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Moçambique continua à espera da missão da SADC e sociedade civil interroga-se

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Praticamente duas semanas depois da chegada do contingente de cerca de mil homens enviados pelo Ruanda no intuito de apoiar as forças moçambicanas no combate ao terrorismo em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, e quando já se passaram vários dias desde a data em que supostamente deveriam ter chegado a totalidade das forças da SADC, sem que até ao momento tal tenha acontecido, o governo moçambicano reiterou nesta quinta-feira que está disponível para a sua chegada.

Mercado de Pemba, capital de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, em Maio de 2021.
Mercado de Pemba, capital de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, em Maio de 2021. © Liliana Henriques / RFI
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Ao informar que uma "equipa de avanço" dessas forças já se encontram no terreno na óptica de preparar a sua missão, o Ministério moçambicano da Defesa garantiu que quando o efectivo militar da SADC desembarcar, a população vai tomar conhecimento, por se tratar de um contingente numeroso. Apesar de não haver dados exactos e oficiais, sabendo-se apenas que a missão tem uma duração inicial de 3 meses e que é orçada em 12 milhões de Dólares, peritos militares avançam que os efectivos da força regional poderiam elevar-se a três mil homens.

Além disso, pouco mais se sabe. A sociedade civil tem colocado as suas interrogações sobre o perímetro de acção das forças estrangeiras, quem vai pagar e quais os interesses em jogo. Tal é o caso nomeadamente sobre a presença ruandesa no terreno. João Feijó, investigador e coordenador do Conselho Técnico do Observatório do Meio Rural em Maputo considera que ao envolvimento de Kigali nesta problemática, não estará alheia a defesa dos interesses franceses.

"Há relações antigas (entre Moçambique e Ruanda), no tempo de Samora Machel, houve uma colaboração militar, mas uma coisa de curta duração", recorda o estudioso para quem "o surgimento do Ruanda, pode ser entendido no quadro de uma relação tripartida entre Moçambique, a França e o Ruanda, na sequência da interrupção do projecto da Total em Afungi." Na óptica do investigador, "o que poderá acontecido, cruzando um conjunto de factos nomeadamente a visita do Presidente Macron e do Presidente Nyusi ao Ruanda, juntamente com os encontros que aconteceram em França entre o Presidente de Moçambique e o Presidente francês, inclusivamente as reuniões que aconteceram com a Total, é que a solução encontrada para garantir a segurança do projecto económico da Total em Afungi passa pela utilização do exército ruandês". João Feijó julga que "o mais provável é que o exército ruandês tenha sobretudo como função 'limpar' a zona ali à volta do projecto de Afungi, estender o perímetro de segurança e garantir a viabilidade do projecto económico".

Ao sublinhar que não foi dada informação prévia sobre a chegada das tropas ruandesas, o estudioso considera que "esta decisão implicaria a consulta da Assembleia da República e do Conselho de Estado que nunca se reuniram. Nunca houve apresentação. Ficou-se a saber desta decisão, sobretudo através do estrangeiro e através de um comunicado que o Presidente Nyusi depois fez em Mueda perante antigos combatentes e as forças de segurança que foi depois transmitido pela TVM, mas não há informação sobre este assunto".

Para João Feijó, a decisão de recorrer ao apoio das tropas ruandesas "merecia ser melhor escrutinada, nomeadamente quem vai pagar, qual é a respectiva missão, a quem vão ser atribuídas responsabilidades, qual é o grau de autonomia, quem é que comanda isto", o investigador focando igualmente a sua atenção sobre a questão da contra-insurgência militar. A seu ver, "era suposto que numa altura em que se vão intensificar estas operações contra o terrorismo, que estivesse já preparado no terreno todo o aparato para acções de contra-insurgência, de desenvolvimento económico e de assistência humanitária a populações que se prevê que nos próximos dias vão fugir dali. Era suposto que por exemplo, a ADIN (Agência de Desenvolvimento Integrado da Região Norte), estivesse a fazer uma grande publicidade das suas acções no terreno de forma a diminuir a pressão sobre as populações porque o que vai acontecer com isto é o aumento do ciclo vicioso da violência".

Relativamente à ausência da Tanzânia que em Maio deixou claro que não participaria em nenhuma força regional e que, segundo o ACNUR, entre Janeiro e Junho deste ano, repeliu pelo menos 9.500 refugiados moçambicanos que fugiam da violência, João Feijó refere que "atendendo ao facto de grande parte dos insurgentes serem tanzanianos", lhe parece que "a Tanzânia está a adoptar uma atitude de 'varrer' o problema para Moçambique, no sentido de conter a insurgência na margem sul do rio Rovuma e aproveitar esta oportunidade de instabilidade a sul para fazer avançar os seus projectos a norte."

Quanto aos percalços que impediram até ao momento o começo efectivo e pleno da missão militar da SADC, o investigador salienta que "a África do Sul é a grande potência regional, é a grande força da SADC, é um país que tem o exército mais capacitado e é um país que há muito que tem interesses de segurança marítima na zona." Na sua óptica, esse país "pretende manter a sua influência regional e não viu com bons olhos naturalmente a chegada de um novo parceiro e de uma solução bilateral sem a SADC ter sido consultada."

Recorde-se que Cabo Delgado, no norte de Moçambique, tem sido desde 2017 o palco de ataques de grupos armados que causaram mais de 2.800 mortos e 732 mil deslocados, segundo dados das Nações Unidas que tem tecido múltiplos alertas sobre a situação humanitária das populações que foram obrigadas a fugir das suas zonas de origem e que, salvo raras excepções, permanecem sem perspectivas claras sobre o seu futuro.

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