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Irão: um ano depois da morte de Mahsa Amini, oposição "estrutura-se"

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Uma grave crise económica tem afectado o Irão, onde cerca de um terço da população vive abaixo do limiar da pobreza, um ano depois da morte da activista Mahsa Amini, que perdeu a vida três dias depois de ter sido detida por não usar correctamente o véu islâmico. 

O Irão enfrenta uma grave crise económica com uma inflação que ronda os 50%.
O Irão enfrenta uma grave crise económica com uma inflação que ronda os 50%. AFP - -
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Um ano depois da morte da activista iraniana Mahsa Amini, a 16 de Setembro de 2022, três dias depois de ter sido detida por não usar correctamente o véu islâmico, o Irão está mergulhado numa crise social a que se junta uma grave crise económica. 

Estamos, no entanto, face a uma situação de "estruturação das oposições", segundo Dejanirah Couto, investigadora na escola prática dos Altos Estudos em Ciências Sociais em Paris.

É o início de uma estruturação muito lenta da oposição, com um foco ainda mais importante no Kurdistão, [de onde Mahsa Amini é originária]. Têm tido lugar algumas manifestações, não só de mulheres, mas também de reformados, protestando contra o nível de vida e a inflação. 

Noutras regiões, nota-se uma tentativa ainda um pouco tímida, mas que existe, de reunião e estruturação da oposição. Isto nunca existiu, insisto neste ponto. Desde 2007 e 2009, houve movimentos de protesto no Irão mas não coordenados a nível da oposição.

Repressão passiva e redes sociais

Em termos de repressão das liberdades públicas, a investigadora insiste nas diferenças existentes entre a capital Teerão, e outras cidades ou regiões do país.

Teerão é um caso especial, não é significativo da situação no Irão porque é um país de 87 milhões de pessoas. Em Teerão, o controlo policial e político é muito maior do que noutras regiões e cidades como Shiraz ou Ispahan. A situação é a de um jogo entre o gato e o rato. Há uma resistência passiva, por exemplo a propósito do uso do véu. As mulheres não deixam cair o véu ostensivamente, mas encontram todos os meios de negociar esta permanência do véu em determinados espaços, quando não há nenhum problema de denúncia, e que podem deixá-lo cair. Penso por exemplo em algumas empresas privadas que são bastante mais acomodatícias no uso do véu para as suas empregadas. Cafés, restaurantes, cinemas e centros comerciais são particularmente vigiados.

Joga-se então em quadros simultâneos para não desafiar a polícia dos costumes de uma maneira muito frontal, porque isso leva a uma repressão imediata.   

Aqui insisto que a questão do véu é apenas um símbolo entre muitos outros do que sucede no Irão.

Para além das manifestações, a internet teve um papel importante na mobilização, mas Dejanirah Couto considera que as redes sociais têm um papel “ambíguo” porque são “vigiadíssimas”. As redes sociais já não são um espaço seguro de contestação.

A amplidão das manifestações através das redes sociais, em determinado momento, apanhou o Estado de surpresa. Mas o Estado tem mecanismos para poder controlar isso, portanto passado esse primeiro momento em que havia publicação de vídeos, penso que o controlo sobre as redes sociais vai sempre aumentar e esse tipo de manifestações não se vai poder continuar a ver com a mesma periodicidade ou regularidade.

Papel da diáspora iraniana na revolta social

Dejanirah Couto realça ainda que há, neste movimento social no Irão, uma “dinâmica que não é de agora”. Apesar do facto de a diáspora iraniana ter mostrado o seu contributo e a sua solidariedade, convém, segundo a investigadora, “não sobrevalorizar o seu papel”.

Depois [da revolução de] 1979 houve um fosso muito grande entre os que partiram, as diásporas, e a população que vive no interior. Os iranianos que estão desde 1979 nesta situação, dentro do país, querem ser eles próprios a liderar a movimentação.

Há também uma grande clivagem entre as populações rurais e as populações urbanas. Este fosso social reflete-se também nas atitudes políticas e sociais entre os do interior e os do exterior.

Inflação ronda os 50%

O Irão enfrenta uma grave crise económica com uma inflação que ronda os 50%. Um terço dos iranianos vive abaixo do limiar da pobreza e o desemprego dos jovens já não é sequer contabilizado devido ao seu aumento vertiginoso.

Dejanirah Couto explica que o movimento social é também fruto da crise económica.

Eu acho que o movimento social é uma consequência da crise económica, porque esta crise arrasta-se já desde os anos 1980. Este movimento social é o resultado da degradação económica. As populações das grandes cidades tem apertado o cinto há décadas. É preciso ver como viviam nos anos 1980, não se comprava carne, o preço da batata era muito elevado. Portanto, esta deterioração econámica tem vindo a agravar-se.

A inflação pode vir a aumentar, consequência da revolta social. Ainda assim, é possível deixar uma nota de esperança porque o Irão é um “grande país”, insiste Dejanirah Couto.

O Irão é um grande país, é uma grande civilização, é preciso também lembrar que 89% da população é alfabetizada. Há toda uma série de elementos positivos para que haja esperança. Talvez não numa mudança imediata, mas penso que há, sim, uma nota positiva.

De realçar ainda que, na sexta-feira 15 de Setembro, as forças de segurança iranianas estavam presentes em Saqez, na cidade natal de Mahsa Amini, com o objectivo de conter possíveis manifestações.  

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