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Petróleo da Guiné-Bissau e do Senegal: "cada um deveria ficar com a sua área"

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Na Guiné-Bissau, os deputados votaram na terça-feira uma resolução em que consideram “nulo e sem efeito” um acordo de partilha de eventuais recursos do petróleo, que terá sido assinado entre os Presidentes da Guiné-Bissau e do Senegal em Outubro do ano passado.

Presidente guineense Umaro Sissoco Embalo e o seu homólogo seneglês Macky Sal em Dakar no começo do ano de 2020.
Presidente guineense Umaro Sissoco Embalo e o seu homólogo seneglês Macky Sal em Dakar no começo do ano de 2020. © Presidência do Senegal
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O documento fornecido ao parlamento por intermédio do Primeiro-ministro, Nuno Nabiam, estipula que a Guiné-Bissau fica com 30% de eventuais recursos petrolíferos e o Senegal fica com 70% dos benefícios.

Reagindo há dias sobre a revelação da possível existência deste acordo, Umaro Sissoco Embalo desmentiu ter rubricado este documento e afirmou que o que existe com o Senegal é um acordo estabelecido no âmbito da Agência de Gestão e Cooperação (AGC) que gere a Zona Económica Comum (ZEC) entre os dois países.

“O acordo assinado com o meu irmão Macky Sal que dá 30% para a Guiné-Bissau não é sobre o petróleo”, disse Umaro Sissoco Embaló argumentando que “é preciso que as pessoas saibam estudar para que saibam interpretar. As palavras têm significados diferentes em francês e em português. Há a prospeção e a exploração do petróleo”. 

Declarações que surgem dias depois de Nuno Nabiam dizer que "o Governo não foi envolvido” e que "as coisas não foram tratadas conforme deviam ser. Quem devia assinar é o Governo, o parlamento ratificar e o Presidente promulgar, mas as coisas foram tratadas de forma contrária”.

Foi por conseguinte neste ambiente de controvérsia que 70 parlamentares disseram ter sido com “estranheza que a Assembleia Nacional Popular (ANP) e os deputados nela representados tiveram a confirmação da existência de um acordo de gestão e cooperação entre os governos da Guiné-Bissau e do Senegal, assinado à revelia da Constituição da República da Guiné-Bissau pelo Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló”, os deputados afirmando chumbar este alegado acordo “em defesa dos superiores interesses da nação”.

A confirmar-se a efectiva existência deste acordo, ele segue-se àquele assinado aquando da constituição da Zona Económica Conjunta em 1993, em que a Guiné-Bissau entrou com 46% do seu território marítimo e o Senegal com 54%, sendo que esta zona é tida como sendo potencialmente rica em petróleo e pescado.

Segundo o que ficou então estabelecido, previa-se que a Guiné-Bissau ficasse com 15% do petróleo e o Senegal com 85%, sendo que ambas as partes iriam ficar respectivamente com 50% do pescado.

Só que passaram quase trinta anos e o nível de informação sobre a hipotética existência de petróleo é outro, pelo que diversas vozes dentro e fora do parlamento têm vindo a defender que “cada país explore o seu petróleo”.

Em entrevista à RFI, Gilberto Charifo, investigador guineense na área de minas e hidrocarbonetos radicado em Portugal, considera que a repartição dos rendimentos do petróleo numa fasquia de 30% para a Guiné-Bissau e 70% a favor do Senegal, não se justifica.

"Se realmente o acordo foi assinado, os parlamentares simplesmente estão a fazer o trabalho deles", começa por referir o estudioso que relativamente à repartição 30% contra 70% em benefício do Senegal, considera que "os argumentos deviam ser o oposto, porque por exemplo, em 1962, aquela área em que a Guiné-Bissau perdeu em tribunal, isso fez com que os guineenses sempre ficassem desconfiados. E agora o território (marítimo) da Guiné-Bissau é a partir do azimute 240 para baixo. A zona que realmente está em questão é a zona guineense que é do azimute 240 para 220 e da outra parte, dos 240 para os 266 ou 270. No acordo anterior, a zona promissora era a zona senegalesa. Hoje, a zona promissora é a parte da Guiné-Bissau."

Assim sendo, na óptica do especialista em hidrocarbonetos "devia-se partir pela situação anterior, Guiné-Bissau 85% e Senegal 15%, de acordo com as regras de boa vizinhança. Agora a melhor solução é que cada um fique com a sua área, mas como há uma tradição que herdamos, temos de saber conviver com isso. Mas saliento que antes de qualquer acordo desta envergadura, deve-se fazer uma auditoria total da gestão desses últimos vinte e tal anos para saber como é que a situação está e o que é que devemos fazer daqui para a frente. Antes de assinar esses acordos, é preciso fazer um trabalho de casa extremamente amplo."

Neste contexto, o estudioso guineense considera que a confirmar-se a assinatura do referido acordo "é extremamente grave porque antes podia-se entender que a Guiné-Bissau não tinha nenhuma informação correcta sobre isso, faltavam quadros, faltavam técnicos, faltava muita coisa. Estamos a falar do início dos anos 90. E agora, desde a década de 90 até hoje, já lá vão trinta anos e, nesses trinta anos, temos engenheiros, doutores e Phd's naquela áarea, pessoas competentes que poderão suportar isto e apoiar". 

Ao ser questionado sobre a discrepância entre a previsão de repartição de receitas e a percentagem de território marítimo com que entraram ambas as partes, o investigador Gilberto Charifo considera que é preciso ter em conta o valor de cada área para a repartição ser mais justa. "Não concordo quando se diz que o Senegal entrou com 54% da área e a Guiné-Bissau entrou com 46% e que o raciocínio seja de que a partilha deva ser de 54/46. Essa partilha não é linear. Posso entrar com 40% mas a minha área tem mais valor do que a área de quem entrou com 60%, por exemplo. Então a partilha aí seria feita consoante o valor acrescentado. O jogo mudou", acrescenta o estudioso.

Relativamente à possibilidade defendida por alguns sectores de opinião de a Guiné-Bissau desistir de um qualquer acordo com o Senegal sobre o petróleo, Gilberto Charifo mostra-se favorável a esta hipótese argumentando que o país tem estrutura para avançar sozinho."O que é a própria agência (AGC) faz? A única coisa que faz é dar licenças de prospecção e pesquisa que visa a sua exploração depois. E se nós hoje em dia temos a empresa pública que trata disso, poderia ser estendida para a outra área. Isto é uma coisa simples. Na minha opinião, cada um deveria ficar com a sua área. Mas devido a laços de boa vizinhança, vamos imaginar que o petróleo tinha sido encontrado na área do Senegal, eventualmente iríamos buscar os 15%. Agora que a incidência está do lado da Guiné-Bissau, para mantermos a regra de boa vizinhança, devíamos também inverter a situação, 85% para a Guiné-Bissau e 15% para o Senegal", considera o investigador.

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