Acesso ao principal conteúdo
Convidado

"Moçambique viveu a eleição mais fraudulenta da história do país”

Publicado a:

A Renamo organiza esta quinta-feira, 2 de Novembro, uma nova marcha, em Maputo, para protestar contra os resultados das eleições autárquicas. Em entrevista à RFI, o director do Centro para a Democracia e Direitos Humanos, Adriano Novunga, afirma que o Moçambique viveu a “eleição mais fraudulenta da história do país” e acusa o presidente da Comissão Nacional de Eleições, Carlos Matsinhe, de estar a “autorizar a morte da democracia”.

Eleições Autárquicas Moçambique 2023
Eleições Autárquicas Moçambique 2023 © LUSA - ANDRÉ CATUEIRA
Publicidade

A Renamo organizou esta quinta-feira, 2 de Novembro, uma nova marcha, em Maputo, para protestar contra os resultados das eleições autárquicas. O principal partido da oposição moçambicana contesta os resultados anunciados pela Comissão Nacional de Eleições que dão vitória à Frelimo, no poder, em 64 das 65 autarquias do país, enquanto o MDM ganhou apenas na Beira. A violência pós-eleitoral resultou, até ao momento, na detenção de centenas de pessoas, algumas já foram postas em liberdade, e pelo menos seis vítimas mortais.

A comissão política da Frelimo veio condenar os incidentes que resultaram na perda de vidas humanas e pediu aos partidos para se afastarem das acções que coloquem em risco o ambiente de paz. Em entrevista à RFI, o director do Centro para a Democracia e Direitos Humanos, Adriano Novunga, afirma que o Moçambique viveu a “eleição mais fraudulenta da história do país” e acusa o presidente da Comissão Nacional de Eleições, Carlos Matsinhe, de estar a “autorizar a morte da democracia”.

RFI: O senhor acusa o presidente da Comissão Nacional de Eleições de Moçambique, Carlos Matsinhe, de estar a “autorizar a morte da democracia”. O que o leva a fazer esta acusação?

Adriano Novunga, director do Centro para a Democracia e Direitos Humanos em Moçambique: As bases são, essencialmente,de natureza da instituição moral que o bispo Carlos Matsinhe representa. O recenseamento eleitoral e todos os processos que se seguiram para a realização de eleições são uma clara violação do direito e das liberdades dos moçambicanos. Mas, muito particularmente, tem a ver com as mortes que ocorreram em resultado da acção da polícia para proteger um processo eleitoral fraudulento. Confrontado com esta realidade, o bispo Matsinhe continua no cargo de presidente da CNE como se nada estivesse a acontecer.

Considera que Carlos Matsinhe devia colocar o cargo à disposição?

Já devia ter feito isso há muito tempo, era o mínimo que devia ter feito. Depois da votação ele absteve-se de qualquer pronunciamento. Carlos Matsinhe repete o que fez Pilates: lavou as mãos para matar Jesus, o filho de Deus. Sendo [presidente da CNE]; deveria ter feito o certo e ele escolheu fazer o errado.

E o certo seria demitir-se?

O certo é demitir-se e ainda vai a tempo de fazê-lo.

Desde que a Comissão Nacional de Eleições anunciou os resultados das autárquicas, várias manifestações foram convocadas, nomeadamente, pela oposição. Os incidentes pós-eleitorais repetem-se por todo o país e as ONG’S falam em mortes e várias detenções. Qual é o balanço, neste momento, em relação ao número de mortos e detidos?

Seis pessoas perderam a vida, maioritariamente na região norte do país, na província de Nampula, em particular. Relativamente às detenções, o ministro do Interior, Pascoal Ronda, afirmou ontem [1 de Novembro] que duzentas pessoas foram detidas durante as manifestações. Algumas compareceram diante da justiça e foram colocadas em liberdade, outras ainda estão presas e o único crime que cometeram foi o de protestar em defesa da democracia. Perante a evidência clara de que esta eleição foi a mais fraudulenta de todos os tempos, a polícia não deveria ter uma atitude de mais recolhimento, respeitando o direito dos manifestantes?

No caso mais recente, na sexta-feira passada, na cidade de Maputo, os polícias tinham, entre eles, pessoas que não estavam identificadas e que estavam a manusear uma KAM, disparando indiscriminadamente contra os manifestantes. É o Estado moçambicano a recorrer aos esquadrões de morte para disparar balas reais contra pessoas que estão revoltadas pela fraude cometida pelas instituições do Estado.

Já fez referência a detenções arbitrárias e a graves violações dos direitos humanos. Que informações tem das pessoas que estão detidas? Elas já tiveram acesso aos advogados?

As pessoas foram detidas na sexta-feira, passaram todo o fim-de-semana em condições desumanas. Aquelas cadeias (comando e 6ª e 8ª esquadra) estão preparadas para um pequeno grupo de pessoas, mas estavam apinhadas de jovens que tinham sido detidos em condições desumanas e sem acesso aos advogados. Na segunda-feira, alguns dos detidos foram presentes a um juiz e na terça-feira foram colocados em liberdade. Todavia, algumas pessoas ainda se encontram detidas e sem qualquer razão.

Há pessoas que estão detidas sem conhecerem as provas?  

Sim, estão detidas e sem provas. A polícia não formulou uma acusação. Estamos diante de detenções arbitrárias e com a finalidade de intimidar as pessoas para não participarem nas manifestações. É mais uma violação dos direitos humanos, do direito à cidadania e à liberdade de expressão.

O Conselho Constitucional deu provimento a um recurso da Renamo em Quelimane. O principal partido da oposição afirma, com base na contagem paralela e com recurso aos editais, que venceu a eleição no município de Quelimane. Trata-se de uma boa notícia?

É uma boa notícia para a democracia, para a sociedade moçambicana e para o futuro do nosso país. Um país onde os avanços democráticos e o impacto da democracia no desenvolvimento vêm sendo impedidos pelas fraudes sistemáticas que começaram em 1999. A diferença, desta vez, é que os jovens saíram à rua para dizer que não votaram na Frelimo. Saíram à rua para reafirmar que votaram na Renamo e que querem que o partido governe. Como é que se pode afirmar que a Frelimo venceu em Quelimane, em Nampula ou em Maputo?

É importante que o Conselho Constitucional dê esse provimento e peça que sejam entregues os editais. Nesses editais está claro que a vitória é da Renamo e de Manuel de Araújo. Essa é a verdade democrática e isso é importante para a Renamo, mas, fundamentalmente, para a sociedade e para o estado de direito democrático que queremos construir em Moçambique.

A comissão política da Frelimo veio condenar os incidentes pós-eleitorais que resultaram na perda de vidas humanas e pedir aos partidos para se afastarem das acções que colocam em risco o ambiente de paz. Para esta quinta-feira, a Renamo convocou uma manifestação. O que se pode esperar desta marcha?

Vivemos um contexto onde as instituições eleitorais e a democracia foram capturadas por um partido. Os tribunais distritais na Matola, em Maputo, em Chókwè e Cuamba tomaram decisões corajosas, mas foram desautorizados pelo Conselho Constitucional. As manifestações, em parte, respondem a esta decisão do Conselho Constitucional que é vergonhosa. Os tribunais são independentes e tomaram as decisões com base na evidência colocada. Neste momento, já se devia estar a repetir a eleição.

A única solução é repetir a eleição?  

Claramente. Temos uma Constituição da República que coloca os partidos em igualdade de circunstância, perante a lei e a Comissão Nacional de Eleições. Ao nível distrital e em importantes municípios- Nacala, Angoche, Nampula, Quelimane, Cuamba, Chókwè, cidade de Maputo e Matola- as eleições foram, largamente, fraudulentas. Há evidências sobre essa fraude. Há editais que mostram isso. Ou se utilizam os editais originais e se faz a soma, atribuindo-se a vitória a quem efectivamente venceu- refiro-me aos partidos de oposição- ou se repetem as eleições sem o bispo Matsinhe na CNE.

Face à violência pós-eleitoral que se vive em Moçambique, o Presidente Filipe Nyusi já se devia ter pronunciado?

O Presidente Nyusi faz parte da comissão política da Frelimo. Desde que se realizaram as eleições, as declarações da comissão política da Frelimo são teatrais e de irresponsabilidade pública. Aliás, parte dos acontecimentos que estamos a viver foram perpetrados por pessoas que são membros da comissão política da Frelimo, um órgão que defende as eleições fraudulentas. Não me espanta, por isso, o silêncio.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe toda a actualidade internacional fazendo download da aplicação RFI

Ver os demais episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual pretende aceder não existe ou já não está disponível.