localidade para outra, para sítios muito mais distantes dos locais onde deveriam ter votado. Todo este imbróglio acaba pondo em causa a própria lisura do processo.

RFI: Relativamente à questão da segurança, todo este processo eleitoral está a decorrer numa altura em que a ONU começou a retirar as suas forças. Isto de certa forma não virá também ter um impacto sobre a própria forma como se vai concluir o processo?

Osvaldo Mboco: Eu penso que sim, penso que pode ter um impacto, mas também temos que olhar para factores históricos do próprio país. Esta missão da ONU é a missão mais longa que existia, ou que existe até hoje, da história das Nações Unidas. Está há muito tempo na República Democrática do Congo e os congoleses têm estado a sentir que mesmo com a presença desta missão, vários crimes contra os Direitos Humanos decorrem. Depois, temos crimes ou acontecimentos em que os militares das missões estavam envolvidos, nomeadamente o contrabando de minérios, nomeadamente abusos sexuais. Sente-se que há um desgaste perante a opinião pública congolesa em torno da permanência desta missão de paz das Nações Unidas no terreno. Mas faz parte das pessoas que defendem que a saída da missão das Nações Unidas poderá abrir campo para que outros crimes hediondos possam decorrer na República Democrática do Congo. Ou seja, independentemente desta missão não conseguir pôr cobro a uma série de situações, ainda assim o país estava muito mais seguro com a presença da missão da ONU do que com a retirada desta missão porque isso implica que as forças governamentais tenham de facto capacidade para combater as ameaças decorrentes ao nível do próprio país, coisa essa que é do domínio público que o exército da República Democrática do Congo não tem essa capacidade, fruto dos embargos e fruto também da má preparação dos próprios militares.

RFI: Num contexto tenso, julga que há o risco de haver eventualmente contestação eleitoral e violências pós-eleitorais?

Osvaldo Mboco: Eu subscrevo essa narrativa porque o cenário que hoje se descreve na República Democrática do Congo é de uma crise pós-eleitoral. Esta crise pós-eleitoral, penso que não vai empurrar o país para uma crise política profunda ou uma crise militar. O que vai acontecer é que determinados partidos políticos e candidatos, depois da divulgação dos resultados eleitorais, em função dos vários incidentes e acontecimentos que estão a pôr em causa a lisura do processo, vão contestar os resultados. E na contestação dos resultados, espera-se que esses políticos usem os canais legais para contestar e não instiguem os eleitores, a população, a irem para a rua, desrespeitem as instituições do Estado, queimem bandeiras, e que exista de facto uma situação que pode pôr em causa a própria segurança pública.

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