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"A Filda cresce e mostra que Angola está a sair da crise"

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Em Angola, decorre até ao próximo dia 20 de Julho a 37ª edição da Feira Internacional de Luanda-Filda. O certame conta este ano com cerca de 620 empresas, vindas de mais de 10 países, que procuram novas oportunidades de negócio no mercado angolano. Depois de dois anos de interregno, José Severino, presidente da Associação Industrial de Angola, diz que a "FILDA  cresce e mostra que o país está a sair da crise económica".

Logotipo da Feira Internacional de Luanda- a Filda.
Logotipo da Feira Internacional de Luanda- a Filda. © FILDA
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RFI: Quais são as novidades desta 37ª edição da FILDA?

José Severino: Nós tivemos uma crise de quase oito anos. Nos primeiros cinco anos, com a queda do preço e da produção de petróleo e nos últimos dois anos com o Covid. Este ano, a FILDA mostra que o país está a crescer, está a sair da crise. A FILDA cresceu cerca de 30% em relação à última edição, com mais de 650 expositores vindos de cerca de 15 países. No entanto, há espaço para duplicar, em termos de expositores e de países, uma vez que Angola é um mercado aliciante.

RFI: Quais são os países que marcam presença nesta edição?

Temos os Estados Unidos, Portugal, Itália, França, Coréia do Sul, África do Sul, Namíbia, RDC, Espanha, Noruega [China, Alemanha, São Tomé e Príncipe, Japão, Reino Unido, Brasil, Polónia e Turquia]. 

Qual é o interesse destes países em participar na FILDA?

O mercado petrolífero é um mercado aliciante. Porém, na questão da reconversão da economia, temos dado mais atenção aos recursos agrícolas, florestais e mineiros. Posso dizer que, do ponto de vista dos recursos mineiros, alguns grupos internacionais que tinham saído de Angola, há cerca de dez anos, como a Aglo-American, a Debias e a Rio-Tinto, estão a regressar ao país.

Começamos a explorar os minérios, essenciais para a agricultura, como é o caso dos fosfatos. Há dois projectos, um em Cabinda e outro no Soio. Há também boas perspectivas para as refinarias que estão a ser lançadas em Cabinda e há o aumento da refinação com a ENI, em Luanda.  Existe igualmente o projecto de refinaria no Soio e o relançamento da refinaria no Lobito.

De referir, ainda, o impacto da concessão privada do grupo português Mota Engil nos caminhos de ferro. Está aqui o grupo portos do Dubai com investimentos que rondam os dois mil milhões de dólares, em plataformas logísticas no porto de Luanda, mas também nas zonas fronteiriças com a RDC e Zâmbia. Angola pode fazer muito mais nos recursos agrícolas,

O ministro da Economia e Planeamento de Angola, Mário Caetano João, realçou a importância da agricultura no desenvolvimento do país. O que falta fazer?

Angola foi sempre auto-suficiente e um país exportador de várias commodities [matérias-primas]. Estou a falar do algodão e do café, chegando a ser o terceiro maior produtor de café. A Associação Industrial de Angola relançou, recentemente, um programa de produção de café, sabemos que Angola pode, como já se faz em Minas Gerais, no Brasil, produzir café de montanha. Estamos também a produzir muito café arábico. São commodities com grande crescimento. 

Angola já foi um grande exportador mundial de sisal e hoje quase não se produz. Cometeram-se erros estratégicos porque se quis produzir milho em zonas semi-desérticas. Angola foi também o segundo exportador de farinha de peixe, mas houve uma devassa no mar e passou-se de 800 mil para 300 mil toneladas. Neste momento, estamos também a prestar atenção aos cereais, Angola pode produzir arroz, milho, soja e feijão.

Num contexto de guerra na Ucrânia, isto deve ser visto como uma oportunidade de negócio?

É uma oportunidade extraordinária, não só para Angola como também para os grandes grupos económicos das commodities. Nós temos mais de cinco milhões de hectares disponíveis para produzir trigo e arroz, na zona leste.

A Associação Industrial de Angola tem esses projectos e tem capacidade de apoiar quem queira vir para o país. Temos o caminho de ferro de Benguela que faz a trasfega da produção agrícola para o porto do Lobito, que é um porto internacional. Esta é a grande aposta que precisamos de fazer para deixarmos de ser importadores dessas commodities 

No açucar, por exemplo, estamos a trabalhar com tecnologia brasileira no sentido de passarmos de uma para várias açucareiras. No caso do papel -estamos a ver estas desgraças [incêndios] que estão a afectar a Europa meridional- temos aqui entre dois a quatro milhões de hectares disponíveis para florestas.

Porque é que estas oportunidades de negócios, que acaba de enumerar, ainda não se concretizaram?

Porque os investidores estrangeiros, em África, preferem trabalhar com o Estado em vez de trabalhar com o sector privado, com as associações locais.

E isso acontece porque razão? 

Isso acontece porque nós viemos de um sistema marxista-leninista e agora é preciso mudar. Tivemos aqui uma estagnação, mas Angola precisa de crescer na ordem dos 7,5%. Na época colonial, a economia angolana chegou a crescer 12% por ano.

Este certame é uma oportunidade extraordinária para a Europa. A França tem tentando, fá-lo de uma forma muito académica, através da criação de institutos, mas não traz empresários para trabalhar no terreno. Portugal não é uma economia pujante, não tem essa capacidade. Isto é um mercado para os grandes grupos agrícolas norte-americanos ou europeus.

Esta aposta no mercado africano também pode reduzir o fluxo migratório de africanos para a Europa. Nós temos uma taxa de desemprego de cerca de 60%, que atinge essencialmente a juventude. Precisamos crescer rapidamente para lhe dar qualidade de vida e oportunidades aos mais jovens.

Todavia, esses grupos são acusados, muitas vezes, de não criarem postos de trabalho para a população local, de concentrarem os benefícios ou de os distribuírem apenas a uma parte da sociedade...

Isso é verdade. No entanto, há muita coisa que se pode fazer através dos incentivos fiscais. Nós estamos a pedir mais incentivos fiscais para quem investe nas regiões centro e leste do país. Isto depois ajusta-se, estamos a falar de um processo dinâmico. 

Antes, o conteúdo local petrolífero, eram apenas as empresas estrangeiras que estavam à volta de uma Total, uma ENI ou Chevron. Depois, conseguimos com o ministro dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás mudar essa política. Hoje existe a possibilidade de conteúdo local, as próprias petrolíferas em Angola entenderam que tem de se trabalhar com o conteúdo local. 

Quando fala em conteúdo local refere-se à formação, criação de postos de trabalho?

Sim. Fornecimento, prestação de serviços, recorrendo aos serviços locais.

Falamos aqui de diversificação económica, mas o sector petrolífero continua a ser um sector de grandes oportunidades de negócio?

Nós temos trabalhado bastante com o Ministério angolano dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás, dando passos importantes na questão dos conteúdos locais. Há cerca de dois mil milhões de negócios associados ao sector petrolífero, que podem ser nacionalizados com empresas de direito angolano, mas também às empresas de direito angolano com capital estrangeiro. Essas empresas têm de ser residentes fiscais, estarem mais envolvidos na transferência de conhecimento, formação, criação de emprego. Isso também se está a verificar no sector das minas. Ambos os sectores perceberam a importância do contéudo local.

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