Acesso ao principal conteúdo
Convidado

Moçambique "tem de avançar para a pacificação do processo político"

Publicado a:

Em Moçambique, o chefe de Estado, Filipe Niusy, encontrou-se esta semana com o líder da Renamo, Ossufo Momade, antigo guerrilha e maior força da oposição. Os dois chegaram a um entendimento quanto ao processo de Desarmamento, Desmobilização e Reitegração dos ex-combatentes da Renamo nas forças regulares moçambicanas.

Combatentes da Renamo em treino na Gorongosa, no centro (2012).
Combatentes da Renamo em treino na Gorongosa, no centro (2012). AFP FOTO / JINTY JACKSON
Publicidade

As últimas cinco bases militares da Renamo serão encerradas nas próximas semanas, um passo que Adriano Nuvunga, director executivo da ONG moçambicana Centro para a Democracia e Desenvolvimento, considera importante, uma vez que, na sua opinião, o país tem de avançar para uma completa pacificação do processo político e, consequente, desmilitarização.

RFI: Qual é a sua reacção à perspectiva das últimas 5 bases da Renamo virem a ser encerradas nos próximos meses. Isto é verosímel?

Adriano Nuvunga: Penso que isso a acontecer é importante. O país tem de avançar para uma completa pacificação do processo político e sua desmilitarização. Isso é um passo muito importante, mas não se sabe se isso vai acontecer porque a história dos 30 anos de democracia de Moçambique sempre foi acompanhada de homens com armas, pertencentes à Renamo, que hoje está a colaborar no processo de desmilitarização, mas não se sabe até porque até há pouco tempo havia a Junta Militar.

RFI: Considera que há risco do processo não ter continuidade?

Penso que há duas coisas muito importantes aqui. Uma é na perspectiva da liderança actual da Renamo, que penso que está a colaborar. Ossufo Momade está a participar no processo. A outra questão um pouco diferente é a das várias pessoas da Renamo, que estão espalhadas particularmente na zona centro do país, e, em certa medida, não têm total satisfação em relação à sua liderança política. Isto aqui pode, de alguma maneira, afectar esse processo, na relação entre a liderança política da Renamo, na pessoa de Ossufo Momade, que não parece propriamente representar, de forma cabal,  aquilo que são as várias sensibilidades e expectativas e isso pode, na minha maneira de ver, prejudicar esse processo.

RFI: Em que medida é que a antiga guerrilha da Renamo continua com dificuldades em se concentrar na arena política, após o Acordo de Paz de 1992?

Isso é verdade, mas há que distinguir esta questão. Há, por um lado, a Renamo, partido político, que tem de se concentrar na arena política, não somente porque reclama que parte dos acordos firmados em Roma não foram atendidos, mas aqui também importantemente, se me permite usar este termo, há a questão da qualidade das eleições em Moçambique, que são claramente fraudulentas e isso tem prejudicado os partidos da oposição, incluindo a Renamo.

Por outro lado, temos a Renamo social, a Renamo que, nas eleições fundadoras, acreditava nas eleições em Moçambique, acreditava na democracia, mas com o passar do tempo, tendo claramente visto que essas eleições em Moçambique são mais um instrumento de conflito e da manutenção do status quo, vem-se afastando. Se olharmos para os números de participação dos eleitores, vem diminuindo, apesar do crescimento populacional. Isso mostra aquilo que é a ilegitimidade do processo eleitoral moçambicano, que faz com que as pessoas não participem. E, a Renamo acaba, em certa medida, a recorrer a meios não democráticos, não legais, para se fazer ouvir, justamente porque o sistema eleitoral não permite que transforme o seu poderio de suporte e apoio popular em parte do poder.

RFI: Em que situação fica a autoproclamada Junta Militar da Renamo, após a morte do respectivo líder, Mariano Nhongo, em Outubro de 2021?

Mariano Nhongo morreu e pode também ter morrido a Junta Militar, embora o sentimento da Junta Militar se mantenha, aquele sentimento de insatisfação em relação ao actual Presidente da Renamo, Ossufo Momade, que se acredita que chegou ao poder num processo eleitoral dentro da Renamo não propriamente claro, não propriamente legítimo, embora possa ter sido legal na forma como ele foi organizado. A Junta Militar pode ter morrido como organização, mas como movimento de contestação à liderança de Ossufo Momade penso que continua.

RFI: O MDM, segunda força da oposição, denuncia o secretismo deste acordo e do encontro entre o chefe de Estado e o líder da Renamo, bem como deplora a exclusão de outras forças políticas. Faria sentido debater-se não a dois, mas de forma mais alargada este processo DDR?

Creio que não. São processos completamente diferentes. Aquilo que o MDM deve reclamar é um processo eleitoral transparente, livre e justo. Os dois podem ir fazer os seus acordos, mas quem decide é a população, em sede das urnas, independentemente dos acordos. Se o sistema eleitoral permitir que a população possa falar através das urnas, não seria problema. A questão central é que a questão das eleições é excludente, marginalizador e afecta os partidos pequenos, como é o caso do MDM.

RFI: Em que medida é que o militarismo continua a marcar de forma tangível a sociedade moçambicana? Porque é que o processo DDR é tão demorado e complexo?

É tão demorado e complexo pela falta de legitimidade da Frelimo, como partido que governa, e que chega ao poder sempre através de fraude, por um lado, mas também a própria Renamo hoje, por hoje, já é um pouco não representativa do sentimento da população, que sofreu o drama da guerra, na região central do país.

As duas principais forças políticas neste momento não representam o sentimento popular de que a governação em Moçambique é militarizada. Militarizada, principalmente porque tanto a Frelimo, quanto a Renamo não têm legitimidade e impõe-se através da força, através da polícia que nega, por exemplo, as manifestações, que bate em pessoas, e olhamos também para a questão dos defensores dos direitos humanos que são assassinados.

Recorde-se o caso de Anastácio Matavele, que foi assassinado barbamente na véspera das eleições. Isso tudo para permitir que as eleições não sejam fiscalizadas, que não sejam observadas e que são um meio através do qual chegam ao poder. Utilizam a força das armas para amedrontar, assustar a população e os defensores de direitos humanos e, de alguma maneira, intimidar jovens com ideias brilhantes. Utilizam as armas para a manutenção do status quo, para se manterem no poder e perpetuar este estado de coisas, de corrupção e de subdesenvolvimento.

RFI: Em que medida é que a sucessão de Ossufo Momade na liderança da Renamo, após a morte de Afonso Dhlakama, mudou o contexto negocial com o governo central?

Mudou claramente porque há a ideia de que Ossufo Momade é uma pessoa que não está à altura do desafio imposto pela situação política em Moçambique, onde se tem, por um lado, uma Frelimo libertadora, mas que já não representa esse sentimento do movimento libertador que utiliza as armas, mas que se mantém lá, através do controlo de uma franja pequena eleitoral. Ossufo Momade existe como uma pessoa muito elitizada e maputizada  Aparece em festas glamorosas a comer. Parece uma pessoa mais preocupada em usufruir das beneces iguais às dos chefes da Frelimo, do que lutar pela população que está a sofrer, que está a passar fome, marginalização e exclusão, nas províncias onde não chegam investimentos públicos, portanto, há sim problemas com Ossufo Momade.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe toda a actualidade internacional fazendo download da aplicação RFI

Ver os demais episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual pretende aceder não existe ou já não está disponível.