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Música das Sopa de Pedra chega à Fondation Cartier em Paris

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As Sopa de Pedra, dez artistas portuguesas que resgatam músicas tradicionais e de intervenção, vão actuar, esta segunda-feira, na Fondation Cartier pour l’Art Contemporain, em Paris. O grupo vai participar numa deambulação artística, em torno da exposição do escultor australiano Ron Mueck e ao lado de grupos polifónicos da Geórgia, França, Itália, Hungria e Argélia.

Sopa de Pedra. Fondation Cartier, Paris, 18 de Junho de 2023.
Sopa de Pedra. Fondation Cartier, Paris, 18 de Junho de 2023. © Carina Branco/RFI
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Depois de terem estado em Paris, na abertura da temporada Portugal-França, em 2022, as Sopa de Pedra vão participar, esta segunda-feira, numa deambulação cantada pela Fondation Cartier pour l’Art Contemporain, ao lado de grupos da Geórgia, França, Itália, Hungria e Argélia. Esta é mais uma “Soirée Nomade” [“Noite Nómada”] em que a fundação dá carta branca a músicos para dialogarem com as exposições.

O projecto tem a direcção artística do músico francês Alexis Paul e do artista italiano Alessandro Sciarroni e chama-se "Voci dal Mondo Reale" ["Vozes do Mundo Real"], tendo sido inicialmente apresentado em Milão, em Novembro do ano passado. O objectivo é homenagear vozes e cantos populares que sobrevivem pela tradição oral. Esta noite, as cantigas de resistência, de exílio e de amor vão ecoar com a exposição do escultor australiano Ron Mueck, cujas obras questionam as dimensões e o tamanho da fragilidade humana.

Ocasião para conhecer as Sopa de Pedra, este grupo de investigação musical composto por dez mulheres portuguesas que cantam, à capela, canções de raiz tradicional portuguesa. Dos cânticos mirandeses de Trás-os-Montes às baladas açorianas, das cantigas de adufeiras da Beira Baixa ao cante alentejano, elas resgatam temas do cancioneiro popular português, mas também de cantautores como Zeca Afonso, José Mário Branco, Amélia Muge e poemas de Eugénio de Andrade. Os dois discos que editaram - “Ao Longe já se ouvia” (2017) e “Do claro ao breu” (2022) - são viagens a mundos tradicionais com ingredientes bem contemporâneos. 

“Vamos estar aqui, esta segunda-feira, na Fundação Cartier, a cantar na ‘Soirée Nomade’. Somos um grupo de música tradicional portuguesa. Ao longo dos anos estivemos a recolher cantos de trabalho e de intervenção e a reharmonizá-los e trazemos hoje uma intervenção por todo o museu, em conjunto e em conversa musical com outros grupos que trazem músicas tradicionais dos seus países”, começa por explicar Rita Campos Costa.

O projecto leva a música tradicional à arte contemporânea e os temas também vão ecoar entre as esculturas e as canções. “A exposição fala da vida e da morte e enquadra-se em muitos dos nossos cantos”, lembra Rita Campos Costa, apontando, por exemplo, a escultura monumental de uma recém-nascida, outra de um barco à deriva e uma, ainda, com dezenas de caveiras enormes espalhadas pela sala principal. A iniciativa também põe "a conversar" músicas tradicionais de diferentes países.  

“Se, por um lado, cada grupo traz música tradicional da sua cultura e do seu país - e que revela claramente quais são as nossas culturas e raízes - por outro lado, sente-se esta coisa de a música tradicional ter uma respiração junta, há muita coisa parecida nas nossas músicas tradicionais e é muito bonito perceber como elas entram em diálogo”, descreve.

Para esta “soirée nomade”, as Sopa de Pedra escolheram apenas músicas do seu primeiro álbum porque são mais curtas para dialogar com os outros grupos. Vai, ainda, haver “colaborações” musicais com alguns grupos e “uma abertura e um fecho” a remeterem para “uma ideia de um manto e mar de vozes”.

Como é que as Sopa de Pedra vieram parar à Fondation Cartier? Rita Campos Costa diz não saber muito bem “porque há muitas bandas muito boas de música tradicional portuguesa e cada vez mais grupos de mulheres que cantam”. Então, o que distingue estas dez mulheres? A resposta talvez seja esta: “Há um carinho muito grande pelo nosso trabalho e também que nós pomos no nosso trabalho. Somos amigas, a maioria de nós desde muito pequeninas. Creio que há um encontro entre o que pode ser a música tradicional: por um lado, uma sensação dura ao ouvido e intrincada com os arranjos mais contemporâneos que trazemos à música; por outro lado, como nós respiramos juntas desde quase sempre, há uma leveza e uma simplicidade que trazemos à forma como cantamos”, diz a cantora.

A resposta continua ainda mais adiante, com uma pergunta virada para a mensagem de empoderamento que as dez mulheres incarnam. “É muito importante trazer este empoderamento não só popular como, de facto, feminino porque a mulher naquela altura não tinha voz. Inclusive, nós, às vezes, mudamos a letra. É com bastante consciência que o fazemos. Sentimos que, por um lado, a tradição é muito importante manter-se viva, por outro lado é quem a traz que a traduz e que continua a trazer a tradição (…) Muitas vezes, quando as letras nos parecem profundamente machistas ou profundamente violentas – porque há muita letra violenta portuguesa sobre as relações de poder entre homem e mulher, nós activamente mudamos a letra.”

Mesmo assim, Rita faz questão de insistir que cantam coisas que não viveram directamente: “Nós não passámos forme, nós não passámos o trabalho do campo, nós sabemos que estamos a dizer coisas sobre as quais não vivemos”, sublinha, ainda que hoje haja “diferentes formas de viver, de resistir e de opressão”.

A resistência é também uma das linhas de força das Sopa de Pedra. “Resistência porque descrevemos um cenário antigo que já aconteceu ou resistência porque trazemos ao diálogo a importância de coexistirmos, a importância de nos vermos. Por isso, trazemos músicas de cantantores que não são tradicionais ou que não são músicas de autor desconhecido, são músicas de intervenção, e estamos a chamar a atenção para a realidade. Cantamos duas músicas do GAC que falam de um Portugal daquele tempo mas que, estranhamente e arrepiantemente ainda fazem sentido. Ou cantamos a “Serra da Lapa” do Zeca Afonso que fala sobre a passagem das pessoas que queriam emigrar para fugir à ditadura (…) Infelizmente, é completamente actual as pessoas que têm de fugir dos seus países, sendo emigrantes ou refugiados.”

 

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