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Sri Lanka: crise económico-social derruba governo

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A agudização da contestação no Sri Lanka tem provocado dezenas de feridos e, pelo menos, oito mortos desde o início da semana. A demissão do primeiro-ministro não tem satisfeito os manifestantes que exigem também a partida do presidente. Catarina Pereira está radicada no antigo Ceilão há mais de 4 anos e faz-nos o retrato de uma ilha em ebulição.

Primeiro-ministro Mahinda Rajapaksa com o presidente, o seu irmão, Gotabaya Rajapaksa (imagem de arquivo de 11 de Agosto de 2019.
Primeiro-ministro Mahinda Rajapaksa com o presidente, o seu irmão, Gotabaya Rajapaksa (imagem de arquivo de 11 de Agosto de 2019. © Eranga Jayawardena/AP
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A crise económica no Sri Lanka degenerou em motins.

A repressão dos protestos provocou vítimas mortais nos últimos dias, com registo de centenas de feridos .

Os protestos denunciam a degradação das condições de vida, o primeiro-ministro acabou por se demitir.

Mas as manifestações visam agora a chefia do Estado, Gotabaya Rajapaksa, irmão do chefe do executivo entretanto afastado.

O paraíso turístico tem-se transformado em pesadelo para as populações que denunciam o aumento dos preços e a falta de toda uma série de produtos.

A portuguesa Catarina Pereira vive neste país, no passado conhecido como Ceilão ou Taprobana, há mais de 4 anos como ela começa por nos descrever.

Catarina Pereira: Nós estamos em Bandarawela, que é uma pequena cidade, no centro da ilha. Estamos relativamente perto de uma zona turística que se chama Ella, que é nas montanhas. Portanto estamos muito longe de Colombo. Para se ter uma ideia, em termos de quilómetros, são, mais ou menos, 200 km. Mas seriam 6 horas de carro. Aqui está tudo mais ou menos pacato. Nós estamos em casa neste momento e o país está em confinamento obrigatório.

RFI: Estão também em estado de emergência !

Sim, há dois dias quando o primeiro-ministro se demitiu, também houve aqui ataques a casa de alguns políticos da localidade, o equivalente a presidente da câmara. Ainda é até um rapaz bastante novo, mas é do mesmo partido político que o primeiro-ministro, e acho que também foi a casa dele e uma clínica também que foram atacadas.

Esta contestação já vem de longe, nunca houve uma crise económica tão grande !  Cortes de energia,  cortes de abastecimento de água, subida muito grande do preço dos combustíveis.  Quais são as condições de vida neste momento dos habitantes do Sri Lanka para que a contestação seja tal ?

É muito, é muito difícil. Por acaso ainda agora a luz falhou; salvo erro eu desde Março nós estamos mais ou menos com 2 cortes de luz. Todos os dias, um de manhã ou ao início da tarde e outro agora. Foi agora, são 6 e meia, já é de noite.  Estamos a trabalhar de casa e temos conseguido orientar-nos e estamos a gerir aqui, mediante as circunstâncias. Estamos numa localidade relativamente pequena, é pacato. Mas as crianças estão em casa, não há escola.

A eletricidade já falhou agora. Quando os cortes são maiores, a partir de uma certa altura acho que o nosso gerador só dá para uma hora e meia, mais ou menos. Depois se precisarmos da internet temos que usar através do wi-fi no telemóvel. Para quem está a trabalhar, quem precisa de internet, é difícil.  

Claro que as classes menos privilegiadas estão a sofrer muito ! Pronto diz-se que desde que houve a independência do país que as coisas não estavam assim tão mal !

Nos anos 40 !

Pronto, na minha opinião, que eu já estou aqui há 4 anos e meio, o que vejo é que foi agora,  quando a guerra começou na Ucrânia, que foi a gota de água ! Pronto já havia endividamento do país, é já de há muitos anos ! Mas as coisas ainda iam mais ou menos: o turismo é uma das receitas principais do país. Depois foi em 2019 o ataque da Páscoa, foi o Covid.

E agora, no passado mês de novembro, o país abriu novamente ao turismo. As coisas estavam correr muito bem. Em Janeiro houve muitos turistas, em Fevereiro os números estava aumentar significativamente. Os russos eram os primeiros, com o maior número de turistas, os segundos eram os britânicos, e, em terceiro lugar eram os ucranianos.

Está a ver agora, a meados de Fevereiro, quando começou a guerra, veio tudo cá para baixo foi o descalabro e foi  a gota de água !

Ou seja no dia-a-dia falamos de falta de energia eléctrica, mas há problemas de abastecimento de água potável, os combustíveis são demasiado caros para as pessoas. Há fome ?

Há fome, há falta de tudo.

Mesmo em famílias que até agora viviam bem.

Sim, sim. Mesmo a classe média não é ? Mas agora os preços dispararam, os combustíveis ! Aliás para nós a situação é um bocadinho diferente para nós porque também não precisamos nos deslocar diariamente para o trabalho não é ? Vamos gerindo, com muito cuidado , com bastante cuidado. Mas sim, há fome, há isso tudo !

Aqui em casa temos um poço de água. Ou seja é também uma coisa que não nos está a afectar. Temos a nossa própria água, temos é que ter energia para a bomba eléctrica funcionar, não é ? Para se bombear a água para o depósito.

Mas vamos gerindo.  Mas sim, ouvi umas pessoas amigas a dizer que havia cortes de água. Falta de medicamentos, não há leite em lado nenhum e pronto ! De facto as pessoas estão a passar muita fome ! Estão com muitas necessidades !

Dá a não impressão que não obstante o primeiro-ministro se ter demitido, depois a casa dele acabou por ser atacada. E havia pessoas a tentar impedir que ele saísse do Sri Lanka. Dá a impressão que os motins não vão acabar e há quem esteja mesmo a pedir a demissão do presidente da república. Apesar de haver recolher obrigatório, e apesar de haver o estado de emergência continua a ver pessoas na rua, pelo menos em Colombo não é ?

Sim.

E a senhora está preocupada com as manifestações , Acha que poderá haver forma de elas acalmarem ?

O primeiro-ministro era irmão do presidente. São irmãos, o país estava numa ditadura, basicamente…agora de há uns tempos para cá. Porque o presidente foi eleito há cerca de 2 anos e meio, mas depois o presidente nomeou o irmão como primeiro-ministro e havia outros irmãos que eram Ministro das Finanças, um quarto também era ministro.

Daí que agora a população chegou a um ponto em que realmente teve que ser, tipo uma revolução !  Anda só aconteceu há um dia ou dois o primeiro-ministro demitir-se. Vamos ver o que é que acontece, os ânimos ainda estão muito quentes !

Sinceramente também não sei exactamente quais são as perspectivas, não sei se ainda vão continuar com a pressão para que o presidente se demita ? Penso que sim porque são todos da mesma família, penso que agora aqui o povo do Sri Lanka não se vai acalmar enquanto o presidente não se demitir também.

No entanto eu ouvi a análise de alguns economistas que dizem que a situação económica do Sri Lanka é tão, tão grave que, independentemente do governo que venha a ser nomeado, vão ser necessárias medidas muito impopulares para se tentar salvar esta economia das ruínas !

Sim, sim, com certeza. Mas para além disso é preciso, pronto, que sejam políticos honestos, que salvaguardem os interesses do país e não propriamente os interesses pessoais

A senhora disse-me que os primeiros contingentes de turistas eram os russos, os britânicos e os ucranianos. Neste momento não há turismo, imagino ?

Algumas pessoas ainda, vou seguindo um outro grupo no Facebook de expatriados e de turistas. Sim, ainda há turistas a viajar, mas agora estes dias, claro, que também as recomendações são para que se mantenham nos hotéis, ou nos sítios onde estejam hospedados e que não andem de um lado para o outro, a não ser alguém que tenha que apanhar um avião. As coisas estavam calmas em relação ao turismo porque o Sri Lanka precisa dos turistas não é ? Normalmente os estrangeiros são bem recebidos e bem acolhidos.

 A senhora também está ligada ao ramo turístico, ao ramo hoteleiro ?

Neste momento, pronto, eu e o meu marido nós temos a propriedade de um terreno aqui estamos a fazer um projecto de turismo. Mas para já ainda não ainda não está construído, pronto ainda estamos na fase de planeamento.

E a senhora por acaso com esta situação tensa por acaso equaciona sair ? É algo que lhe passou pela cabeça ?

É, pois… não é fácil, não é ? É preciso muito sangue frio ! Porque pronto temos de estar alerta não é ? Todos os dias temos de estar alerta, ver o que é que se passa Para já também, como temos aqui a propriedade, também não nos convém estar a largar as coisas e sair. Mas, pronto, também com o facto de estarmos numa zona mais calma não é ? E, pronto, isso dá-nos alguma segurança, estamos tranquilos. Para já vamos vendo, no dia a dia, o que é que se passa.  Vamos observando e estando atentos à situação.

O Sri Lanka tem muitos laços com a História portuguesa não é ? Há muitos nomes de famílias que são muito lusófonos, há um folclore herdado dos portugueses e também um crioulo, uma língua que tem também vocábulos, palavras do português !

É, por acaso o meu nome, o meu apelido é Pereira e é um dos apelidos mais populares aqui ! Pereira, Pereira, Silva, Fernando, Mendes, Fonseca, imensos apelidos ! E, por norma, eles gostam bastante dos portugueses !

E a comunidade portuguesa e lusófona é grande ? Há, por exemplo, pessoas da África Lusófona ?

Sei que há, acho que a norte de Colombo, uma zona  em que há descendentes de africanos que foram trazidos, na altura pelos portugueses, já há muitos séculos e, pronto e por aqui ficaram e entretanto depois casaram com os locais. E realmente nota-se às vezes uma certa fisionomia diferente. É muito interessante, é um país bastante bastante rico nesse aspecto, cultural e histórico.

Muitas civilizações passaram pelo Sri Lanka !

Exactamente. Sei que há uma zona aqui no Sri Lanka, na costa leste, que se chama Batticaloa.  Em que há núcleo até de folclore português com um senhor que é bastante entusiasta em relação ao folclore. Ele gostaria muito de ir a Portugal um dia, vi no Facebook que é um dos sonhos dele levar o grupo de folclore a Portugal.

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