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"Casa para Todos": MPD acusa PAICV de ter desviado 100 milhões de euros

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Em Cabo Verde, o programa “Casa para Todos” está no centro da polémica que opõe o actual governo, liderado pelo MpD, ao PAICV, principal partido de oposição. Em causa, estão as afirmações da deputada do MpD, Isa Costa, que acusa o PAICV de ter desviado 100 milhões de euros do programa de habitação social, exigindo uma investigação na Justiça.

Parlamento de Cabo-Verde
Parlamento de Cabo-Verde © rfi
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O PAICV fala em acusações sem fundamento e o actual chefe de Estado cabo-verdiano, José Maria Neves, que na altura chefiava o executivo, disse que é necessária uma profunda investigação da justiça e considerou as acusações de extraordinariamente graves

Em entrevista à RFI, o jurista João Santos reconhece que estas acusações revelam que, em termos políticos, Cabo Verde esta a viver um momento complicado, reconhecendo, porém, a importância deste programa de fomento à habitação social.

RFI: Qual era o objectivo do programa “Casa para Todos”?

João Santos, jurista: O programa “Casa para Todos” tem como objectivo a tentativa de aproximação de um desiderato, que decorre da nossa própria Constituição, que prevê o direito de garantir uma habitação condigna às pessoas. Foi nesse quadro que o governo do PAICV, na altura liderado por José Maria Neves, estabeleceu esse programa, recebendo o apoio do governo português.

RFI: Portugal concedeu, na altura, uma linha de crédito de 200 milhões de euros para o Governo construir 8500 habitações. Quantas casas é que foram construídas?

A informação oficial é que se terá ficado por metade da construção dessas habitações. No entanto, sabe-se também que esse dinheiro, transferido por Portugal, não foi utilizado exclusivamente na construção das moradias. Isso já foi publicamente explicado pelo actual Presidente da República, José Maria Neves, que na altura dirigia o país como primeiro-ministro.

É também público, confirmado pelo actual chefe de Estado, que a transferência não ultrapassou os 120/130 milhões de euros, ficando muito aquém do previamente acordado.

Na altura, foi feita uma avaliação onde se optou por não absorver a totalidade da linha de crédito. Decidiu-se fixar a construção em 6010 casas. No final foram construídas 4000. [ O Governo diz agora que foram construídos 2400 apartamentos]. Quanto dinheiro se gastou na construções dessas casas e onde está o resto do dinheiro?

Que o dinheiro não tenha sido empregue exclusivamente na construção das casas, isso é óbvio. Até porque não se pode construir sem que se façam infra-estruturas mínimas. Refiro-me ao saneamento, electricidade, vias de comunicação, etc. Parte desse montante, não consigo precisar os milhares contos, foi utilizado para esse efeito.

A informação dada pelo actual Sr. Presidente da República é que apenas 130/120 dos 200 milhões de euros foram transferidos, não para o tesouro público cabo-verdiano, directamente para as empresas construtoras.

Ou seja, o que temos de ter como certo, neste momento, salvo se for feita uma investigação, ou sujam informações que ponham em causa essa declaração, é que do montante de 200 milhões apenas 130/120 foram transferidos.

O MpD acusa o PAICV, que na altura liderava o país, de ter desviado 100 milhões de euros. As acusações são feitas pela deputada do MpD, Isa Costa. Há matéria para abertura de uma investigação?

Sim, obviamente. Temos matéria para uma investigação séria, absolutamente transparente e célere. O que se está a passar em Cabo Verde é a tentativa de construção social, ou seja aquilo que nós chamamos o desvio do ponto de vista criminal. Infelizmente, o discurso político que se vem fazendo em Cabo Verde é um discurso tipicamente populista. Sabemos que uma percepção social estabelecida, quando negativa, torna-se muito difícil a sua alteração.

A deputada justifica, sem dar nomes, que três responsáveis ligados ao programa “Casa para Todos” construíram três mansões. Diz estar disponível para falar com a justiça. Que validade têm estas acusações?

Não sei. Por isso é que digo, a menos que ela consiga provar que de facto se construíram três mansões, no quadro desse programa, estaremos num cenário de validade absoluta. Para se fazer uma afirmação dessa natureza é preciso que se tenham provas materiais.

Agora, neste momento, essas afirmações têm a ressonância de serem uma tentativa de construção social da ideia de que o Governo do Dr. José Maria Neves, particularmente nesse programa, foi um governo corrupto. Foi um Governo que, disse a deputada, roubou 100 milhões de euros.

O PAICV fala em acusações sem fundamento, esclarecendo que o crédito do programa está a ser gerido por Portugal e que os desembolsos eram feitos, directamente para o consórcio de empresas construtoras portuguesas e cabo-verdianas. O actual chefe de Estado cabo-verdiano, José Maria Neves, que na altura chefiava o executivo, fala em acusações graves e apela à calma, afirmando que não vale tudo em política…

Estamos aqui diante de um caso de politiquice verdadeiramente grave. Acusam-se pessoas de terem cometido desvios significativos. Quando se faz uma acusação desta natureza, a pessoa que acusa tem de poder provar aquilo que diz. A gravidade é extrema.

A partir do momento em que a deputada se mostra disponível para falar com a justiça, não há aqui um posicionamento que lhe dá credibilidade?

Aparentemente dá credibilidade. A introdução da questão em tribunal e a disponibilidade da deputada em justificar as afirmações junto do tribunal, fazendo prova daquilo que afirmou, dá uma certa credibilidade às acusações. Todavia, eu diria que essa credibilidade é aparente.

Em Cabo Verde é normal introduzir-se o elemento judicial nas questões políticas, conhecendo de ante-mão a morosidade da justiça. O processo poderá levar muito tempo em tribunal até ser resolvido e, entretanto, desgastar o adversário com as mesmas acusações na arena política.

Estamos a viver um momento muito difícil em Cabo Verde, a forma como muitos temas são introduzidos e discutidos. Na minha opinião, o Presidente da República fez bem apelar à calma e tranquilidade, pois a política pode ser feita num quadro de adversários, mas com a mínima afectividade.

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