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"CEDEAO está a fazer bluff" ao anunciar envio de força regional para o Níger

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O presidente da comissão da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental – CEDEAO –, Omar Alieu Touray, ordenou "activação imediata" de uma força regional para "restaurar a ordem constitucional" no Níger. Em entrevista à RFI, o antigo embaixador gambiano e professor de Ciência Política na Universidade Jean Piaget, em Bissau, Abdu Jarju, diz que a CEDEAO está a fazer “bluff”, sublinhando que o envio de uma força militar para o Níger teria um impacto negativo para a região.

O presidente da comissão da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental –CEDEAO-, Omar Alieu Touray, ordenou "ativação imediata" de uma força regional para "restaurar a ordem constitucional" no Níger.
O presidente da comissão da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental –CEDEAO-, Omar Alieu Touray, ordenou "ativação imediata" de uma força regional para "restaurar a ordem constitucional" no Níger. AFP - KOLA SULAIMON
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A decisão foi tomada durante uma cimeira extraordinária dos chefes de Estado e de Governo do bloco regional para encontrar uma solução para a crise no Níger, na sequência do golpe de Estado de 26 de Julho. Em entrevista à RFI, o antigo embaixador gambiano e professor de Ciência Política na Universidade Jean Piaget, em Bissau, Abdu Jarju, diz que a CEDEAO está a fazer “bluff”, sublinhando que o envio de uma força militar para o Níger teria um impacto negativo para a região.

RFI: Que comentário lhe merece esta decisão da CEDEAO?

Abdu Jarju, antigo embaixador gambiano e professor de Ciência Política na Universidade Jean Piaget, em Bissau: Penso que não é uma boa [decisão] a CEDEAO activar uma força regional para o Níger e as razões são muito simples. Falam de restauração da democracia, mas de que democracia estamos a falar? Sabemos que muitos dos países da CEDEAO, que reclamam essa protecção, não vivem em democracia. Em muitos desses países as prisões estão repletas de prisioneiros políticos. Então, porque é que a CEDEAO não intervém nesses países?

Quando defendem a restauração da ordem constitucional, penso que nos devíamos lembrar que o Presidente Bazoum - que muitos dizem ter sido democraticamente eleito - não respeitou a ordem constitucional ao ter recebido as forças francesas estacionadas no Mali, sem consultar o Parlamento.  

Esta decisão está dependente da aprovação de todos os Estados membros da CEDEAO. Como é sabido, a Costa do Marfim, o Senegal, o Chade e a Guiné-Bissau são a favor, ainda que o Parlamento tenha vindo dizer que esta decisão requer um voto. A Argélia, Cabo Verde e a Nigéria têm priorizado o diálogo. Quais são as probabilidades de se enviar uma força?

Eu não acredito que a CEDEAO vá enviar uma força regional para o Níger. Sabe-se que o Mali e o Burkina Faso já deram ordem às suas forças para verem qualquer movimentação em direcção ao Níger como uma declaração de guerra.

A CEDEAO está a fazer "bluff". Está a ameaçar as novas autoridades do Níger, vendo se desta forma as faz ou não recuar. Não acredito que a organização active uma força regional para atacar o Níger. A juventude africana ainda guarda na memória a intervenção da NATO na Líbia, em 2011. Uma intervenção que veio provocar ainda mais instabilidade na região. Quando se fala na reposição da ordem constitucional, é preciso lembrar que o Presidente Bazoum está nas mãos das novas autoridades e a sua vida pode estar em perigo.

A junta militar no poder no Níger ameaçou matar o Presidente deposto, se os países vizinhos consumarem uma intervenção militar. A União Europeia já se mostrou preocupada com as condições de detenção de Mohamed Bazoum. O Presidente Bazoum corre risco de vida?

É evidente que há um risco para a sua vida. Ontem,10 de Agosto, durante a cimeira CEDEAO, vimos uma forte presença dos ocidentais. O que leva os africanos a perguntarem se esta decisão [de activar uma força regionar] é da CEDEAO ou é da União Europeia?

Essa situação cria uma certa revolta na consciência dos africanos, particularmente na dos mais jovens da sub-região. Acredito que qualquer ataque pode criar condições para a eliminação física do Presidente Bazoum. Condidero que deviam privilegiar, como defendeu a Argélia, a Mauritânia e outros países da sub-região, o diálogo. Todavia, penso que o Presidente Mohamed Bazoum já é história do passado.

Defende que as negociações devem ser feitas sem o Presidente Bazoum?

A minha convicção diz-me que o Presidente Bazoum já faz parte do passado. A Junta nunca vai aceitar que Bazoum regresse ao poder. Quando analisamos a forma como decorrem as eleições em África, temos de ter em mente a questão da legitimidade eleitoral. Muitos analistas defendem que a eleição de Bazoum foi duvidosa, imposta pelo o seu predecessor e por outras forças que ninguém evoca publicamente.

Durante uma entrevista, o senhor acusa a França e o antigo Presidente Mahamadou Issoufou de terem imposto aos nigerinos o Presidente Mohamed Bazoum. O que é que o leva a fazer estas afirmações?

Uma afirmação que se baseia na opinião geral do Níger, mas também na reacção da população que não considera a eleição do Presidente do Níger legítima.

O Presidente deposto Mohamed Bazoum escreveu um artigo no Washington Post a pedir apoio à comunidade internacional e disse que se nada for feito há um risco de a região ficar sob influência russa. Há esse risco?

Achamos que essa afirmação se trata de um insulto. Essa elite, da qual o Bazoum faz parte, faz afirmações para insultar a inteligência africana. Nós não estamos a sair de uma dominação para nos irmos colocar noutra. Temos a capacidade intelectual de analisar e compreender questões como esta. Estamos a dizer que temos de assumir o nosso destino nas nossas próprias mãos. Não queremos sair da dominação ocidental para a dominação da Rússia. Esse tipo de pensamento é manipulador e não corresponde à verdade. Os africanos estão apenas a procurar ajuda para se libertarem.

O senhor afirmou ainda, numa entrevista que deu a um jornal guineense, que o Ocidente pretende aproveitar-se da eventual intervenção da CEDEAO para levar o caso às Nações Unidas, permitindo desta forma o regresso da NATO ao continente africano. Considera que se trata mesmo de um plano do Ocidente para perpetuar a sua influência no continente?

Quando lemos a obra de Peter HoeKstra “A arquitectura do desastre” vemos os e-mails e outros argumentos evidenciados pelos intelectuais ocidentais, evocando um plano do Ocidente - da NATO - voltar para África. O Ocidente está a tentar fragilizar os países africanos para continuar, assim, a aceitar o seu domínio.

Intervenção militar da CEDEAO terá consequências negativas? Será o fim da organização regional?

Para além de ser o fim da CEDEAO, seria uma catástrofe para toda a sub-região, provocando instabilidade. Será sempre o fim da CEDEAO. Vários países já vieram afirmar que uma bala no Níger representa a saída desses Estados da CEDEAO.

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