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Alemanha prestes a fechar os 16 anos da era Merkel

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Realizam-se no próximo domingo, dia 26 de Setembro, eleições parlamentares na Alemanha, eleições essas que ditarão quem será o ou a próxima chefe do governo alemão, sucedendo assim a Angela Merkel que ocupou o cargo de chanceler durante 16 anos.

A Alemanha está na hora dos balanços depois de 16 anos com Angela Merkel no poder, uma era que está prestes a terminar.
A Alemanha está na hora dos balanços depois de 16 anos com Angela Merkel no poder, uma era que está prestes a terminar. © JOHN MACDOUGALL / POOL / AFP
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Qual o balanço dos quatro mandatos consecutivos, de quatro anos cada, de Merkel à frente do país mais populoso da União Europeia e economia mais forte da Europa? Como foi e como será a política da Alemanha referente ao continente africano e, em especial, aos países lusófonos? Questões que a RFI abordou com o politólogo angolano, Orlando Ferraz, que cursou, nos anos 90 na conceituada Universidade de Bona, na então Alemanha Ocidental, República Federal da Alemanha.

RFI:

Angela Merkel não é alvo apenas de elogios, mas também – sobretudo a nível interno – de severas críticas. Qual é a sua avaliação, como politólogo angolano residente na Alemanha, agora que Angela Merkel se prepara para abandonar o poder?

Orlando Ferraz:

Embora haja quem considere desastroso o desempenho da chanceler ao longo dos últimos 16 anos que sou daqueles que, de uma forma geral consideram o desempenho dela positivo.

RFI:

Portanto faz um balanço globalmente positivo, como diz, da carreira desta mulher oriunda da antiga Alemanha do Leste, comunista, que no ano de 2000, 11 anos depois da reunificação das duas Alemanhas, surgiu do nada num momento de crise, para assumir a liderança do partido cristão-democrata que abandonou em 2018, mantendo-se à frente do governo federal-alemão. Em que factores se baseia o politólogo Orlando Ferraz quando diz que os quatro mandatos consecutivos de Merkel à frente do país mais poderoso da União Europeia foram positivos?

Orlando Ferraz:

Eu argumento da seguinte forma: No primeiro mandato nós vimos uma mulher, uma política jovem, que herda uma pesada herança do seu chamado ‘mentor político’, chanceler Helmut Kohl. Vimos esta mulher a forjar a sua personalidade num partido conservador e composto por muitos homens influentes e, até certo ponto, muito conservadores. No segundo mandato vimos esta mesma mulher a se afirmar e a consolidar a sua aceitação, a consolidar a sua personalidade, vendo-se reeleita para um novo mandato. No terceiro mandato vimos esta mesma mulher a conquistar o estatuto de mulher mais poderosa do mundo, um estatuto que a história regista até agora como um estatuto apenas atribuído à Sra. Margereth Thatcher, do partido conservador no Reino Unido. E esta mulher, Angela Merkel, ainda no seu terceiro mandato, lutou e, considero eu, conseguiu manter a Alemanha entre as três economias mais influentes do mundo e a primeira mais influente e mais importante da Europa, conseguindo reduzir a taxa de desemprego na Alemanha, que estava acima de cinco por cento, para três por cento, numa altura em que as percentagens de outros países, como a França. Oscilavam entre os oito e dez por cento e a do reino unido era de cerca de seis por cento.

RFI:

Mas o quarto mandato de Angela Merkel, que agora chega ao fim, já não foi coroado assim de tanto êxito, como afirmam muitos observadores, mesmo a nível internacional. Que balanço faz dos últimos anos, em que a chanceler parece mais cansada, menos dinâmica e por isso terá decidido retirar-se do cargo?

Orlando Ferraz:

Já no seu quarto mandato, que eu considero tendo sido supérfluo, pois acho que não teria sido necessário chegar ao quarto mandato, pois este já foi manchado por alguns aspectos, que eu considero circunstanciais, mas que acabaram por manchar a sua trajectória, a sua linda trajectória, diria mesmo.

RFI:

Quais foram os factores que acabaram por manchar a sua trajectória?

Orlando Ferraz:

Foi sobretudo a onda de refugiados do Médio Oriente e depois a onda de contestação interna que se seguiu a essa mesma onda de refugiados, e – como se não bastasse – a pandemia da covid-19.

RFI:

Falando de política externa: O que é que se pode dizer da Alemanha de Angela Merkel nessa matéria?

Orlando Ferraz:

16 anos de governação de Angela Merkel implicaram a gestão de crises, a procura de compromissos, sobretudo multilaterais, por parte de Merkel. Em algumas circunstâncias foram mesmo questões de paz ou guerra à dimensão mundial, como foi a questão da anexação da Crimeia por parte da Rússia, ou da guerra de interesses de várias potências, na Síria, sem falarmos da saída em debandada do ocidente do Afeganistão. Tudo isso teve que ser gerido na era em que Angela Merkel foi chanceler. Também não nos podemos esquecer que ela teve que gerir duas graves crises financeiras a nível mundial, e a sua administração também não foi poupada. Um outro facto importante, que jamais pode ser omitido, são as relações entre Angela Merkel e os seus homólogos franceses ao longo destes últimos 16 anos, incluindo com o actual presidente Emmanuel Macron: relações consideradas tão excelentes que elas apenas são consideradas, aqui em Berlim, como aquelas que se viviam no tempo de François Mitterrand e Helmut Kohl.

RFI:

E quanto ao continente africano em geral e, especificamente aos Países de Língua Oficial portuguesa? O que se poderá esperar da Alemanha pós-Merkel?

Orlando Ferraz:

Não se esperam grandes mudanças de paradigmas no campo das relações entre Berlim e os PALOP. Quero no entanto deixar aqui uma nota de realce: Quero salientar que nos últimos 16 anos de governação Angela Merkel marcou por duas vezes presença em Luanda, nomeadamente em Julho de 2011, e a última visita a Luanda foi no ano passado em Fevereiro.

RFI:

E quanto às eleições que se avizinham, qual a previsão de um angolano que acompanha de muito perto a cena política na Alemanha?

Orlando Ferraz:

Quanto às eleições do próximo domingo, dia 26, as coisas estão a ficar mais ou menos claras que o partido social-democrata, SPD, com Olaf Scholz, será o partido que colocará o chanceler, mas – como é tradicional aqui na Alemanha – sozinho não se governa. Ele precisará de um ou dois parceiros. E tudo indica que teremos na Alemanha uma coligação a três, ou seja o que aqui na Alemanha se denomina de ‘constelação do semáforo ou sinal luminoso’ constituída pelo SPD, que segundo as sondagens aparece a liderar, depois precisará de um segundo parceiro, neste caso seria provavelmente o partido ecologista ‘Os Verdes’, que estão a oscilar entre os 15 e os 17 por cento, depois precisaria provavelmente um terceiro parceiro, que – neste caso – seria o partido liberal FDP, que neste momento está a oscilar entre os dez e os onze por cento. Portanto seria essa coligação, que, segundo os prognósticos que vão sendo publicados, dão sustento a esta minha previsão.

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