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Moçambique: A situação dos refugiados e dos deslocados “é precária”

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Assinala-se esta terça-feira, 20 de Junho, o Dia Mundial dos Refugiados, proclamado em 2020 com o objectivo realçar a coragem, os direitos, as necessidades e a resiliência dos refugiados. De acordo com o último relatório global publicado pelo ACNUR, Moçambique figura no grupo restrito de países que acolhe mais de 1 milhão de deslocados. Ainda assim, registou, nos últimos seis anos, uma redução de cerca de 50% do número de pessoas que procura asilo no país.

Famílias deslicadas em Cabo Delgado. 14 de Junho de 2022. (Imagem de Arquivo).
Famílias deslicadas em Cabo Delgado. 14 de Junho de 2022. (Imagem de Arquivo). AFP - ALFREDO ZUNIGA
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Em entrevista à RFI, Borges Nhamirre, investigador do Centro de Integridade Pública de Moçambique, admite que os ataques que ocorrem na província de Cabo Delgado, norte do país, são responsáveis pela situação "precária" em que se encontram os refugiados e deslocados internos.

RFI: De acordo com o último relatório global publicado pelo ACNUR, Moçambique figura no grupo restrito de países que acolhe mais de 1 milhão de deslocados. Qual é a situação dos refugiados em Moçambique?

Borges Nhamirre, investigador do Centro de Integridade Pública de Moçambique: Moçambique tem refugiados provenientes da região dos Grandes Lagos, nomeadamente, Ruanda, Burundi, Somália e alguns da Eritreia. Depois, temos ainda os deslocados internos por causa do conflito em Cabo Delgado.

O número de refugiados que procuram asilo em Moçambique reduziu em 51% nos últimos seis anos, anunciou  diretor-geral do Instituto Nacional de Apoio aos Refugiados, Cremildo Abreu. Esta situação está, de certa forma, associada ao conflito em Cabo Delgado?

Sim, esaa situação teve impacto. No entanto, preferia não olhar apenas para a redução de pessoas que procuram assilo em Moçambique, mas também olhar igualmente para a própria disponibilidade de Moçambique em receber essas pessoas.

Moçambique passou a preocupar-se mais com os deslocados internos. Por exemplo, o maior Centro de Acolhimento de Refugiados- Maratane- localiza-se na província de Nampula, a segunda província com maior número de deslocados internos.

Todavia, é preciso referir que as fronteiras de Moçambique passaram a estar mais fechadas para não permitir a entrada de estrangeiros. Os estrangeiros são acusados, não oficialmente, de estarem associados a actos de terrorismo. Assim sendo, ficou mais difícil a entrada destes cidadãos no país.

Por outro lado, a intervenção do exército ruandês [no conflito em Cabo Delgado] assustou os refugiados do Ruanda. Há relatos de perseguições, assassinatos, raptos de ruandeses e de acordos de extradição que foram assinados entre as autoridades moçambicanas e as ruandesas. Apesar desses acordos ainda não serem efectivos, a situação acabou por retrair outros ruandeses de procurarem asilo em Moçambique.

Segundo as Nações Unidas, os ataques em Cabo Delgado são os principais responsáveis pela “grave situação humanitária” que se vive no país. A que tipo de ameaças estão sujeitos os deslocados internos?

A situação dos deslocados internos é precária. Os deslocados estão expostos a situações de insegurança alimentar. As pessoas estão a passar fome e as crianças estão subnutridas.

Os deslocados, tendo sido vítimas de conflitos, estão expostos à ameaça da insegurança. Uns recebem ameaças nas zonas onde vivem, outros são deslocados pela décima vez. Estas situações criam um clima de insegurança permanente.

Há ainda a questão dos abusos e das violações a que estão sujeitas as mulheres e as meninas. Estou a falar de violação sexual e de violência baseada no género. A situação é extremamente precária. É preciso não esquecer que a maioria destes deslocados são pessoas pobres e dependem da agricultura para se alimentar a família.

Apesar dos esforços do Governo e dos parceiros internacionais para melhorar esta realidade, este conflito privou-os desses recursos básicos para sobreviver 

 O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, pediu mais “apoio e solidariedade” para os homens, mulheres e crianças que travam estas jornadas difíceis, ao invés de “fronteiras fechadas e bloqueios”. O que deve ser feito para acabar com este flagelo?

O apoio não deve ser apenas direcionado para as pessoas. É preciso ter um Estado que seja capaz de criar infra-estruturas básicas para acolher essas pessoas.

Neste momento, sente-se a ausência do Estado. Não há infra-estruras. Não há escolas, não há um sistema de saúde [capaz de responder às necessidades] e nem há segurança. Cerca de 40% dos deslocados internos que regressaram aos seus locais de origem não encontraram nada.

Considera que o facto de vivermos num mundo com outros conflitos, como é o caso da Guerra na Ucrânia, desviou as ajudas que antes chegavam ao continente africano?

Sim, naturalmente. Isto porque a Comunidade Internacional- que se resume aos países mais desenvolvidos e às organizações internacionais- passou a ter o seu próprio conflito. Por exemplo, a situação na Ucrânia criou cerca de 5 milhões de deslocados que tiveram de ir para esses países que antes apoiavam o continente africano. Isso originou cortes significativos, uma vez que os recursos tiveram de ser divididos por mais pessoas.

Nos órgãos de comunicação social e nas conferências mundiais as atenções também foram repartidas. Se comparamos o número de mortos e deslocados provocados pelo conflito em Cabo Delgado, concluímos que é  bem menor que o número de vítimas na Ucrânia.

Todavia, convém não esquecer que a situação em Cabo Delgado já era precária antes do conflito. Ou seja, as pessoas já viviam com muitas exiguidades.Agora, é evidente que o conflito Rússia/Ucrânia veio reduzir os apoios em muitas regiões do continente, nomeadamente em Cabo Delgado.

Este ano está a falar-se nos refugiados climáticos. Moçambique está entre os países mais vulneráveis aos impactos das alterações climáticas. O que é que está a ser feito para evitar esse flagelo?

Infelizmente é uma realidade que é ainda pouco conhecida. Eu participei num estudo realizado pelo PNUD [O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento] para tentar mapear a relação entre clima e a segurança. Esse estudo  foi feito no distrito de Mecúfi -Cabo Delgado- e concluiu que as alterações climáticas são a grande ameaça para a segurança das pessoas.

No distrito de Mecúfi já existe um número considerável de deslocados devido às alterações climáticas. Os ciclones, as cheias são recorrentes e inundam as zonas habitacionais. O Governo parece não ter essa informação. Também não tem nenhuma estratégia para o clima e segurança, mas devia estar atento. Estamos a falar de uma grande ameaça para a humanidade.

O Dia dos Refugiados assinala-se sob o lema “Esperança Longe de Casa”. Choca-o este lema, quando continuamos a ter centenas de refugiados a morrer em naufrágios no mediterrâneo, sem que nada seja feito, e que se mediatize o desaparecimento de um submarino com 5 milionários a bordo?

Trata-se de uma questão de agenda global. Aqueles que tomam decisões sobre assuntos globais- governação mundial, economia e política internacional- escolhem determinados temas. Nessa escolha, a morte de 100 pobres numa aldeia de Moçambique não tem o mesmo peso que tem a morte de milionário no centro do mundo.

O importante é que as pessoas que lutam contra essas desigualdades e injustiças não desistam. É uma luta longa e interminável, mas os ganhos são significativos na mudança que se opera na vida de cada um.

A questão [das mortes por naufrágio no] mediterrâneo não é muito publicitada porque a Europa tem vergonha de estar a deixar morrer as pessoas nas margens do seu continente. Por isso recusa tornar assunto num tema global.

Os Estados africanos terão que fazer esforços e criar condições para que os seus cidadãos encontrem alguma paz e qualidade de vida para poderem permanecer em África.  

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