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Patrice Trovoada: “A bandeira principal é a recuperação do país”

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Patrice Trovoada, líder do ADI, aponta a recuperação de São Tomé e Príncipe como a sua “bandeira principal” na corrida às eleições legislativas de 25 de Setembro. Ausente do país desde 2018, quando não conseguiu renovar o mandato de primeiro-ministro, Patrice Trovoada avisa que só será chefe de Governo se tiver maioria absoluta. Caso contrário, admite deixar a política. O regresso ao país deverá acontecer no final da primeira semana de campanha.

Patrice Trovoada, Líder do ADI.
Patrice Trovoada, Líder do ADI. © ADI
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RFI: Quando volta para São Tomé e Príncipe?

Patrice Trovoada, Presidente da ADI: Penso que é para breve. Não estarei na abertura oficial da campanha, dia 10, mas eu penso que no final da primeira semana já estarei com os meus para participar de uma maneira mais presente na campanha.

Está ausente do país desde 2018, depois de ter falhado a formação de um Governo na sequência das legislativas. Esta ausência não belisca a candidatura? 

Não. Eu não tentei, enfim, formar governo, eu tentei explicar aos meus adversários que tendo ganho com uma maioria relativa e sabendo dos problemas que enfrentava o país na necessidade de reformas, etc, que era bom estabelecermos um programa consensual, digamos, de reformas no país. Bom, eles quiseram fazer uma coligação e governar. É legítimo e governaram.

Eu regresso depois de quatro anos de ausência, mas justificada. Sabe que as coisas em relação à independência do poder judicial não estavam muito claras. Quer dizer, quando um governo retira confiança política a um Procurador-Geral da República por ele ter arquivado um caso e quando o governo passa a querer dar ordens directamente à polícia judiciária sem se preocupar dos trâmites e da relação hierárquica com a Procuradoria, é um pouco difícil.

Então, eu tinha actividades profissionais no estrangeiro e preferi concentrar-me nessas actividades, continuando a presidir o partido e tudo aponta que essa minha decisão não criou grandes problemas a nível do funcionamento do ADI.

Em Abril, voltou-se a falar no "caso dos 30 milhões" de dólares, valor do empréstimo contraído pelo país junto de Angola durante o seu mandato e tinha sido arquivado por o Ministério Público considerar que não existiam indícios suficientes de irregularidades, branqueamento de capitais e corrupção. Apesar de arquivado, o Ministério Público pediu inspecção externa e houve uma comissão parlamentar especializada para investigar. O caso pode manchar a campanha?

Não, não. Quando são questões tão importantes é preciso ir ao fundo das questões. Não foi empréstimo contraído com Angola. Não foi. Foi contraído com uma empresa privada sedeada em Hong Kong. Se houver nessa empresa accionistas angolanos ou não, já não é o nosso problema. Nós contraímos o empréstimo com uma empresa chinesa sedeada em Hong Kong. Essa empresa nos emprestou 30 milhões, desembolsou 10 milhões. Foi comprovado que esses dez milhões entraram para o circuito do Banco Central, foram gastos pelo Orçamento Geral do Estado e que não houve um centavo de aproveitamento da minha pessoa ou de qualquer dos meus ministros.

E os outros 20 milhões?

Os 20 milhões nunca foram desembolsados e sabe-se perfeitamente porquê. Porque essa empresa desapareceu. Vamos ser sérios porque trata-se da difamação de um governo e de uma pessoa. Quando o Ministério Público investiga, com a ajuda da cooperação internacional, e chega à conclusão que não há absolutamente nada e arquiva… Bem, ao sabor da evolução política e do oportunismo político, todos voltam a falar disso.

Como sabe, é bastante prejudicial para a pessoa em causa, que é inocente, quando o seu nome fica manchado e fica na internet e não sei quê. Mas a verdade é o quê: não houve nenhuma das questões que foram levantadas - as acusações de branqueamento de capital, de aproveitamento pessoal, etc, etc. O assunto foi arquivado e quando o Ministério Público pede uma inspecção é exactamente na base da boa fé e dizer: “Se há alguma coisa errada, então que venha uma inspecção internacional para saber se o Ministério Público fez ou não fez bem o seu trabalho.” Por isso, estamos perfeitamente tranquilos e eu estou tranquilo. Aquilo que é sempre motivo de preocupação é quando um assunto é arquivado e uma pessoa não consegue ter o sossego porque há um governo que diz; “Ai se foi arquivado, então retiramos a confiança ao Ministério Público”. Isso é um pouco “sui generis”.

Face à “nova maioria” que se juntou nas últimas legislativas e afastou o ADI do poder, está agora disposto a abrir-se a alianças se não tiver maioria absoluta?

Eu serei o próximo primeiro-ministro de São Tomé e Príncipe se tiver maioria absoluta. Se não tiver maioria absoluta, será uma segunda derrota, embora o ADI, estou convencido, irá sempre se manter como o maior partido nacional que tem sido nos últimos 12 anos. Mas eu, Patrice Trovoada, terei que tirar as ilações políticas. Agora, a partir daí já não é a minha responsabilidade. Os que estiverem no ADI que decidam, mas já não serei eu a decidir.

Se não conseguir a maioria absoluta, fica no país?

Se eu não conseguir a maioria absoluta, sabe, com 60 anos, sete filhos e quatro netos é tempo de ir para a reforma e continuar a minha vida. A vida não é só política. Eu tenho muitos pontos de interesse. Aliás, estes últimos quatro anos tive grandes aventuras empresariais, por isso, irei fazer outra coisa. Não tenho nenhum problema. Eu sempre disse que é o momento da transmissão. Se tivesse outras condições políticas no país, talvez não seria candidato a primeiro-ministro. Mas eu penso que já chega, quer dizer, se não conseguir a maioria absoluta para engajar essa transmissão, será uma transmissão de facto porque deixarei a política.

Um dia, a Presidência?

Não. Eu podia ter ido nas eleições passadas e não fui. Eu sou uma pessoa de acção e eu creio que não tenho o temperamento para ser Presidente da República no contexto constitucional actual.

Nestas legislativas, quais são as principais bandeiras da sua candidatura em termos de saúde, emprego e energia que são os sectores-chave, no fundo.

Não, a bandeira principal é a recuperação do país. É difícil, mas, ao mesmo tempo, facilmente poderemos fazer a diferença porque o país caiu tão baixo que hoje em São Tomé e Príncipe se temos 50% da produção eléctrica a funcionar é muito; o stock de medicamentos não existe; as estradas estão num estado péssimo; a circulação das pessoas e dos bens por via terrestre é complicada; os problemas do porto de São Tomé e Príncipe são notícias todos os dias. Por conseguinte, terá de haver um esforço de recuperação e estamos perfeitamente à vontade para dizer que esse esforço será coroado de sucesso. Isso fará já crescer o nível de confiança das populações nos dirigentes porque vão ver que realmente vamos recuperar o país.

O esforço de recuperação que implica formação bruta de capital fixo, investimento, etc, irá também favorecer o emprego porque um dos grandes problemas desse governo [cessante] é a capacidade de execução, não é a captação de recursos externos. Existem recursos mas, muitas vezes, o que falha é que não existem projectos, não existe capacidade de implementação de projecto.

Eu quero lembrar que no nosso tempo, no que diz respeito ao FED, nós tivemos em alturas 100% de execução do FED que até nos deu um bónus suplementar para recompensar essa nossa capacidade. 

Uma vez recuperados, é preciso continuar com a visão que nós temos que tem que ser um país que tem que desenvolver um turismo de qualidade; conseguir a segurança alimentar é possível porque é um país fértil; a nível logístico, no Golfo da Guiné, sermos também uma parte das soluções logísticas quer do ponto de vista marítimo, quer do ponto de vista aéreo; e temos, também, que nos afirmarmos na comunidade internacional, participando no esforço de segurança marítima no Golfo da Guiné, continuando a defender a necessidade não só de criarmos uma consciência nacional quanto às questões ambientais, mas também fazer com que haja uma democracia ambiental que permite que os poluidores possam ajudar a mitigar os danos que eles andam a criar no planeta.

A nova lei para zonas francas de São Tomé e Príncipe foi alvo de controvérsia política no país. Foi vetada duas vezes pelo Presidente e o ADI falou em “iminência de um golpe de Estado institucional que resultará na venda a saque de São Tomé e Príncipe”. São acusações graves. Se a lei de facto se impuser, como evitar que as acusações feitas pelo ADI não se concretizem?

Porque é que nós dizemos que é um golpe de Estado? Porque uma lei que é vetada politicamente pelo Presidente da República só pode passar com uma maioria qualificada de dois terços. O actual poder achou que a maioria qualificada era mais um deputado a mais daqueles que votavam: votavam 28 ou 29, faz-se votar mais um e a lei passa. Bom, isso não faz sentido. Não faz sentido em São Tomé e Príncipe e não faz sentido em qualquer democracia.

Agora, a lei sobre zonas francas: o mundo evoluiu. Temos a nível mundial uma preocupação com branqueamento de capital, com evasão fiscal e com o dinheiro não só dos tráficos financeiro e do crime organizado, mas sobretudo o dinheiro do terrorismo. Nós achámos que a lei não era suficientemente robusta, não dava suficientemente garantias e votámos contra e eu penso que foi mais ou menos aquilo que inspirou o Presidente para o veto. Não é que estejamos contra as zonas francas, mas há uma linha vermelha que é preciso não ultrapassar.

Não houve novo recenseamento eleitoral. Jovens militantes do ADI organizaram uma marcha em Julho para exigir a inclusão nas listas eleitorais de cerca de oito mil jovens no país e na diáspora. Que impacto isto pode ter nos resultados eleitorais e na credibilidade do processo?

 A primeira preocupação não é essa. A primeira preocupação é de justiça e de permitir às pessoas um direito que é consagrado na Constituiçao. Nós somos um país que tem uma taxa de crescimento populacional de quase 4%. Como é que se vai, num ano, impedir quase nove mil jovens de votar? A nossa revolta foi realmente pela violação de um direito constitucional.

 

 

Eleições legislativas, autárquicas e regional a 25 de Setembro

As eleições legislativas, autárquicas e regional são a 25 de Setembro. Dez partidos e uma coligação vão concorrer às eleições legislativas de São Tomé e Príncipe: Acção Democrática Independente (ADI), Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe / Partido Social Democrata (MLSTP/PSD), Movimento Basta, Movimento Democrático Força da Mudança/União Liberal (MDFM/UL), União para a Democracia e Desenvolvimento (UDD), Cidadãos Independentes para o Desenvolvimento de São Tomé e Príncipe (CID-STP), Movimento Unido para o Desenvolvimento Amplo de São Tomé e Príncipe (Muda-STP), Partido Novo, Movimento Social Democrata/Partido Verde de São Tomé e Príncipe (MSD-PVSTP), Partido de Todos os Santomenses (PTOS) e a coligação Movimento de Cidadãos Independentes/Partido Socialista/Partido da Unidade Nacional (MCI/PS-PUN).

Nestas legislativas, os são-tomenses vão eleger 55 deputados à Assembleia Nacional, incluindo dois que pela primeira vez serão eleitos pelos círculos eleitorais da Europa e da África.

Nas legislativas de 2018, o ADI foi o partido mais votado, com 25 deputados, seguido pelo MLSTP/PSD, que conseguiu 23 assentos. A coligação então formada pelo PCD, pela UDD e o MDFM foi a terceira formação mais votada, obtendo cinco mandatos. O MCI/PS ocupou dois lugares no parlamento. Foi o MLSTP/PSD e a coligação PCD-UDD-MDFM que formaram, então, a chamada “nova maioria” e constituíram governo, liderado por Jorge Bom Jesus.

A RFI falou com os líderes das 11 forças políticas que concorrem às legislativas e vai publicar uma entrevista por dia. Acompanhe aqui.

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